Por Camila Curcio, Eduardo Ohana e Matheus Izzo
A década de 1990 começou com um resquício do exuberante hard rock dos anos 80, onde bandas como Guns N ‘Roses, Bon Jovi e Def Leppard monopolizavam as paradas musicais. Paralelamente, o metal também tinha seu momento de brilho, que foi acendido ainda mais depois do álbum homônimo do Metallica, que entregou ao mainstream o gigantesco single “Enter Sandman”, colocando o metal e o rock pesado nos radares do público novamente.
Enquanto os cabelos com permanente, calças apertadas e headbangers dominavam o mainstream, o musico Perry Farrell, do Jane’s Addiction, trabalhava nas ideias de seu próprio universo: após observar festivais de música europeus, Ferrell percebeu que eles eram mais inclusivos, e foi assim que ele criou o Lollapalooza no início da década: um festival extravagante, descolado e que apresentou nomes do underground para as massas. Inicialmente a ideia do evento era apenas para ser uma turnê de despedida de sua banda.
Entre os primeiros artistas do Lolla estavam nomes como Nine Inch Nails e Living Colour. O evento foi uma virada de chave para os anos 90, pois iniciou o que o criador Farrell chamou de “nação alternativa”: um line up de artistas irreverentes que divertiam jovens insatisfeitos de Seattle ao subúrbio da Flórida, surfando na multidão a preocupação do governo de Bush. No Brasil, o festival só chegou em 2012, mas atualmente é um dos carros chefe no país quando se trata de festivais, tendo suas edições anuais em São Paulo.
O gênero musical “alternativo” é usualmente usado para músicas com vertentes do rock, mas que não se encaixam em nenhuma derivação, por mais que ainda usem influências proeminentes do estilo. As bandas de rock alternativo surgiram no mesmo período que o gênero indie, por volta da década de 1980, mas tiveram maior reconhecimento na década de 1990. Após o “boom” comercial de alguns nomes deste movimento, o subgênero alternativo ganhou uma variedade sonora bem ampla, muito por conta das misturas de sonoridades e vertentes dos maiores nomes dessa cena. O cenário era inicialmente composto por bandas que tocavam em pequenas casas de shows, usavam gravadoras independentes e divulgavam seu trabalho simplesmente através das letras, da música, e através dos fãs que criavam uma espécie ponte com outras pessoas, conseguindo, consequentemente aumentar a popularidade destes grupos. Como algumas escolas da Inglaterra e Estados Unidos tinham rádios próprias e feitas pelos estudantes, muitas vezes as bandas alternativas começavam a tocar nestes lugares – por serem amigos ou conhecidos de alguém que trabalhava na rádio. Conforme os estudantes ouviam as canções e se interessavam pela banda, o espaço conquistado era cada vez maior.
Em teoria, principalmente no início do movimento, bandas alternativas ou indies não eram sonoramente compatíveis ou classificáveis como outro gênero, então apenas classificavam-nas de acordo com a popularidade da gravadora em que tinham contrato assinado. Normalmente, suas letras possuem críticas políticas e sociais, tendo como prioridade a música em si e não a gana pelo destaque no mainstream.
O que mais diferenciava bandas indies das alternativas é que “indie” é como classificavam aquelas que se mantêm independentes: sonoridades alternativas que continuavam independentes mesmo após se tornarem reconhecidos.
Paralelamente, outro fator que foi extremamente relevante para o molde do que seria este período, foi a popularização da Music Television, ou simplesmente, MTV. A emissora que focava exclusivamente em música (e que aparentemente se esqueceu disso nos dias atuais), realizava entrevistas com artistas, apresentava programas relacionados ao mundo artístico e premiações, mas ela revolucionou o mercado da indústria fonográfico através dos videoclipes. O canal – que também era uma produtora – acabou sendo tao influente que dividiu os jovens inseridos na cultura em dois grupos: aqueles que queriam ser VJs (apresentadores) e os artistas que queriam ser recomendados pela MTV. A emissora se tornou a responsável por lançar tendências e influenciar diretamente o gosto do público, fazendo com que toda banda desejasse aparecer na programação do canal pelo menos uma vez, já que assim que um clipe underground era exibido na TV, ele automaticamente virava febre no mainstream.
E foi assim que o Grunge se tornou um fenômeno no mainstream dos Estados Unidos.
A popularidade deste cenário foi além das barreiras de Washington e até do país. Dessa forma, eventualmente acabaram surgindo bandas de outros lugares com a mesma sonoridade, como Stone Temple Pilots em San Diego, Silverchair na Austrália e Bush no Reino Unido. Outras bandas fortemente associadas com o movimento foram o Blind Melon de Los Angeles e o Smashing Pumpkins de Chicago.
Além do grunge, o início da década de noventa foi marcado pela enorme quantidade de álbuns importantíssimos do rock lançados em um curto espaço de tempo, como Out Of Time e Automatic For The People do R.E.M, o álbum homônimo de estreia do Rage Against The Machine, Siamese Dream do Smashing Pumpkins, Grace do Jeff Buckley, Vulgar Display Of Power e Far Beyond Driven do Pantera, Blood Sugar Sex Magik do Red Hot Chili Peppers e Fear Of The Dark do Iron Maiden.
Com os lançamentos de Nevermind do Nirvana, Badmotorfinger do Soundgarden, Dirt do Alice In Chains e Ten do Pearl Jam, o movimento ganhou força e chegou ao mainstream, tomando conta das rádios e televisões de todo o planeta. O grande boom do grunge se deve muito ao sucesso do single “Smells Like Teen Spirit” do Nirvana, que inesperadamente caiu no gosto do grande público e causou um enorme impacto na indústria, motivando até mesmo relançamentos de álbuns mais antigos – como foi o caso de Bleach do próprio Nirvana, lançado originalmente em 1989 e relançado em 1992, afim de aproveitar o sucesso de Nevermind.
Enquanto o hair metal dava seus últimos suspiros, a atitude despretensiosa e a estrutura “três acordes” de Nevermind mudou o mundo para sempre, tornando o vocalista Kurt Cobain no rosto de uma geração onde música e moda eram abordadas absolutamente sem tabus, enquanto jovens ainda assim revoltados com injustiças sociais – ainda com inspirações parecidas com as do punk -, substituíam as canções de amor, festa e curtição nas rádios por vozes insatisfeitas com as relações interpessoais e a situação mundial.
Entre 1992 e 1995, o movimento viveu seus dias de glória com lançamentos que figuram até hoje em listas de melhores álbuns da década, incluindo Vs. do Pearl Jam, Superunknown do Soundgarden, Alice In Chains e Jar Of Flies do Alice In Chains, Core e Purple do Stone Temple Pilots, Sixteen Stone do Bush, Inhaler do Tad, Push do Gruntruck, Candlebox do Candlebox, Above do Mad Season (um supergrupo com membros do Alice In Chains, Screaming Trees e Pearl Jam) e, é claro, In Utero do Nirvana.
A inovação de abordagens diferentes do Red Hot Chili Peppers
O Red Hot Chili Peppers sempre foi uma banda bem atemporal, por sempre apresentar variações no seu som, como forma de se adaptar a determinados cenários da música durante décadas. Porém, é indiscutível que os anos 90 foram essenciais para transforma-los de mais uma banda do subúrbio de Los Angeles para astros mundiais no mundo do rock. Quando John Frusciante ingressou no grupo após a morte do primeiro guitarrista do grupo, entre 88 e 89, o RHCP lançou Mother’s Milk, primeiro disco pós-Hillel e com John, que agradou público e crítica pela sua sonoridade focada na mistura do punk rock, com claras influências do funk, algo até “novo” na época. Mesmo assim, não foi o suficiente para que eles alcançassem um posto gigante no mainstream.
Dois anos depois, a mudança de chave aconteceu para a banda. Liderados por Rick Rubin, um dos grandes produtores da história da música, os californianos se isolaram de tudo ao produzirem e gravarem em uma mansão o hinário Blood Sugar Sex Magik. Menos “sujo” e “adolescente”, mas com mais melodias, arranjos e riffs de gente grande, o disco teve um impacto imediato assim que saiu e foi aclamado pela crítica, que destacou essa evolução no som já citado, além de elogiar as diferentes texturas e linhas mais limpas e melódicas na guitarra de Frusciante.
As variedades dentro do disco, como as baladinhas “I Could Have Lied” e o clássico “Under The Bridge“, além da pegada ainda agressiva e funk metal em músicas como “Give It Away“, “Suck My Kiss” e “My Lovely Man“, foram algumas das principais razões para que a banda entrasse de vez e forte no mainstream, exatamente por agradar diferente tipos de público. Mesmo estando em Los Angeles, os membros da banda se ligaram no que estava rolando em Seattle e também deram um jeitinho se aproveitar do sucesso do grunge. Como forma de alavancar ainda mais a turnê de seu mais recente e bem sucedido álbum (lançado coincidentemente no mesmo dia de Nevermind), a banda convidou o Pearl Jam e o Nirvana para abrirem seus shows, uma ideia que se provaria extremamente prolífica para as três bandas.
O declínio do grunge se deu com o fim de muitos grupos e, além disso, a partir de 1996, as bandas remanescentes se distanciaram cada vez mais da sonoridade suja e passaram a se renovar, o que fez com que a maioria dos álbuns daquele estilo, como Infrared Riding Hood do Tad, My Brother The Cow do Mudhoney e Dust do Screaming Trees, passassem praticamente despercebidos e, consequentemente, fossem os últimos lançamentos dessas bandas. Até mesmo alguns grupos que se reinventaram, como o Stone Temple Pilots com Tiny Music… Songs From The Vatican Thrift Shop, o Soundgarden com Down On The Upside e o Pearl Jam com No Code, também não foram muito bem recebidos.
Entretanto, como de praxe, o rock não muda, ele se recicla, então ainda houveram êxitos estrondosos dentro do gênero no mesmo período, como Razorblade Suitcase do Bush, o duplo e conceitual Mellon Collie And The Infinite Sadness do Smashing Pumpkins, além do surgimento de um novo movimento, agora na Inglaterra, o Britpop, que trouxe lançamentos importantíssimos da década, como Definitely Maybe e (What’s The Story) Morning Glory? do Oasis, Urban Hymns do The Verve, The Bends e OK Computer do Radiohead e Blur do Blur, que foram sucessos mundiais e ofuscaram completamente a sonoridade que reinou na primeira metade da época.
O Grunge talvez tenha sido o gênero musical mais marcante da época por conta de suas características principais: guitarras desafinadas, vocais graves que abusavam de drives, autenticidade e liberdade criativa nas composições. Bandas como Pearl Jam, Alice in Chains e Soundgarden – além do próprio Nirvana – foram as queridinhas da geração. Depois da morte chocante de Cobain em 1994, a musica sofreu uma drástica girada de chave e hoje em dia, após as perdas dos vocalistas do Soundgarden e Alice in Chains, o Grunge se tornou apenas uma boa nostálgica lembrança. Em contrapartida, o movimento influenciou diretamente bandas que hoje são referências no mainstream.
O Foo Fighters, por exemplo, foi criado pelo próprio Dave Grohl, baterista do Nirvana, ainda em 1995. Naquele ano, o músico lançou o primeiro disco do grupo, homônimo, gravado inteiramente por ele. Segundo Grohl, esta foi uma das alternativas que ele encontrou para superar a morte de seu parceiro, Kurt Cobain. A banda alcançou o sucesso sem nunca ter aproveitado o sucesso do grupo anterior de Dave, com álbuns como The Colour And The Shape e There Is Nothing Left To Lose, que conquistaram dezenas de prêmios – inclusive o Grammy – e se tornaram clássicos do rock and roll moderno. Outros nomes como Creed, Three Doors Down e Three Days Grace surgiram também nesta segunda metade da década muito influenciados pelo movimento.
Voltando de uma crise duradoura, depois da saída do guitarrista John Frusciante em 1993 e do nada bem recebido One Hot Minute de 1995, os Red Hot Chili Peppers marcaram o retorno do guitarrista em 1999 com o álbum Californication, o maior sucesso da banda até hoje, que trouxe singles memoráveis como “Scar Tissue”, “Around The World”, “Otherside”, além da absolutamente marcante faixa-título. As composições do grupo falavam abertamente sobre cotidiano e relações interpessoais, levando às rádios, mais uma vez, a sensação de liberdade criativa dos grupos de rock mais famosos da atualidade.
Ao mesmo passo em que o rock ficava mais livre, as mulheres começaram a comandar o seu próprio movimento: elas se autodenominavam “riot grrrls” e faziam suas vozes serem ouvidas também, com bandas corajosas como Bikini Kill, Bratmobile e Hole. Além disso, a canadense Alanis Morissette abandonou sua imagem de garota-boa do pop e ficou agitada fazendo o público engolir seu álbum de estreia em 1995, com os hits atemporais “You Oughta Know” (yaaass!) e “Head Over Feet“.
Um festival inteiro foi dedicado a mulheres artistas na época. O Lilith Fair aconteceu de 1997 a 1999 e novamente em 2010.
Se o assunto é festivais, um outro responsável pela transformação do consumo de música em geral, também nasceu nos anos noventa, pois, em 1995, o empresário Kevin Lyman, com o intuito de levar às massas a cultura do punk e do skate, criou a Warped Tour (renomeada Vans Warped Tour a partir de 1996), um evento que, durante mais de duas décadas, foi o principal palco das mais importantes bandas do punk, do hardcore e também do ska. Em sua primeira edição, o evento trouxe um line-up tímido, mas de muita qualidade, contando com bandas como Face To Face, Sublime, No Doubt, L7, No Use For A Name e Quicksand, entre outras.
Com o passar dos anos, a Warped se tornaria um grande sucesso e logo ficaria conhecida como grande a responsável por ajudar a lançar a carreira de diversas bandas iniciantes que, a partir dali, viriam a se tornar algumas das maiores do mundo, como Simple Plan, Paramore, Blink-182, Deftones, Limp Bizkit, Avenged Sevenfold, Fall Out Boy e My Chemical Romance.
Como infelizmente todo carnaval tem seu fim, a última Warped Tour aconteceu em 2019, com uma edição comemorativa dos 25 anos do primeiro evento, contando com um line-up nostálgico repleto de veteranos do festival, como Bad Religion, Simple Plan, Sum 41, NOFX, The Used, Anti-Flag, Face To Face e Blink-182, encerrando com chave de ouro a história de um dos festivais mais importantes da história do rock e da música como um todo.
O que antes era um gênero ridicularizado por sua simplicidade subitamente dominou as macas. O lançamento do Green Day em 1994, foi a maior incursão do punk no mainstream. Um adendo para o fato de que em 1994, o mundo perdia Kurt Cobain e a juventude estava órfã de alguém que as representasse. No Brasil, o movimento também ganhou força e bandas como Charlie Brown Jr – que coincidentemente teve uma das edições mais icônicas do MTV Unplugged (ou Acústico MTV) – se tornaram icônicas no mainstream.
Dizem que o rock morreu nos anos 90, talvez porque no meio da década o hip-hop de Tupac e Notorious B.I.G começava a figurar entre os riffs de guitarra e os sintetizadores. Contudo, o gênero nunca irá morrer. As abordagens e prioridades podem ser outras, assim como o mundo em que estamos inseridos. O rap-rock também tomava forma, colocando assim um ponto final em toda a autenticidade e liberdade que foi o espírito adolescente nos anos 90.
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