Blood Sugar Sex Magik: 30 anos da ascensão meteórica do Red Hot Chili Peppers

Há 30 anos, os californianos decolavam rumo a lugares inimagináveis na época com seu quinto álbum, uma das maiores referências do rock alternativo até hoje
blood sugar sex magik | capa do álbum

1991 foi um dos grandes anos da história da música. Alguns dos maiores álbuns da história do rock foram lançados neste ano, como duas “bíblias” do grunge em Nevermind, do Nirvana, e Ten, do Pearl Jam, o Badmotorfinger, do Soundgarden, e o The Black album, do Metallica. Além desses, outro disco histórico para a música, e que está completando 30 anos neste dia 24 de setembro de 2021, é o Blood Sugar Sex Magik, quinto álbum do Red Hot Chili Peppers.

Lançado no mesmo dia do Nevermind, o Blood Sugar é, até hoje, visto como o trabalho que alavancou a banda californiana a lugares que nem eles imaginavam, por conta do seu som, ao mesmo tempo, alto astral, quente, mas melodias que fazem qualquer entrar uma viagem insana e graciosa. E o ROCKNBOLD está aqui para contar tudo que aconteceu nesta viagem.

Os antecedentes

O Red Hot Chili Peppers precisava corresponder após seu quarto álbum, o Mother’s Milk, gerar muito desgaste na sua construção, muito pela relação da banda com o produtor Michael Beinhorn, que fez mudanças significativas em algumas características dos componentes, como convencer John Frusciante, em seu primeiro álbum, mudar um pouco seu estilo para algo mais pesado e Anthony Kiedis a deixar de lado letras mais “pesadas“, exatamente para ficar mais acessível às rádios.

Além disso, o contrato da banda com EMI tinha acabado, ou seja, a banda iniciava a procura por uma nova gravadora. A Sony BMG tinha tudo para ser a nova empresa da banda, mas as negociações se estenderam mais que o esperado. Nesse meio tempo, Mo Ostin, executivo da Warner Bros. Records, conversou com Kiedis e desejou sucesso na nova caminhada, o que chamou a atenção do vocalista da banda. No fim, a banda acabou assinar com a Warner Bros e ali se iniciava uma nova era.

O processo criativo e o início da Era Rick Rubin

Com uma nova gravadora, iniciava-se a procura por um novo produtor. Logo de cara, o nome de Rick Rubin apareceu. Por mais que, hoje, ele seja um nome lendário, Rubin não foi totalmente aceito por um membro no início: Anthony Kiedis. Por ter trabalhado com bandas polêmicas, como Slayer e Danzig, além de outros grupos de hip hop, Kiedis não achou, no início, que seu espírito ia bater com o da banda, de músicas e energia positiva, pois os outros artistas citados tinham foco mais no negativo.

O mais engraçado é que o receio era recíproco. Anos antes, ainda com Hillel Slovak na banda, Rubin quase produziu a banda, mas sentiu que o clima, na época, era bem pesado por conta dos problemas dos integrantes com drogas. Só que, quando os viu de novo para produzir o Blood Sugar Sex Magik, sentiu um novo ar, como se fossem uma banda diferente. E assim se iniciava a ‘Era Rick Rubin’ no Red Hot Chili Peppers.

Banda com Rick Rubin em uma sessão de fotos para o álbum em 1991

Após se acertar com Rubin, foi a vez de achar um lugar para compor e produzir tudo. E eles escolheram um lugar nada convencional. Buscando aumentar sua capacidade produtiva e se isolar do resto, a banda se mudou durante cerca de dois meses para a famosa The Mansion, antiga residência do ilusionista Harry Houdini, e atual de Rubin até hoje, que muitos dizem ser mal-assombrada. Porém, nem todos quiseram ficar por conta disso, tanto que o baterista Chad Smith decidiu que não dormiria lá, então, todos os dias ele ia de moto até o local se juntar a Rubin, Kiedis, Flea e Frusciante, que, por outro lado, dormiram lá todos os dias.

O Blood Sugar foi produzido bem mais rápido que o seu antecessor. Isso se deu muito pelo fato de que Kiedis e Frusciante organizaram nas suas casas as estruturas das músicas e riffs antes da mudança para a mansão e apresentaram suas ideias para o restante, que iriam, juntos, definir todo o resto do conjunto para formar as músicas, desde os instrumentais até os vocais.

As mudanças são perceptíveis para os quatro primeiros discos. A integração entre o funk/funk-metal com o punk foi algo a ser destacado, por mais que não esteja presente no álbum por completo, principalmente pelas faixas mais calmas e melódicas. Flea e Frusciante mudaram algumas das suas estruturas. Na guitarra, por mais que seguissem utilizando riffs oriundos do heavy metal, as distorções eram menores e as melodias mais encaixadas e leves em determinados momentos. No baixo, Flea diminuiu a quantidade de slaps, sua marca garantida, e seguiu linhas de baixo mais tradicionais.

Flea e John Frusciante nas escadas da mansão, 1991

Tudo envolvendo a processo criativo do álbum foi diferente do anterior. Como mostra o documentário “Funky Monks“, a banda estava mais leve e concentrada do que nos quatro primeiros discos, mostrando até mais maturidade nas atitudes e, principalmente, no seu som. A relação com Rubin foi essencial para isso, que soube tirar o melhor de cada um, tanto que foi ele que descobriu o poema no quarto de Kiedis, que viraria “apenas“ um dos maiores hits da banda: “Under The Bridge“.

Letras

Passando, mais uma vez, por momentos conturbados na sua história, que não iriam acabar aí, Anthony Kiedis decidiu seguir uma linha que, naquele tempo, ainda estava em alta: temas como insinuações sexuais e referências a drogas e morte, bem como temas de luxúria, preconceito e relacionamentos frustrados do vocalista com algumas mulheres foram as principais coisas tratadas durante mais de uma hora e dez minutos de disco.

A obra

Logo de cara, você percebe a diferença instrumental e o rumo que a banda quer seguir. “The Power of Equality“ nos apresenta Kiedis na luta por igualdade racial, tais como racismo e machismo, com uma guitarra mais simples de Frusciante e linhas de baixos característicos de Flea, mas sem tanta agressividade. Depois, é a vez de Frusciante chamar a responsa em “If You Have To Ask“, com um riff cativante, seguido de perto de uma longa linha de baixo, além de um refrão com o jovem guitarrista citando o título e finalizando com um belo solo.

Partindo para algo mais melódico, acústico e psicodélico, “Breaking The Girl“ embarca nas preocupações amorosas de Kiedis, que temia estar seguindo os passos do pai e se tornar um mulherengo, ao invés de estabelecer relações a longo prazo. Bom, digamos que aconteceu, não é mesmo? Em seguida, “Funky Monks“ é um deleite de palhetadas firmes e funk rock dos pimentas, com lindas viradas de Frusciante e Flea durante toda a canção, além de Chad.

Talvez a faixa mais “agressiva“ do disco, “Suck My Kiss“ nos apresenta um refrão incrível, para um estádio inteiro cantar junto, além seguir mostrando uma conexão impressionante entre guitarrista-baixista-baterista. Mais uma faixa com referências sexuais. Mas um dos highlights do disco fica para a música seguinte. “I Could Have Lied“ embarca, mais uma vez, nos relacionamentos de Kiedis, mas com uma pegada mais leve, com texturas e linhas gostosas, para escutar com um amor do lado. Ainda nos apresenta solos de arrepiar com John Frusciante. Sem dúvidas, uma das grandes composições da discografia da banda.

Mellowship Slinky In B Major“ e “The Righteous & the Wicked“ é uma das partes mais divertidas de todo o disco. O jeito carismático e solto do Red Hot Chili Peppers, relembrando até um pouco os três primeiros discos, aparece aqui, com faixas que parecem ser totalmente bagunçadas, mas bagunçadas de uma forma onde tudo encaixa.

Pode-se dizer que, depois das duas faixas acima, a próxima é, talvez, a que mais define todo o momento vivido pela banda no processo. “Give It Away“ é tudo que representa o Blood Sugar Sex Magik, uma música voltada ao funk, com refrão que fica na cabeça por anos e anos, uma linha de baixo que se destaca durante toda a música, bateria presente e uma guitarra seca para acompanhar tudo. A faixa-título, “Blood Sugar Sex Magik“ nos leva a uma viagem psicodélica pela mente pervertida de Kiedis, com sua voz grossa na construção, até um refrão com o mesmo processo de repetição que tanto dá certo.

Under The Bridge“ também é outra faixa que mostra a evolução e maturidade do som da banda no álbum. Uma baladinha que é considerada um dos grandes hinos da história do rock alternativo, com letra baseada nos sentimentos e problemas de Kiedis em relação amizades e tudo ao seu redor, com uma construção instrumental das mais belas, finalizando com um coro arrepiante. Dá para saber porque ela é, até hoje, uma música tão relevante em tantos sentidos.

O ritmo aumenta mais uma vez com “Naked In the Rain“ e os slaps de Flea no seu ápice, além de ser, também, uma das faixas mais agressivas do álbum. “Apache Rose Peacock“ entrega um riff simples, mas extremamente efetivo, que muda de ritmo dependendo das construções que a música demonstra. Além disso, a participação vocal do restante da banda também é um ponto alto.

A banda abraça bastante as raízes do punk na “porradaria“ de “The Greeting Song“, com um combo intenso, principalmente entre Flea e Chad, que logo leva a um refrão mais leve, mas, depois, retorna a insanidade. Em “My Lovely Man“, uma homenagem a Hillel Slovak na sua letra e seus grandes momentos ao lado dos seu ex-companheiros de banda, sendo uma faixa bem alto astral e com construção semelhante a outras faixas. Vale destacar como várias músicas partiram de jams entre os componentes. Nesta, todos roubam a cena no meio da música.

Para finalizar com chave de ouro, “Sir Psycho Sexy“ peca por sua letra exagerada do que seria um Anthony Kiedis que poderia ter qualquer mulher e fazer qualquer coisa com ela, mas, musicalmente falando, são mais de oito minutos de uma faixa que junta tudo de bom do álbum: psicodelia, sons “estranhos“ e muito funk rock. Por fim, “Theyre Red Hot“, um mini-cover da música do lendário Robert Johnson, fecha a conta com algo rápido e simples.

A turnê

Pode-se dizer que a turnê do Blood Sugar Sex Magik foi totalmente diferente do sucesso e processo do álbum: uma verdadeira tragédia. Com a popularidade lá em cima e todos os shows esgotados em lugares gigantes, a cabeça de John Frusciante acabou se esfacelando aos poucos, com ele perdendo aquela energia tão característica na sua forma de tocar. Nos shows, o guitarrista tocava sem vontade e até de maneira desrespeitosa, não aguentando mais aquilo, tanto que teve uma tensão muito grande entre ele e Kiedis no processo.

Em maio de 1992, a banda teve um hiato de duas semanas dos shows, o que acabou servindo de nada. Minutos antes de entrarem no palco para um show em Tóquio, Frusciante, totalmente sem cabeça para tudo aquilo, se recusou a tocar. Porém, após uma conversa, ele aceitou subir no palco, mas que seria seu último – pelo menos na sua primeira passagem. Precisando finalizar a turnê, a banda chamou Arik Marshall para substituir John e assim ele ficou. Arik saiu da banda ao fim da turnê.

Banda performando em Brixton, em 1992. Um dos últimos shows de Frusciante

Os resultados

A recepção da crítica foi simplesmente excelente para o álbum. Jornais/portais como Allmusic e Mojo deram nota máxima, por exemplo. A maioria dos elogios foram em relação o maior cuidado com as faixas, sem exagerar nos riffs de heavy metal, como fizeram no álbum anterior, e focando mais nas composições e suas texturas, sabendo construir fases distintas nas suas músicas.

Estatisticamente, o álbum também teve muito sucesso. O Blood Sugar recebeu sete vezes o certificado de platina na Billboard 200, além de dominar as paradas em países como Canada, Austrália e Nova Zelândia. Além disso, a Rolling Stone listou o disco entre os 500 maiores álbuns da música. O hall da fama do Rock and Roll também listou, em 2007, o disco como um dos top 200 álbuns da história, na posição 88.

O depois

O Red Hot Chili Peppers entrou em um maldito pesado após o fim dessa era. John Frusciante não estava mais na banda e sofria com depressão e abuso de drogas. A banda seguia seu rumo, mas a dificuldade para encontrar um substituto compatível a Frusciante foi gigante. Dave Navarro foi escolhido, mas não foi uma relação fácil até a produção do One Hot Minute, sucessor do BSSM. As divergências criativas pesaram bastante, por ser um estilo totalmente distinto ao de Frusciante. E assim se seguiu a banda por um caminho e seu ex-guitarrista sofrendo bastante, sozinho, quase perdendo a vida para as drogas. Anos depois, o reencontro e a segunda parte mais que especial para todos.

O legado

Falar de Red Hot Chili Peppers e não lembrar de Blood Sugar Sex Magik chega a ser um insulto. Tudo que ele representou para a época e a forma como envelheceu fala por si só. Até hoje, ele é totalmente aclamado pelos fãs e pela crítica, por nos apresentar, de certo modo, o ápice e a verdadeira essência da banda. Mesmo com os vários problemas que aconteceram pós lançamento da obra, a verdade é que a conexão entre todos esteve em um momento ímpar, seja fisicamente ou espiritualmente, com tudo muito encaixado. O disco é um verdadeiro marco no rock alternativo, tanto que segue sendo muito comentado até hoje. As escolhas para sua construção foram impecáveis, além da forma como tudo foi conduzido nas composições. O legado do álbum é gigantesco e ainda será lembrado por muitos e muitos anos.

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