A Reinvenção de Kanye West em “Graduation”

Na discografia de Kanye, o disco ocupa espaço de realce pois cimenta o nome do artista na elite do rap mainstream americano, bem como é divisor de águas sobre os rumos sonoros e temáticos do rap contemporâneo

texto enviado pelo colaborador Vitor Lupo; siga-o clicando aqui

O dia 11 de setembro é um dia relevante na história do rap. Atentado à parte, a data abrigou o lançamento do álbum The Blueprint do Jay-Z, e seis anos mais tarde o lançamento de um dos destaques criativos de seu pupilo, o produtor-transformado-em-rapper Kanye West, em uma bem divulgada competição de vendas com o disco Curtis, o terceiro álbum de estúdio de 50 Cent

Na discografia de Kanye, ocupa espaço de realce pois cimenta o nome do artista na elite do rap mainstream americano, bem como é divisor de águas sobre os rumos sonoros e temáticos do rap contemporâneo. Graduation encerra a “Dropout Trilogy”, originalmente planejada para conter 4 álbuns – College Dropout (2004), Late Registration (2005), Graduation (2007) e Good Ass Job, este último cancelado devido à morte da mãe de Kanye, Donda West, em 2007, e à mudança dos rumos artísticos que o artista decidiu dar à sua discografia.

Na trilogia, é narrada a história e a maturação do “Dropout Bear”, mascote que representa de certa forma a vida do próprio Kanye West e sua evolução enquanto produtor e rapper. O ato introdutório se apoia no uso de samples de soul e jazz, revelando um novo artista com talento musical e rimas reflexivas. No segundo, vemos a evolução para um som orquestral, perfeccionista, mais obscuro e carregado, assim como no primeiro recheado de esquetes; é aqui que o tema e a persona do Kanye começam a se consolidar no mainstream. Em Graduation, há a entrada de som leve e celebratório de um artista de vanguarda que se estabelece no centro do rap, com públicos cada vez maiores (Kanye afirmou à época que o álbum foi feito para ser tocado em estádios).

Kanye West - Dropout Trilogy
Dropout Trilogy

Enquanto formalmente Graduation marca certa maturação de Kanye West – as rimas passam a soar espontâneas; os samples de soul, parte pivotal na construção de batidas relevantes de hip-hop puro na década anterior, são abandonados; a música positivamente perde densidade, ficando mais prazerosa de se escutar –, para o rap enquanto gênero delimita mudança na ênfase de teor do que entraria no mainstream. Desde a metade da década de 1980 temos forte dominância da temática gângster e de ruas (nomes como N.W.A., Eric B. e Rakim, Public Enemy, Scarface, Ice-T, Mobb Deep, Big Pun e Fat Joe, Capone-N-Noreaga, todos com relevância cultural e rotação em rádios, paradas de música), versando em alguma medida sobre a pobreza da vida de rua, de gangues, e novas riquezas associadas ao crime e à carreira musical.

No começo dos anos 2000, temos nomes que trazem matéria mais leve como OutKast, Nelly, enquanto o cerne cultural ainda está associado ao tema gângster com DMX, 50 Cent, Ja Rule, Cam’Ron e The Lox. O passar dos anos mostra o problema na qualidade das novas safras do gangsta rap (Young Jeezy, Slim Thug etc.) e a dificuldade na manutenção da qualidade musical dos artistas estabelecidos, bem como envelhecimento da fórmula musical vigente. Em 2007, Kanye e 50 Cent marcam para o mesmo dia o lançamento de seus respectivos terceiros álbuns, em guerra de estilos emblemática do momento que o rap vivia à época; publicamente, 50 Cent declarou que se vendesse menos álbuns que West na semana dos lançamentos, se aposentaria de fazer rap.

Kanye West e 50 Cent
Kanye West e 50 Cent

O resultado mostrou Graduation vendendo 957 mil cópias na primeira semana e 1,8 milhão em 2007, contra 691 mil na primeira semana e 1,2 milhão de Curtis em 2007. Emblematicamente, mostra um artista lutando com a reciclagem de fórmulas que deram certo anteriormente (e.g. o single “Amusement Park” buscou reeditar “Candy Shop”), com som cada vez mais fabricado, contra outro expandindo fronteiras musicais em instrumento e conteúdo. Se na capa 50 Cent trazia, bem, uma foto de si mesmo (após duas clássicas artes com fotos também suas, de corpo), Kanye retratava o “dropout bear”com arte japonesa feita por Takashi Murakami (bem como no videoclipe do single de abertura, “Good Morning”).

“A lot of people said hip-hop was dead, not just Nas. A lot of people just said the art form wasn’t popping like that anymore. I wanted to cross the genres and show people how we can still express ourselves with something fresh and new. That’s what hip-hop has always been about.”

Kanye West, ao vencer o Grammy 2007 de melhor álbum de rap

Como também evidenciado pela capa, temos aqui um artista que buscava ressignificar o som do pop rap à época. A abertura “Good Morning” tem aura matinal, faz abertura calma do álbum com vídeo também criado por Takashi Murakami, e ao final sample da voz de Jay-Z na faixa “The Ruler’s Back” (produzida por Kanye em 2001); “Champion” cria momento com aura celebratória, abrindo espaço para “Stronger”, lead single comercial, com produção de West, Mike Dean e Timbaland, e sample e participação do Daft Punk (“Harder, Better, Faster, Stronger”). As duas faixas seguintes são produzidas pelo DJ Toomp (também atua na faixa final, “Big Brother”), sendo “Good Life” uma feature com T-Pain, e “Can’t Tell Me Nothing” outro single de sucesso, que faz interessante releitura da faixa “I Got Money” de Young Jeezy e T.I. (Jeezy também aparece no remix do som). “Barry Bonds” é esquecível colaboração com Lil Wayne, enquanto “Drunk and Hot Girls”, que tem bom bridge do Mos Def, é frequentemente criticada por ser o ponto fraco do disco; na opinião do autor, é bom interlúdio criativo sobre embriaguez e luxúria. “Flashing Lights” é outro single, som progressivo com participação da artista Dwele, enquanto “Everything I Am” é balada reflexiva com ótimos remixes do DJ Premier (original é “Bring the Noise” do Public Enemy). “The Glory” e “Homecoming” encaminham o álbum ao seu final; a última, empresta criativamente da música “I Used to Love H.E.R” do Common, seja na letra ou conceito criativo. A versão oficial do álbum é finalizada com a “Big Brother”, destrinchando parte da relação profissional e de admiração com o rapper Jay-Z. De modo importante, a versão japonesa do álbum (circulava nos dias antigos de Limewire) tem duas faixas adicionais a seu fim: “Bittersweet Poetry” (feature do John Mayer), grande destaque que versa a posteriori sobre um relacionamento amoroso comprometida por comportamentos tóxicos, e a balada “Good Night”, com participação de Mos Def, que dá boa simetria ao álbum ao fazer um encerramento formal. Encorajamos fortemente escutar ambas as faixas, não disponíveis no Spotify:

Finalmente, o álbum teve boa recepção pela crítica especializada, saudando conteúdo e a versatilidade criativa do artista. Além do pico em #1 de rap na Billboard (#2 geral), foi incluso na lista da Rolling Stones dos 500 maiores álbuns de todos os tempos na posição 204, e pela revista especializada Complex como #1 melhor álbum de rap nos 10 anos da revista (2002-2012), e #2 no total de melhores álbuns de rap da década (atrás do The Blueprint do Jay-Z, de 2001.

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