meot utiliza pop lo-fi para reescrever conto de ícaro

Antes de começar a contar a história de Ícaro, é necessário saber quem é meot, ou melhor, Guilherme Meotti, o idealizador por trás do projeto experimentalista, mas cheio de potencial, cuja jornada é movida a seguir os próprios sonhos e acreditar em suas intuições. Com 23 anos, o artista resolveu tirar um sonho antigo do papel logo no álbum de estreia, lançado de forma independente e repleto de ambição.

Em sua carreira recém-inaugurada, meot carrega uma proposta que se desprende de rótulos musicais e traz experiências tanto de si como artista como da persona Ícaro, que coexistem na mesma atmosfera como uma simbiose, ensinando e aprendendo um com o outro na mesma medida: enquanto Ícaro extrapola seus próprios limites e transborda em emoções, meot traduz cada sentimento em palavras.

O trabalho de estreia flerta diretamente com o tom melancólico e temática soturna, semelhante às poesias ultrarromânticas que marcaram a literatura portuguesa na segunda metade do século XIX. Em paralelo, meot aproveita a abordagem mórbida para propor uma reflexão em cima de uma versão atualizada do conto de Ícaro, filho de Dédalo, um dos homens mais criativos e habilidosos de Atenas na mitologia grega.

Conheça Ícaro (Imagem: Reprodução / Instagram)



Esse conceito estende-se em cada verso das oito faixas que compõem o trabalho e alcançam a direção de arte: dividida em oito lançamentos mensais como se fossem capítulos de uma história de amor frustrado, cada um com sua respectiva arte de capa assinada pelas ilustradoras Luana Rebello e Caiala Gomes.

Surgimento

Olhando um pouco para trás, Ícaro nasceu em 2018 sem mesmo saber que esse seria seu nome. Tudo começou num momento em que, de acordo com o próprio cantor, “era necessário colocar as coisas para fora [do papel]”, revelou em uma entrevista exclusiva ao ROCKNBOLD. Foi então na casa do amigo Pedro (Mochakk), em Sorocaba, que o projeto teve seu pontapé inicial. “Começamos a produzir em coisa de três ou quatro dias e fizemos três faixas. O engraçado foi que a gente passou um tempão fazendo a primeira, um tempão fazendo a segunda e a terceira foi um beat que ele fez e me pediu pra dar uma olhada, eu gostei e escrevi uma parada super rápido. […] Uma coisa de seis horas: eu tinha passagem para voltar pra São Paulo e gravei voz correndo, antes de embarcar. O que foi louco disso tudo é que descartamos as duas primeiras faixas e acabamos ficando com essa última”, relata o artista.

“Tinha alguma coisa naquela música”, revela meot sobre o que veio se tornar a terceira faixa de Ícaro, intitulada “rádio relógio”, cujo lançamento está planejado para os próximos meses. “A partir dessa música a gente começou a desenvolver [o álbum], e nessas idas e vindas para Sorocaba acabamos criando um caminho que eu queria seguir.”

Durante o bate-papo, meot reflete no caminho que trilhou até março de 2021, em que decidiu de uma vez por todas que introduziria não só a si mesmo como artista para o mundo, mas também levaria Ícaro nessa viagem profundamente pessoal. “É engraçado falar do processo de criação porque quando a gente começou não existia essa ideia de criar uma persona ou contar uma história”, revela Guilherme Meotti, referindo-se ao fato de que o trabalho inicialmente não se tratava nem de um álbum com oito faixas. “O nosso processo criativo sempre foi igual; a ideia sempre foi ir pra casa dos meninos [Mochakk e Joni] e gravar algo que a gente fez 100% juntos. Quando chegamos, conversamos durante horas sobre a vida e só então começamos a gravar”, relata o cantor, contando que entre esses bate-papos acabou surgindo desabafos sentimentais que mais tarde foram traduzidos em músicas sob a persona de Ícaro. “O álbum acabou sendo mais biográfico externamente do que para mim. Eu olhava o que esse meu amigo tava passando e queria escrever sobre aquilo.”

meot, ícaro.
Guilherme Meotti (Imagem: Reprodução / Instagram)


“Começou por esse caminho e foi legal porque o álbum não tava planejado, muito menos o tema dele. A gente chegou num ponto que quando começamos a encaixar as faixas, percebemos que estávamos contando uma história”, relembra.

A primeira faixa divulgada do projeto foi “envolver”, logo a que dá início ao álbum. Em seguida, meot dividiu com o mundo as canções “retratos” e “blasé”, preparando-se agora para lançar o single “ícaro”, no próximo dia 16. A música que dá nome ao álbum, inclusive, foi uma cria do período pandêmico e faz parte do momento de desfecho da narrativa do trabalho, carregando consigo a melancolia do isolamento social.

“A verdade é que a gente começou a escrever sobre um relacionamento que não tava dando certo, mas quando a gente chegou no conto do Ícaro eu achei que era tudo o que eu queria dizer”, revela o artista. “O álbum conta essa história, desde “envolver” quando as pessoas se encontram e começam a ter esses questionamentos do que vai rolar até o momento que aquilo acabou. Quando fomos ver, tudo o que a gente tava escrevendo era de fato sobre alguém que se envolveu e foi muito além, e então acabou voando perto demais do sol.”

Conceito

Além de Ícaro trazer uma persona, o projeto se desdobra em oito lançamentos mensais que têm como objetivo manter o público atualizado e acompanhando o desenrolar da história contada nas faixas. Para cada canção, há uma capa diferente que traduz os principais elementos das músicas para ilustrações que acabarão se conversando entre si numa arte final que estampará o álbum no final do ano.

“Meu objetivo sempre foi ter um personagem”, revelou meot, mas sem querer soltar a mão de ter um conceito que se conversasse durante os oito meses de lançamento. Para isso, ele buscou inspirações em trabalhos como a coletânea Journals, de Justin Bieber, em que cada elemento na borda da capa acabou sendo o símbolo dos singles liberados semanalmente pelo cantor, em 2014.

“envolver” conta com passarinhos na arte de capa para dar referência ao verso “que pena, não pude ver o decolar”, como se a mulher cantada ali tivesse partido como um pássaro. Em “retratos”, por sua vez, a capa mostra uma xícara de café espresso para também se referir a um dos versos da música, mas o botão de retroceder está presente para trazer a simbologia de um loop infinito mental. Já “blasé”, o último single divulgado, traz uma sopa de letrinhas que brinca com um dos trechos da faixa: “quando eu quero A ou B vira blasé”.

meot, ícaro : na ordem, as capas de: envolver, retratos, blasé e ícaro.
na ordem, as capas de: envolver, retratos, blasé e ícaro

“Ícaro”, a faixa que dá nome ao disco e que tem lançamento marcado para a sexta-feira que vem (16), “Ícaro é um momento muito duro, quase que de uma tentativa de entendimento interno”, revela meot sobre a arte da capa do single, que mostra um par de asas derretidas como no conto grego. “É uma catástrofe, em que ele reflete que voou mais alto do que podia e isso o fez cair.”

Esse conceito ainda alcança o âmbito audiovisual, em que meot agrega dois videoclipes à era Ícaro que também estão atrelados um ao outro justamente para estabelecer uma conexão entre eles. A primeira faixa, “envolver”, foi a escolhida para servir de trilha sonora para o primeiro material de vídeo do álbum e conta com direção e roteiro de Bruno Foiadelli e Gustavo Ayres, enquanto “blasé”, chegará às plataformas digitais após o trabalho de estúdio ser disponibilizado na íntegra. 

“É como se essa persona ficasse nesse momento de retroceder, um loop eterno”, explica Guilherme Meotti sobre o videoclipe de “envolver”. “E ainda tem muito disso no clipe de blasé, que também traz elementos do ‘envolver’.”

O lugar de meot no mundo

(Imagem: Reprodução / Instagram)

Apesar de ter referências estrangeiras, como o Russ, Giveon e um pouco da música emo dos anos 2000, meot pensa no público brasileiro na hora de produzir, mesmo que seu estilo não seja tão popular em meio aos artistas da cena nacional. “Me inspiro muito lá fora, mas nessa cena [que agrupa o lo-fi, R&B e indie] eu sinto uma lacuna que o pessoal mirou mais no pop e acabou caindo no voz e violão”, relata. “O que eu gosto muito é o que eu sinto que não tem tanto no Brasil, como o Luiz Lins e um pouco do trabalho do Luccas Carlos — eu tenho certeza que tem uma galera [que se aventura nesse gênero], mas eu queria buscar algo que vejo muito pouco no cenário nacional.”

Futuro

Além de subir aos palcos, Guilherme Meotti tem outros focos em mente, mas o principal deles é bem simples: encontrar seu próprio público de forma orgânica. O cantor tem “retratos” agregada à playlist editorial sad sla do Spotify, o que já fez com que a faixa furasse a bolha de ouvintes conhecidos e passasse a alcançar mais gente na plataforma de streaming.“Quero dar um passinho atrás do outro”, relata. “Tenho músicas para lançar até novembro fora o álbum como um produto final e o clipe de “blasé”. Tenho também duas ou três músicas já prontas para vir depois de Ícaro, é por esse caminho por enquanto: seguir criando.”

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