Álbum de estreia do artista completa três anos nesta terça-feira (12); trabalho mostra que o britânico tem muito a dizer àqueles que o escutam de coração aberto e prova que o popstar veio com sede de conquistar seu lugar definitivo na indústria
Harry Styles é um manifesto sobre cada insegurança, angústia e momentos de euforia do músico: desde o primeiro momento sendo uma porta aberta nos convidando a entrar, nos sentar e aproveitar a jornada, Styles mostra que, sem esforço algum, pode estar no caminho de se tornar sua própria estrela, um “Pop-rockstar” de seu tempo, se despindo da pele de ex membro da boyband mais bem sucedida da atualidade e nos entregando um pedaço de si mesmo em seu trabalho de estreia. O álbum é, acima de tudo, um enigmático e, por vezes, divertido modo de entender o que se passava na cabeça de um homem de 23 anos que ainda lutava para descobrir sua identidade, apesar do mundo ter tentado construí-la por ele. Assim como em sua capa, Harry se mostra despido e cru em suas composições, sem papas na língua e mostrando que ainda tem muito a dizer — em seu modo despojado e sempre aberto a interpretações, é claro.
Em entrevista à Rolling Stone, pouco antes de lançar o álbum, Harry contou que o nome do álbum seria inicialmente “Pink” (“the only rock n’ roll color”), o que diz muito sobre o processo criativo. O rosa, ou “millennial pink”, foi uma das cores predominantes no photoshoot do trabalho, e é a cor que se destaca na capa: em parte das fotos, ele aparece mergulhado em águas róseas, sem roupas, rodeado por flores. Não é difícil adivinhar o porquê de se mergulhar em águas turvas ao invés de cristalinas: assim como o líquido, o futuro de Harry era incerto. Após sua “saída” da banda, ele estava por si só e não mais em uma “democracia”, como ele mesmo descreveu os tempos de One Direction. Styles estava prestes a mergulhar e navegar em um futuro desconhecido e é por isso que a arte visual do álbum, tão intimista e marcante, parece tão adequada: ali temos o artista e nada mais, sentado em uma posição reflexiva, sem encarar a câmera — como se, num mundo hipotético, pudéssemos tocar suas costas e ele se viraria, revelando o que se passa em seu olhar. Funciona como um convite sutil: eu te mostro o meu se você me mostrar o seu. Sequer há nomes na capa. Uma nudez que vai além do literal e está presente em cada uma das 10 músicas que foram tão cuidadosamente escolhidas.
De primeira, “Pink” parece realmente uma boa escolha de nome — até o momento em que se escuta as faixas. Harry afirmou “o álbum é mais sobre mim do que sobre qualquer outra pessoa“, e essa constatação resume muito bem porque a escolha de nome acabou ocorrendo de forma homônima: nenhum outra definição seria melhor para nos entregar o quanto Harry Styles nos conta sobre o real Harry Styles. É simples e parece não muito pensado, visto que tantos artistas optam por colocar seus próprios nomes em seus trabalhos, mas não nesse caso: o título carrega um significado maior. É Harry dizendo: “aqui está uma parte minha que você provavelmente não conhecia, cuide bem dela“.
O peso de ter sido hiperssexualizado desde os 16 anos, a identidade de womanizer que lhe foi erroneamente atribuída pela mídia, os diversos casos e romances associados a sua imagem, sua quieta descoberta sobre sexualidade, o sentimento amoroso e as experiências heartbreakers parecem se refletir um pouco em cada faixa, respectivamente à sua maneira. O Harry que o mundo pensou conhecer de 2010 à 2017 se mostrou ser apenas uma concha ao arranharmos sua superfície. Agora conhecemos mais do exímio artista a medida que ele mesmo passa a se conhecer por inteiro. O absurdo de se sentir tão só ao ponto de “se masturbar em um quarto de hotel e se embriagar antes do meio dia”; o desespero de “rezar, mesmo nunca tendo feito isso antes”. É admirável o quanto Styles se humaniza em suas composições e nos entrega como ele acha que deve ser visto — como um ser que sente, sofre e erra como todos nós, mas o faz debaixo de milhões de olhos diariamente. É essa a única diferença. Ele descreve de forma ríspida e indireta (como era de se esperar) como ter o mundo ao seus pés não é e nunca será o suficiente se você mesmo não se sente amado por quem realmente importa.
O trabalho é uma verdadeira montanha russa de emoções. No pico temos a euforia, o entusiasmo e o sexo, colados pelo quadril, e a sede de explorar e conhecer o mundo e as pessoas. Harry mostra sua personalidade despojada em “Kiwi”, descrevendo com detalhes a história de uma mulher que engravidou do eu lírico e mesmo assim afirma que não é da conta dele. Diversas teorias ainda borbulham na internet sobre quem é a inspiração por trás da canção — as mais ousadas afirmando que é uma clara alusão à Louis, seu ex colega de banda, que se tornou pai inesperadamente após se envolver por uma noite com uma modelo. Em “Carolina“, o cantor descreve uma garota que é tão interessante que ele foi obrigado a se sentar e escrever sobre ela logo após o primeiro encontro. Já em “Only Angel“, Styles mostra sua garras e ferocidade ao mandar o ouvinte “abrir os olhos, calar sua boca e perceber” que ele ainda é a única pessoa que se apaixonou por si mesmo, logo após descrevendo uma garota que “será um anjo, só espere pra ver, mas é um demônio entre os lençóis”.
É interessante como, mesmo em músicas abordando um tema que circula em torno de mulheres, com o uso carregado de pronomes femininos, muito de HS nos é apresentado nessas histórias, deixando migalhas significativas de sua personalidade: o quão observador é em relação ao mundo a sua volta sempre silenciosamente absorvendo cada detalhe ao redor – principalmente a vivência das pessoas com quem se relaciona (Carolina) -, o quão longe pode ir quando se interessa de verdade por alguém e a intensidade absurda de seus sentimentos e como eles tomam conta do seu próprio ser (Only Angel). Até mesmo na bem sucedida “Kiwi“, favorita de muitos fãs, mesmo com sua aura misteriosa de canção que vai a muitos lugares e não chega a nenhum, de fato, nos leva a conclusão de que Harry é, acima de tudo, um contador de histórias. E que prazer é assisti-lo fazendo isso.
Dentre as 10 faixas, duas podem ser descritas como intermediárias, não sendo tão eufóricas nem muito melancólicas, estando juntas nessa categoria apesar de serem de atmosferas totalmente diferentes. “Sweet Creature” é a ode pessoal de Styles a “Blackbird“, clássico dos Beatles interpretado por Sir Paul McCartney, em que Harry usa todo seu charme e doçura para dizer ao seu amor que apesar de serem teimosos e ainda jovens, ele sempre a traz de volta pra casa. Em meio aos “lalala” de “Woman” e o icônico “uh!” que preenche o fundo junto à característica guitarra de Mitch Rowland, Harry passeia por suas inseguranças afirmando que sabe que é egoísta, e não quer ver seu ou sua amada nos braços de outro. “Essa coisa que toma conta de mim, uiva como uma fera”, ele afirma, mostrando o lado obscuro do ciúme excessivo em seu coração, “ele está onde eu deveria estar”. No refrão, clama pela mulher, como se estivesse de joelhos chamando por ela várias vezes — “woman!” — e os vocais de fundo respondem — lalalalalalala! — como se a mesma estivesse tapando seus ouvidos e fingindo que não o escuta. Ambas canções aqui descritas são sutis no resumo de assuntos não tão confortáveis, falando de relacionamentos com falhas e mesmo assim criando uma atmosfera que não chega nem perto de ser triste (no caso de “Sweet Creature”, é agradavelmente esperançosa; em “Woman”, o refrão de uma palavra só nos faz querer dançar por aí celebrando o lado obscuro do que o amor pode nos provocar).
Finalmente, em suas “descidas”, temos os pontos de melancolia, tristeza e solidão. É categoria mais extensa do álbum. “Sign of the Times“, que também foi o single de estreia dos projetos solo de Styles, merecia um parágrafo inteiro dedicado à sua profundidade e o significado de sua letra — de acordo com HS, a balada soft rock é a narração do ponto de vista de uma mãe que acabou de dar a luz e está prestes a morrer; ela então tem 5 minutos para aconselhar seu filho ‘vá em frente e vença’. “Meet me in the Hallway“, responsável pela abertura do álbum, é com toda certeza uma das mais pessoais já escritas por ele — diversas vezes Harry se emocionou enquanto a cantava em seus shows. Dolorosa, como se ao escutarmos ela saísse do imaginário e criasse a forma de uma adaga apunhalada ao coração. Harry inicia seu álbum da maneira mais crua e vulnerável possível, implorando ao seu amante por piedade enquanto espera que ele (a) mude de ideia sentado no chão do lado de fora de seu quarto. Sua dor é tanta que ele implora por morfina, o que parece um aceno inconsciente à “It Will Rain” de Bruno Mars, igualmente angustiante, na qual ele diz a amada: “se você algum dia me deixar, deixe morfina na minha porta.”
“Two Ghosts” não chega a ser interessante como as outras canções — talvez pelo fato de ela ter sido escrita muito antes do álbum ser gravado (2013) — mas não deixa de ser um bom objeto de análise. Nessa, em particular, Harry descreve dois amantes que “são apenas dois fantasmas nadando em um copo meio vazio”, o que muito provavelmente é uma referência à “Wish You Were Here” (‘somos apenas duas almas perdidas nadando em um aquário’) uma das músicas mais memoráveis do saudoso Pink Floyd, uma das bandas favoritas de Harry. “Não somos quem costumávamos ser“, ele repete nove vezes ao longo da música enquanto fala sobre o vazio de ter se perdido durante um relacionamento. “Ever Since New York” é outra melancólica e repetitiva canção, mas parece ter muito mais profundidade e nos traz de volta ao que foi construído com cuidado na nuvem de melancolia de Styles: “não há antídoto pra essa maldição“, ele afirma com convicção, antes de pedir diversas vezes que seu amante “o conte algo que ele não sabe”, implorando, desesperado ao som de um violão que preenche os ouvidos. “Você não sabe nada, só finge que sabe“, ele dispara, antes de implorar mais algumas vezes para ouvir uma história que ele não conheça. Assim como na primeira faixa do trabalho, despeja-se as inseguranças no ouvinte com vocais graves, que aos mais atentos chegam a lembrar a voz de uma pessoa que andou chorando.
O álbum homônimo de estreia de Styles é realmente uma viagem selvagem, um passeio com altos e baixos em que o ápice e a base são igualmente empolgantes de maneiras diferentes e únicas. É uma verdadeira jornada, talvez por isso seja tão apreciável aos que não tem medo de embarcar.
Em seu álbum de estreia, Harry com certeza não mostrou seu melhor, mas deixou à mostra sua disposição de crescer como músico e pessoa. Se esperávamos apenas uma persona pop, despojada e carismática, resquícios de sua personalidade na antiga banda, o britânico nos entregou isso e mais, com um twist: uma rosa desabrochando, um trabalho que tem mais de si mesmo do que ele mesmo antecipou. O desespero que nos é apresentado em algumas músicas é palpável, vide os vocais da chorosa “From the Dining Table” — que claro, não foi esquecida, mas sim propositalmente escolhida para encerrar essa narrativa. Ao seu final, a música evolui de maneira admirável com instrumentais crescentes e o aumento do entusiasmo do cantor: “maybe one day you’ll call me and tell me that you’re sorry too” (talvez um dia você vá me ligar e dizer que também sente muito), ele canta mais de uma vez, como se repetisse a frase para si mesmo na esperança de que se torne verdade, com a música crescendo à medida que ele o faz; “but you never do” (mas você nunca faz isso), ele finaliza, e o silêncio seguido pelas notas do violão parece um afago no suspiro, mostrando que ele se cansou de esperar e sua esperança se esvai à medida que o álbum caminha para o fim. “Não nos falamos desde que você se foi […] /Até meu telefone sente falta da sua ligação, por sinal“, são as últimas palavras que ele profere, e o mesmo silêncio de um segundo nos pega de surpresa antes das últimas notas do violão serem tocadas.
O disco solo de estreia de Styles acaba e nos deixa querendo mais: mais do próprio eu lírico, mais de seu trabalho, mais de sua vulnerabilidade convincente. É como se o chão tivesse sido tirado de nossos pés. Nos faz parar e refletir sobre o quanto nos foi revelado de uma vez sobre uma pessoa só, e nos faz querer descobrir sobre nós mesmos – como o centro sujeito da narrativa demonstra ao longo do álbum. A paixão com que tais músicas foram colocadas em um único especial, íntimo e vulnerável conjunto e performadas com o sentimentalismo característico do artista durante sua turnê prova que uma coisa é certa: Harry Styles quer se mostrar ao mundo por inteiro. E acredite, ele ainda tem bastante a dizer.
Ouça “Harry Styles”:
LEIA MAIS:
[LISTA] 6 Documentários Sobre Música Para Assistir Durante A Quarentena
[REVIEW] Rina Sawayama Apresenta O Melhor Do Pop Em Seu Disco De Estreia
[ENTREVISTA] Urban Escape: os brasileiros que fazem muito barulho em solo norte-americano
