Julia Melo fala sobre expressão e estereótipos na arte lésbica

Celebrado neste sábado (29), o dia Nacional da Visibilidade Lésbica surgiu em 1996, com o 1º Seminário Nacional de Lésbicas (antigamente Senale, hoje Senalesbi), criado por ativistas lésbicas brasileiras. O mês de agosto é voltado para lembrar a existência da mulher homossexual e as pautas que o movimento reivindica.

O ROCKNBOLD, por sua vez, decidiu dar voz à mulher lésbica na indústria musical, e começando nesta quinta-feira (27), não só o site como as redes sociais terão como objetivo valorizar o trabalho dessas mulheres que lutam pelo seu espaço para expressar sua arte e pelo simples direito de existir.

Na estreia desse especial, batemos um papo com Julia Melo, cantora catarinense que recentemente lançou seu EP de estreia Celestial, onde aborda a odisseia da transição entre a adolescência e a fase adulta da sua vida, mencionando com frequência todas as experiências vividas no seu interno e externo em relação a sua sexualidade. 

Julia conta que soube de sua orientação sexual desde muito pequena, quando tinha apenas 13 anos e o assunto ainda era um tabu na sociedade. “Usava a música como uma forma de refúgio para poder falar o que eu sentia, livre de qualquer julgamento, até porque ninguém entendia inglês aqui em casa”, conta ao ROCKNBOLD. “Hoje a minha família me aceita como sou, e eu não poderia ser mais feliz.

Como toda criança e adolescente, Julia também teve suas referências, artistas em quem se inspirou e recorria para as músicas em momentos difíceis. “A primeira artista lésbica que tive contato de ouvir foi a Cássia Eller, eu sempre amei a voz dela e as músicas dela, músicas que ela cantava de outros artistas também”, a cantora revela, mas admite que quando reconheceu que se identificava mais com outros gêneros musicais, foi mais difícil de encontrar artistas lésbicas. “Lembro de ver um show do Queen, e minha mãe falar de como o Freddie se vestia da forma que queria ou o David Bowie, essas figuras andróginas me inspiraram muito, porque eram rockstars sem medo de trazer a feminilidade deles”, conta. “Então quando eu era nova eu era apaixonada por esses artistas excêntricos, e obviamente mais tarde acabei me apaixonando pelas músicas e o estilo da Lady Gaga.

“[Quando se é lésbica], as pessoas costumam te botar automatico na caixa da MPB” (Imagem: Divulgação)

Sou lésbica mas sou viciada em cultura pop”, a catarinense relembra, comentando sobre o esterótipo musical que as pessoas colocam em mulheres homossexuais.  “Costumam te botar automaticamente na caixa da MPB moderna, mas não é algo que eu consumo.

A mulher lésbica na indústria musical

Julia Melo conta também que seu estilo musical não é comum de se ver na cena composta por artistas catarinenses, mas encontrou na internet e nas redes sociais uma maneira de se expressar sem sair de casa. “Quero mostrar com o meu som que podemos atingir o pop e dark pop, estilo musical muito usado por outras siglas do LGBT”, comenta. “Quero poder mudar a percepção das pessoas, fazer conceito e sair da zona de conforto, mudar o que as pessoas já acham da cultura pop lésbica.

Sobre esse estilo de música e atitude de sair da zona de conforto, Julia comenta de duas artistas que chamam a sua atenção e possuem sua admiração. “Christine and the Queens, uma artista francesa lésbica que faz performances impecáveis e conceituais e a St. Vincent.”

A partir do momento em que se é mulher, automaticamente a pessoa faz parte de uma minoria. De acordo com a pesquisa DATA SIM sobre Mulheres na Música, com dados recolhidos a partir de março do ano passado, 84% das participantes afirmaram já terem sido discriminadas por serem mulheres no mercado de trabalho da música. Quando se é uma mulher LGBT, além do machismo, as vítimas ainda devem lidar com a LGBTfobia. Felizmente, Julia Melo conta que jamais perdeu oportunidades por fazer parte do meio, mas percebe que às vezes não vê espaço para sua música em espaços frequentados por um público majoritariamente heterossexual. “Geralmente lugares que são mais focados em bandas e bem mais heteronormativos às vezes não apostam tanto em cantoras solos LGBTs.”

Em Celestial, Julia Melo divide assuntos muito particulares de sua vivência (Imagem: Divulgação)

O cenário musical brasileiro e a heteronormatividade

Olhando para o movimento crescente de artistas que buscam dar visibilidade à arte lésbica, Julia se vê otimista. “É extremamente importante”, comenta, referindo-se a cantoras independentes que acabam buscando seu espaço no mainstream através de colaborações com artistas maiores. “Mas como eu faço um som um pouco diferente dentro da comunidade lésbica ainda tenho que trabalhar mais para ser ouvida dentro da minha própria comunidade”, confessa.

Além disso, Julia revela que sente que, muitas vezes, artistas lésbicas são apagadas e esquecidas dentro da comunidade LGBT. “Quando se falam de eventos LGBTs eles costumam focar muito no G”, comenta. “Ocupando espaços e sonoridades diferentes como no meu trabalho, vamos começando a ser mais ouvidas e termos nosso local de fala”, mais uma vez, a cantora comenta como deseja quebrar essa barreira da MPB automaticamente colocada nas mulheres que trabalham com a música.

Julia Melo e a expressão em sua arte

Em abril, Julia Melo lançou seu EP de estreia Celestial, em que dividiu com o público em cinco faixas intensas assuntos muito particulares de sua vivência, além de sua sexualidade, depressão, liberdade de expressão e as agressões físicas e psicológicas que sofreu devido ao comportamento conservador vindo da Igreja contra o meio LGBT. “Fazer com que as pessoas se sintam bem com elas mesmas e que se amem é parte do meu trabalho e eu quero do fundo do meu coração que cada lésbica e cada LGBT veja seu valor como pessoa e percebam que são incríveis e não importa o que qualquer moralista ou conservador diga se vamos ou não para o paraíso deles, nosso amor é puro e nós existimos, e apenas existir já é uma grande luta quando se é perseguido por sua sexualidade.

Período de isolamento social

Diante da pandemia do novo coronavírus, Julia Melo teve que encontrar alternativas para compor enquanto cumpria o isolamento social. “Meu processo criativo antes de isolamento era muito como um escape do caos do dia a dia, geralmente no horário de almoço do trabalho era meu momento de compor e liberar todo aquele estresse”, ela brinca. “Agora, como estou sempre em casa, está sendo um processo muito mais estudado, em cima do que componho ou produzo, olhando cada detalhe e indo mais devagar com calma e análise crítica.” Ela também revela que está produzindo bastante, e aquece as expectativas para vir novidades aos fãs este ano. “Minha primeira meta quando acabar o isolamento é lançar videoclipes das minhas músicas já existentes e fazer um show do EP, não vejo a hora de poder cantar minhas músicas com meus amigos e fãs.

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