Lily Allen te arrasta para dentro da própria casa em “West End Girl” – queira você ou não

Sabe aquela sensação estranha que você sente quando tem um sonho sexual com alguém que você conhece e não tem nenhum tipo de relacionamento íntimo? Essa é a sensação desconfortável que Lily Allen provoca em West End Girl, seu quinto álbum de estúdio e o primeiro em sete anos de “hiatus”. A narrativa passeia por catorze canções que provocam a estranheza de estar perto demais de um relacionamento entre marido e mulher durante uma crise, assistindo uma DR ao vivo, dentro do quarto do casal. É constrangedor. Você não deveria estar ali participando disso e agora você sabe demais.

Talvez o constrangimento esteja na magia do “overshare” que a artista provoca ao escancarar situações sem meias palavras. Enquanto tantas outras artistas narram traições de forma lírica e cheias de alegorias, Lily Allen opta pelo caminho contrário e cru, sem meias palavras, direto como um áudio de WhatsApp. Aliás, é por isso que uma review faixa-a-faixa deste deste disco, explorando e explicando cada detalhe das letras, seria zombar da capacidade analítica do leitor e ouvinte. Está tudo ali, não tem segredo, é só ouvir.

O desconforto está presente logo na primeira canção que dá nome ao álbum, onde você é recepcionado pela artista em sua nova casa em Nova York ao som de um instrumental de jazz. Nota-se que o recepcionado neste sentido é literal, porque a falta de alegorias é compensada por uma capacidade impressionante de construir cenários, situações e ambientações que teletransportam o ouvinte para dentro da narrativa. Nesse sentido o instrumental é muito bem pensado e executado para fazer parte da história, expressar sentimentos e referências, como o bang bang de “Madeline” e as distorções frenéticas de “Ruminate“. Os ritmos e os detalhes traduzem sentimentos pessoais.

Outro grande ponto desse álbum está na capacidade única de Lily Allen de fazer graça com a própria desgraça de forma sarcástica, como sempre fez. Afinal de contas, ninguém vai te chamar de corna se você criar um álbum inteiro para se chamar de corna primeiro. Se a artista sempre foi conhecida por uma reputação duvidosa, controversa e polêmica, aqui ela se vê na situação de vítima de infelidade após confessar que foi infiel no disco anterior, “No Shame“. Lily nunca se posicionou como um modelo a ser seguido, e aqui ela reforça essa personalidade escandalosa que lhe deu notoriedade. E de certa forma, é reconfortante pensar que ela se posiciona de forma tão humana e tão falha que destoa entre outras artistas que vendem uma reputação ilibada.

“West End Girl” também passeia muito bem por altos e baixos entre melancolia, relapso de uso de substâncias, depressão, e um sentimento irônico e divertido de “se eu já estou no inferno, agora eu vou abraçar o capeta”. A vulnerabilidade em canções como “Let You W/In“, “Just Enough” lembram outras canções sensíveis, como “Apples“, e são inversamente proporcionais ao estado de mania que Allen invoca em “Nonmonogomommy“, que é talvez a canção mais divertida e ousada do disco por flertar com ska – coisa que a artista já fez em outros álbuns.

Há quem diga que “West End Girl” conquistou notoriedade por conta da fofoca. Eu prefiro acreditar que o mérito está no som chiclete e contagiante de faixas que não se parecem nada entre si, e pela sensação pitoresca de revisitar péssimas lembranças da vida pessoal de alguém que você não conhece. Eu não pensava que cantar sobre a infidelidade alheia a caminho do trabalho traria feitos tão positivos para o humor, mas o infortúnio se torna um detalhe em composições tão assertivas e produções criativas. Infelizmente existe um certo nível de arte, e um certo nível de êxtase dramático que só uma mulher desiludida, com o coração partido e cheia de ódio é capaz de provocar.

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