A pandemia de COVID-19 interrompeu planos de um ano inteiro. Na indústria musical, artistas de todo o mundo se viram diante do dilema de adiar seus lançamentos previstos para 2020 ou disponibilizar durante o período de quarentena, correndo o risco do trabalho “envelhecer” quando o mundo enfim encontrasse uma prevenção para a doença. Com a Daparte não foi diferente, a banda planejava marcar o ano passado com o lançamento do segundo disco de estúdio, mas não esperava lidar com os contratempos de uma pandemia mundial.
Depois da decisão de adiar o lançamento para 2021, o grupo formado por Túlio Lima, João Ferreira, Juliano Alvarenga, Bernardo Cipriano e Daniel Crase, começou a cumprir o período de distanciamento social e mergulhou nas composições, resolvendo trazer para as novas músicas um estilo muito amado pelos integrantes da banda: o rock ‘n’ roll.
Explorar outros gêneros pode ser um passo um tanto arriscado para um artista, principalmente num ano pandêmico. Para a Daparte, foi uma forma de matar as saudades dos shows, já que a banda sempre encontrava uma forma de tocar um pouco de rock nas apresentações ao vivo. No EP Como Não Se Lembram, lançado em novembro, a banda extravasa e bota para a fora todas as frustrações e indignações sentidas durante os últimos oito meses em casa, em que assim como todo o povo brasileiro, puderam sentir as mais variadas emoções e angústias particulares na flor da pele.
“Nesse EP a gente explorou caminhos e sons diferentes e acabou que, com o tempo a mais no estúdio, tivemos uma liberdade muito interessante que amadureceu nós como músicos e compositores”, declarou Juliano Alvarenga em entrevista exclusiva ao ROCKNBOLD, referindo-se ao trabalho de quatro faixas: Prelúdio, Farol, Lá Fora o Tempo Dança e O Eterno em Caraíva, essa última traduzida em um clipe que foi disponibilizado em dezembro no YouTube.
O Eterno em Caraíva surgiu de uma brincadeira com um amigo da banda que, de uma certa forma, traduziu as vontades íntimas de todo brasileiro que ficou meses em casa durante 2020. “Comecei a compor uma música de brincadeira pra um amigo nosso e a letra tava toda ‘zoada’. Ela tinha um quê de música mais brincalhona”, contou Juliano. “A falava desse momento de um amigo nosso sobre Caraíva, começamos a brincar porque realmente esses desejos de ir pra praia, sair, voltar ao normal afloraram muito na pandemia.”
“Faz tanto tempo que eu já me acostumei / O tédio é um sentimento tão moderno, eu sei”, cantam os integrantes na última faixa do EP, referindo-se a esse sentimento que “se encarnou na gente”, explica Juliano. Segundo o grupo, a música dança por muitas emoções: é agressivo, leve, sutil e escrachado e recebe uma roupagem com a autenticidade do rock ‘n’ roll, traduzindo a fúria e vontades que surgiram durante os meses em casa, mas ao mesmo tempo trazendo o gênero que a banda gosta de tocar ao vivo. “Daniel (baterista) veio na minha casa um dia e a gente começou a tocar essa música, e ela explodindo na bateria com a distorção ligada na guitarra. Depois olhamos um pro outro e falamos ‘essa música vai ser a música do show que a galera vai pular e ficar louco, vamos fazer um rockão pra ela’.”
“O Rock ‘n’ roll vive numa estética nova e reformada que tá viva na nossa geração e o tempo todo sendo feita, só não tá no mainstream”, declara João Ferreira (voz e guitarra). “A gente tá como uma banda que quer continuar seguindo no mainstream, mas é um gênero que a gente sempre escutou, acredito que a importância de uma canção como essa é tentar colocar no meio do mainstream uma música que não tá necessariamente lá.”
“O rock não morreu, é uma questão de saber onde achar”, pontua o músico. “E a gente tá colocando numa prateleira de cima, fácil de ser encontrado um som que sempre tá aí, vinha correndo pelas vias marginais, sempre vivo, acelerando como sempre, evoluindo como estilo e se mantendo rejuvenescido.”
O videoclipe tem a missão de traduzir todo esse misto de sentimento para a tela, dando a experiência da apresentação ao vivo, agitada e explosiva, com a câmera capturando as expressões faciais dos integrantes. O Eterno em Caraíva finaliza um EP que é um verdadeiro “chute na porta”, encerrando um grito preso na garganta há meses, apenas esperando a oportunidade de sair.
Mesmo a pandemia de COVID-19 sendo um momento frustrante não só para a Daparte quanto para o restante do mundo, a banda conseguiu tirar bons frutos do período, admitindo que se não fosse pelos meses em casa, o EP Como Não Se Lembram talvez não existiria hoje.
“Pra quem é compositor, viver é um almanaque”, destacou Juliano. “A gente precisa disso pra inventar e criar, e na pandemia a gente teve que saber lidar com pouco, então essas três músicas foram uma evolução da banda como compositores porque conseguimos experimentar coisas novas.”
Aliás, o EP foi uma tradução expressiva do momento pelo qual o mundo passa. Começando por Farol, que segundo Juliano é uma música que transmite a fúria de colocar tudo para fora, “sinto algo meio radical no fim dela, onde tudo vai acontecendo”, refere-se o músico à presença de vários instrumentos de uma só vez na faixa. “Aí, de uma hora pra outra aquilo cerca como se fosse uma experiência muito louca que vivemos em determinado tempo… e uma hora acaba. E é o que a gente quer que aconteça, que isso acabe”, finalizou.
O Futuro da Daparte
Sobre permanecer com o rock no repertório futuro da Daparte, Juliano revela: “é muito difícil falar sim ou não, a gente sempre se permitiu inventar e explorar novos gêneros.” Em 2021, a banda tem o segundo álbum de estúdio previsto para lançamento. “É o ano dele, não tem como esperar mais.”
E o que esperar do segundo álbum? Algo mais leve e dançante do que o grupo ofereceu no EP, não é a toa que a terceira faixa chama-se Lá Fora o Tempo Dança, prevendo o que está por vir no futuro da banda e seguindo a linha do confessional de Mario Quintana, Menino no Aquário, em que o poeta e escritor escreve que foi “um menino por trás de uma vidraça — um menino de aquário. / Via o mundo passar como numa tela cinematográfica”, traduzindo claramente a sensação de meros espectadores assistindo o tempo passar em casa, por conta da pandemia e que dialoga diretamente com os versos ” É muito cedo pra dizer / É muito estranho, mas eu sei que eu to melhor / E o mundo gira sem querer / E a gente anda sem saber pra onde vai”
“A gente gosta de dançar e gosta de músicas dançantes, então ele tem mais essa pegada”, adianta Alvarenga. “Faz parte da nossa gama de referências, sem deixar de ter as baladas (músicas mais lentas).”
O público já descreveu diversas vezes a Daparte como uma banda que “gosta de fazer músicas para dançar chorando”, normalmente pela letra sentimental e profunda em conjunto com a melodia e arranjos dançantes. “E é bem isso”, brinca Juliano. “Faz parte também, misturar os dois sentimentos. A gente tá sentindo coisas estranhas e que se divergem o tempo todo e acaba introduzindo isso na música também.”
João Ferreira ainda complementa: “é um disco bem homogêneo, robusto, tem uma cara de Daparte.” Com canções já lançadas anteriormente, como Iaiá, Calma, 3 da manhã e Segundas Intenções, o álbum chegará “seguindo uma linha alegre e dançante, como a gente quer fazer um show mais animado, pular, se divertir… e nessa onda que a gente tá curtindo”, completa.
Além disso, o músico ainda pontua alguns desejos da banda para um período pós-pandemia: além de voltar aos palcos, “subir um degrau como artista, fazer shows em festivais que nunca tocamos, visitar cidades que nunca fomos…”, revela. “Emergir como um dos novos artistas da música popular da nossa geração, acredito que a gente tenha um material legal pra isso, é só conseguirmos alcançar nosso espaço nesse novo panorama.”
Ouça Como Não se Lembram: