Que músico não é inspirado, em algum nível, pelo amor? Kacey Musgraves que o diga: a artista de 33 anos alcançou níveis estratosféricos em 2018 com o álbum Golden Hour, majoritariamente influenciado por sua relação com o então parceiro e também músico Ruston Kelly. O disco fez com que a cantora e compositora, que até ali já tinha uma boa base de fãs no country, furasse a bolha mainstream e rendeu a Musgraves o Grammy de Álbum do Ano em 2019. Mas se Golden Hour é sobre se apaixonar, star-crossed, seu mais novo lançamento, veio para mostrar que nem sempre o “felizes para sempre” dura – e tudo bem.
Musgraves e Kelly se separaram em setembro de 2020, situação que inspirou muito da temática de star-crossed, mas não se deixe enganar pela divulgação ou mesmo pelo coração partido da capa do álbum: dizer que esse é um disco sobre divórcio é simplismo.
O término de um relacionamento está presente em diversos trabalhos de 2021, desde o pop rock adolescente de Olivia Rodrigo em SOUR, DOCE 22 de Luísa Sonza, e até mesmo Donda, de Kanye West. Mas em vez de canções cheias de raiva, vingança ou lamentações, Musgraves se guiou por uma apreciação e gratitude pelos momentos felizes de seu relacionamento. Em resumo, por outra face do amor.
star-crossed é dividido em três partes: chegando ao fim do relacionamento, lidando com a separação e se recompondo para seguir em frente. Neste trabalho, Musgraves mergulha ainda mais no pop, deixando as referências country muito mais sutis e trazendo até mesmo elementos inspirados no Jazz e Disco. Para completar, a artista lançou também um filme no Paramount+ para ilustrar o arco narrativo do álbum com muitas cores, lágrimas e vestidos de noiva.
A faixa-título “star-crossed” abre o álbum com uma canção etérea em que a artista tenta entender o que está acontecendo, como o “sonho perfeito” chegou ao fim. Nessa primeira seção, Musgraves também reflete sobre como ela poderia ter sido uma parceira “melhor” com o pop tranquilo de “good wife” e relembra como a as coisas eram mais fáceis na adolescência na faixa country pop “simple times”, um dos pontos altos do disco.
Mas é em “justified” que ela encontra o equilíbrio perfeito dos dois gêneros. A faixa mais viciante do álbum reflete sobre as idas e vindas no processo de recuperação frente a uma situação devastadora que, Musgraves lembra, “não acontece em linha reta.” “Me senti como uma bola saltitante de borracha”, ela disse em entrevista à NPR. “Pulando de emoção em emoção”.
É nessa segunda seção que vem também “breadwinner”, talvez a única faixa do álbum que se aproxime de uma indignação e olhar mais negativo, em que a artista expõe a insegurança do ex-parceiro ao lado de uma mulher bem-sucedida. “Ele nunca vai saber o que fazer”, Musgraves canta, “com uma mulher como você”.
A seção final traz uma mistura bem-vinda: o country aparece discretamente em “easier said”, que traz um pouquinho do banjo e lembra um pouco mais o som de Golden Hour, enquanto o pop de “what doesn’t kill me” mostra que, em alguns sentidos, essa fase passou. Já “there is a light” flerta com batidas e sintetizadores característicos dos anos 1980 mescladas a um solo de flauta. Finalmente, a artista canta um cover emocionante em espanhol de “gracias a la vida”, canção da chilena Violeta Parra – nativa do Texas, Musgraves cresceu cercada de referências e falantes da língua.
É inegável que a esta altura, Kacey Musgraves alcançou o status de uma verdadeira pop star e a liberdade que essa posição traz transparece muito bem em todo o trabalho envolvido em star-crossed, desde as temáticas e sonoridade até os visuais. O resultado é um álbum coeso e sincero que, apesar de não trazer toda a energia que alguém poderia esperar de um lançamento pop, ainda é um disco que se destaca. Ainda assim, ele não parece mostrar toda a potência que a artista já mostrou em trabalhos anteriores – mas talvez nem tenha sido esse o objetivo dela no fim das contas.