O Dia Internacional do Combate à Violência Contra a Mulher na música

Por Beatriz Vaccari e Luana Harumi

O dia 25 de novembro marca uma luta travada há anos entre mulheres e a sociedade patriarcal, intitulada Dia Internacional do Combate à Violência Contra a Mulher. A data foi estabelecida no Primeiro Encontro Feminista Latino-Americano e do Caribe em 1981, realizado em Bogotá, como uma forma de homenagear as irmãs Mirabal, ou como eram conhecidas, Las Mariposas, que foram brutalmente assassinadas pelo ditador Trujillo há exatos 60 anos.

Embora não seja uma data popularmente lembrada como o Dia Internacional da Mulher, no dia 8 de março, justamente por ter menos apelo comercial, não significa que há menos importância em discutir o assunto, principalmente em um ano como este.

Em 2020, o período de quarentena instaurado no mundo para evitar a fácil proliferação do novo coronavírus (SARS-CoV-2) resultou em um assustador aumento de casos de violência doméstica, como mostra um levantamento realizado pela ONU Mulheres e divulgado no final de setembro. O documento aponta que o número de denúncias ou pedidos de ajuda por violência contra a Mulher teve uma alta de de 30% no Chipre, 33% em Singapura, 30% na França e 25% na Argentina.

Já no Brasil, segundo dados recolhidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), houve um registro de 648 casos de feminicídio no primeiro semestre de 2020, 1,9% a mais que no mesmo período de 2019. Em outubro do ano passado, foi divulgado pela Organização Mundial da Saúde (OMS) que a  taxa de feminicídio no Brasil é a quinta maior do mundo, com uma média de 4,8 assassinatos para cada 100 mil mulheres.

Como uma de pedir socorro para as vítimas que ainda possuem esse grito preso na garganta, a banda Teorias do Amor Moderno lançou nesta quarta-feira (25) o single Aurora, abraçando a causa e dando local de fala desde a composição até a pós-produção da faixa, envolvendo, ao todo, nove mulheres para a entrega do manifesto.

Produzida, captada, mixada e masterizada pela Alejandra Luciani, com o contrabaixo da Helena Papini, bateria feita pela Theo Charbel e composição, guitarra e voz feita Larissa Alves. Nos bastidores Stephanie Frick e Júlia Pessini, que cuidaram de captar as imagens e edição desse encontro que foi a gravação de “Aurora”, temos a Monique Ferreira no planejamento de lançamento e Victoria Ragazzi e Mariana Calheiros cuidando de toda a parte de assessoria de
imprensa.

Teorias do Amor Moderno
A banda utilizou a cor roxa para trabalhar a divulgação e produção de Aurora, justamente por ter sido utilizada como símbolo da luta feminista durante muito tempo (Imagem: Divulgação)

“A música é um mundo machista pra caramba, foi muito difícil achar uma mulher que mexesse com produção, masterização, mixagem… então a gente quis ampliar já que estávamos dando voz às mulheres, englobando todas as partes”, comentou a vocalista e compositora Larissa Alves em entrevista ao ROCKNBOLD, referindo-se ao time feminino que trabalhou na faixa, enquanto os colegas de banda Maurício Rios (baterista) e o William Vazquez (baixista) permaneceram como espectadores do trabalho.

Quanto ao nome, Larissa descreve que “não tinha possibilidade” de não ser Aurora, justamente pela naturalidade que foi o processo de composição. “Quando eu compus o primeiro verso o Aurora era para se referir ao período do dia. Foi um trocadilho com esse verso, e quando eu falei Aurora eu pensei no nome de uma mulher”, relata. “É o tipo de coisa que acontece que não te dá escolha.”

Aurora chega acompanhada do clipe mostrando as participantes do projeto. A capa do single, cujos mínimos detalhes foram pensados e planejados, simboliza uma luta feminista de anos a fio, com o triângulo preto invertido, trazendo repúdio à prática da Alemanha Nazista, que carimbava a pele das mulheres homossexuais para fácil identificação de prisioneiras; junto com a cor lilás, que oferece a síntese entre o vermelho e o azul, simbolizando a igualdade social, política e econômica entre homens e mulheres.

“O tempo todo”, refere-se Larissa ao dever se manifestar como uma figura feminina pública. “A gente tem que usar o microfone ao nosso favor sempre. A gente passou muito tempo calada em todos os âmbitos, pedindo licença para falar. Eu sou assim, eu me posiciono na frente de quem quer que seja, […] é um reflexo do que eu sou e é necessário.”

Aurora ainda é muito pouco, mas é o que eu consigo passar nesse momento para as mulheres e mostrar que ninguém está sozinha. É uma questão de falar para juntar forças, é nosso dever como artista pegar o microfone e falar algo de útil.”

Isadora.
Imagem: Divulgação

A cantora Isadora, muito ativa nas redes sociais diante de causas como essa, pontua que um dos maiores deveres enquanto pessoa pública é democratizar essa consciência nesses casos. ” As plataformas podem ser muito bem utilizadas com vídeos de alerta e informativos, eu também procuro usar isso de alguma forma no meu trabalho. Acho que as redes e a música se conversam bastante e é o melhor jeito de informar e alertar mulheres que às vezes não sabem que estão num relacionamento abusivo ou numa situação de violência doméstica”, afirma.

“Como pessoa pública a gente sempre precisa estar engajado”, declarou a artista. Isadora utilizou o Instagram recentemente para demonstrar repúdio ao desenrolar do caso Mari Ferrer, que comoveu a internet desde o vazamento de um trecho da audiência, publicado no início do mês pelo The Intercept.

“A música sempre vai servir como uma forma de manifesto: exaltar suas conquistas, falar sobre inseguranças como mulher, sobre revoltas. Eu pretendo cada vez mais me juntar com outras mulheres dentro da minha equipe, ouvir as experiências, incluir mais mulheres nos futuros projetos… essa união sempre será muito bem-vinda”, revelou Isadora.

A cantora e compositora Lu Horta acabou se envolvendo mais profundamente com a causa através de um episódio um tanto desagradável. Radicada em São Paulo, ela já havia lançado dois discos em 2010, quando começou a receber mensagens de amigos sobre um cartaz que circulava por universidades do Estado. O material em questão trazia uma ilustração para uma campanha de combate à violência contra a mulher feita em cima da foto de capa de seu primeiro álbum homônimo, lançado em 2003, que trazia um close do rosto da artista com os olhos fechados. Ironicamente, uma das alterações feitas foi a inclusão de um “X” vermelho sobre a boca de Horta – que sequer havia sido comunicada sobre o uso da imagem. “Foi muito invasivo”, contou em entrevista ao ROCKNBOLD. “Foi quase que uma violência, uma agressão intelectual”. 

Ela inicialmente buscou oferecer suporte à campanha de uma forma que não envolvesse sua imagem, e sim seu trabalho. Mas a recepção não foi tão acolhedora: entre idas e vindas com o grupo responsável pelo cartaz, passaram-se dois anos até as partes chegarem a um acordo. Em 2012, inspirada pela campanha e pelo ocorrido, a artista compôs “Não Se Cale”, canção em solidariedade à luta contra a violência contra a mulher. “Ainda existem muitas coisas que a gente [como mulher] acaba não falando, muitos tabus,” disse. “É importante entender esses processos. A gente precisa se apropriar, e acho que as primeiras pessoas que têm que se apropriar são as próprias vítimas”.

“Não Se Cale”, que lista nomes de várias mulheres, foi atualizada em 2016 para incluir o nome da filha de Horta com o companheiro e também parceiro musical Marcelo Effori. Uma nova versão foi escrita em novembro de 2020, desta vez com o nome de mulheres que se inscreveram para que seus nomes fossem incluídos, e fará sua estreia nesta quarta-feira, 25/11, às 20h30 em uma live diretamente do estúdio do casal. Os ingressos ainda podem ser adquiridos neste link ou no site luhorta.com

Os temas centrais da live serão situações emocionais que mulheres passam e um aspecto “mais sensível e menos brutalizado” de ser. Além da faixa-título “Não Se Cale”, o setlist deve incluir “Mulheres de Bengalas”, de Maurício Pereira, e “A Grande Borboleta”, de Caetano Veloso. A artista também quer chamar a atenção para a questão indígena no Brasil. “Independente de ser uma pessoa pública ou não, acho que todos têm que se posicionar diante de causas sociais. Mas quem tem um alcance maior está em um lugar especial de poder transmitir a urgência de algumas coisas que estão acontecendo”, disse. “[A música] pode servir como uma alegoria, um retrato pequeno diante de coisas maiores”.

É importante denunciar formalmente qualquer caso de violência contra a mulher. O relato pode ser feito por Boletim de Ocorrência nas delegacias, pelo telefone 180 ou mesmo via Boletim Eletrônico, nos Estados onde há essa possibilidade.

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