Os cariocas do menores atos fizeram brilhar o solo paulista em seu retorno aos palcos

Grupo reuniu faixas aclamadas e novos projetos no show do último sábado (4)  

Após dois anos incertos, que distanciaram e transformaram o mundo como era conhecido, é certo dizer que esse foi o show que trouxe muita gente de volta a um espaço familiar, que se provou real em cada detalhe – uma fonte inesgotável de inspiração, que envolve cada um dos presentes, implantando uma linha invisível entre o antes e o depois do show, do qual ninguém sai o mesmo.

A abertura da banda PUTZ foi o impulso necessário que moveu a plateia em direção ao auge. A vocalista Giovanna Ferreira, que comanda com uma elegância singular e intrínseca à sua figura, tem voz incisiva, perfeitamente combinada com os arranjos explosivos e bateria imponente de seus colegas (Cyro Sampaio, Antonio Fermentão e Sarah C.). O grupo mostrava um poder fluido, de quem se permite libertar e experimentar, trazendo impacto aos momentos certos – um conjunto que une movimentos controlados à beleza do espontâneo.

(Foto: Maria Eduarda Duarte / ROCKNBOLD)

No intervalo, que abrangeu sucessos locais e internacionais, era visível que a antecipação borbulhava, como se fosse parte daquele ar – inevitável e contagiante, da melhor forma possível. E então, a partir da primeira música, esse sentimento se expandia e se moldava tão elástico, em forma de dezenas de coreografias improvisadas, abraços e gritos que lavavam a alma.

Desde as canções mais introspectivas até as mais aclamadas, era possível ouvir ao redor palpites de quais seriam as próximas – quais eram necessárias ter voz para cantar – mas todas essas continham uma única certeza: a de que mereciam ser vividas intensamente até o último acorde.  

Quando Cyro Sampaio cantava o amor – próspero em todas as suas fases, ainda que mordaz em algumas lembranças – era impossível não embarcar nessa viagem conjunta pelas memórias mais introspectivas; e ainda melhor era perceber que aquele momento era a consolidação de novas lembranças, marcadas em história viva e acompanhadas por um detalhe tão necessário: a esperança em dias melhores. Nas palavras do baterista Ricardo Mello: “Vocês fizeram toda uma pandemia valer a pena pra mim”. E ficou evidente que a recíproca era verdadeira.

E é lindo como em alguns momentos o fluxo inevitável do tempo parecia congelar lentamente, e a fumaça envolvia o artista numa névoa fantasmagórica, de onde só se distingue a guitarra, que parece faiscar com cada acorde – formando um perfeito compasso com o baixo de Celso Lehnemann e a bateria, num conjunto que te faz sentir o coração batendo forte atrás das costelas.

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(Foto: Maria Eduarda Duarte / ROCKNBOLD)

Fica nítido que uma banda é merecidamente apoiada quando se olha ao redor – depois de dois anos intensos, que nem a mais brutal das ficções poderia prever – e há tantos rostos exprimindo tudo o que vem do âmago do coração. Como fora cantado na letra de Miopia: “vai doer, mas vai passar”. E foi especialmente bom quando as pessoas cantavam em uníssono, alto e incisivo, cada palavra acompanhada por melodias precisas, tão sentidas pelos músicos que as produziram e acompanhadas durante os anos por um público dedicado, que sabia de cor cada um dos seus trechos.

O show atingiu o nível de espetáculo quando, mesmo quem não estava tão familiarizado, era progressivamente envolvido pelo momento, em todas as suas luzes, notas e inflexões. Fica claro que a banda tem qualidade quando as músicas soam melhores ao vivo do que em estúdio – coisa de quem sabe o que faz – logo, se permite explorar novas possibilidades e faz os outros sentirem esse mesmo desejo. Em cada discurso, havia a demonstração de um enorme respeito pelo público, que reconhecia e retribuía essa liberdade de expressão – não só apoiada como endossada pelos membros da banda.

E o bom show é aquele que faz sumir o tempo – que, entre uma poesia e outra, parece estar só começando – e quando se vê, os regentes já conduzem a plateia a dançar uma última melodia pela noite – fazendo o público pedir mais um, deixando claro que esse é só o começo de uma nova fase. Este, assim como cada show que acontece, especialmente na cena – que é gigante em sentimento e tão rica em suas particularidades – pode ser visto como um triunfo a ser comemorado.

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