Royal Blood mergulha em seus próprios limites em ‘Typhoons’

Royal Blood Typhoons
Mais confiantes e vulneráveis do que nunca, o duo de Brighton aposta suas fichas na arriscada sonoridade dançante e entrega um disco altamente ambicioso em sonoridade, execução e temática

Muito se fala sobre a importância e o desafio do terceiro álbum para a consolidação da carreira de uma banda, ou para o desandar dela. Afinal, quantas bandas você consegue listar cujo terceiro trabalho de estúdio foi muito bom para elevar seu patamar artístico, ou para jogá-lo em completo esquecimento? Ame ou odeie mudanças radicais, o Royal Blood, que desde seu debut tem se revelado uma das bandas mais populares e promissoras da geração new rock, encarou este desafio como uma oportunidade para abandonar sua zona de conforto e mergulhar em seus limites criativos e musicais em Typhoons, o famigerado e tão aguardado terceiro disco de estúdio.

Mike Kerr e Ben Thatcher, os dois rapazes de Brighton que se tornaram populares por criar rock cru e intenso sem o uso de guitarras, sabiam que não caberiam dentro de si por muito tempo. Juntos, se desdobraram para testar seus limites no segundo álbum, How Did We Get So Dark, criaram uma sonoridade um pouco menos densa, adotaram um teclado para um som maleável e adicionaram backing vocals. Testaram até o que seria ter um guitarrista na banda — e foi péssimo. Em Typhoons, o desafio era ir tão além quanto, sem deixar para trás as raízes que os tornaram um dos duos mais populares do Reino Unido.

Com influências que vão de Daft Punk, passando por Justice e Cassius, o Royal Blood apostou suas fichas num som eufórico e dançante sem abandonar os riffs que os consagraram, e encontraram nisto a liberdade para soar como desejavam. Adotaram pianos e samples que ambientam a canção ao contexto synthpoprock da disco music e saíram desta experiência mais completos e grandiosos do que nunca. A dúvida que permanece é: como apenas dois caras irão executar um som desta complexidade ao vivo um dia?

Typhoons tem o peculiar contexto de superação do vício de drogas e álcool do frontman, Mike Kerr, que aborda a vida de excessos do rock e suas consequências na maioria das canções, sem deixar esconder o arrependimento, vulnerabilidade e a vitória que foi tão importante em sua vida e carreira. Há dois anos Kerr tem a sobriedade não apenas como forma de manter o controle sobre sua vida, mas como um senso de propósito que norteia sua arte. Apoiados pela liberdade de se arriscar nas pistas de dança, quase literalmente, o Royal Blood entrega em Typhoons seu álbum mais ambicioso em sonoridade, execução e temática.

 “Sem sobriedade, este álbum ou esta banda não existiriam”.

mike kerr para a nme

Trouble’s Coming“, primeiro single divulgado para introduzir a nova era apresentou um lado até então inexplorado do groove que se envolve perfeitamente com os riffs, que ainda são de baixo, na intensidade certa. A faixa seguinte, “Oblivion” traz uma das melhores pontes da carreira da banda e explode novamente na sonoridade dançante e groovada no refrão, em letras que falam sobre a vida devassa de Kerr. Nesta faixa também evidencia o apoio de backing vocals agora também em estúdio, uma novidade nos trabalhos da banda. “Typhoons” proporciona uma verdadeira experiência espiral e se torna uma das canções mais cativantes do duo desde ‘How Did We Get So Dark?’, e mergulha mais ainda na liberdade de criar música para as pistas de dança.

Mais riffs fortes introduzem “Who Needs Friends” e conduzem para um dos refrãos mais fracos do álbum, mas ainda sim muito bons para quem quem quer mexer o ombrinho e descontrair na pista, e a ponte que conduz para o último refrão se mostra a parte mais interessante da canção. Com fortes samples eletrônicos, “Million and One” se mostra uma das canções mais interessantes do disco, novamente trazendo analogias sobre a jornada de Mike Kerr contra os excessos em uma das mais bonitas e ambiciosas letras, em meio a sedutora atmosfera de piano e fortes riffs. Menção o honrosa para o discreto uso abusivo de distorção em vocais nos últimos versos da canção, no maior estilo Daft Punk das ideias.

Limbo” traz letras mais explicitas e impactantes ao relatar o abuso de drogas logo em seus primeiros versos, e novamente uma das melhores e mais intensas pontes, impregnada na atmosfera cósmica, groovada e caótica de estar preso numa situação tóxica. “Either You Want It” desacelera o ritmo e diminui a tensão com letras mais “leves” ao abordar relacionamentos que não vão nem vem. A canção é um exemplo do que seria uma ótima trilha sonora, tanto para longas como para a vida, e nos apresenta um solo extremamente carismático. Já conhecida pelos fãs desde 2019, “Boilermaker“, produzida por Josh Homme, não tem a tal ambientação da disco music e se torna a canção mais fora da curva em todo o disco, quase como um respiro entre tanto sample oitentista.

Mad Visions” retoma o trabalho para a sonoridade habitual explorada em Typhoons e apresenta outro ótimo exemplo do bom uso de backing vocals no refrão. A canção ainda traz um belíssimo easter egg durante sua transição para a faixa seguinte, “Hold On“, que apesar de ainda empregar todos os elementos já vistos e repetidos durante todo o álbum, consegue contagiar por seu refrão e te convencer de que você ainda não ouviu nenhuma canção parecida com aquela — mas a esta altura, você já não está tão certo disso. “All We Have is Now” encerra o álbum com uma mudança abrupta de ritmo, entregando uma singela canção baseada principalmente em piano, diferente de tudo que o Royal Blood produziu ao longo de sua carreira, simbolizando uma verdadeira redenção de Kerr em um ponto extremamente fora da curva, em uma canção que poderia facilmente pertencer à Elton John ou John Lennon.

Mais experientes e confiantes do que nunca, o Royal Blood joga a toalha e admite que não cabem mais dentro de um duo e precisarão de músicos de apoio para executar a sonoridade complexa e inventiva que ousaram criar. O resultado é um trabalho complexo, que mergulha nos limites de um duo em diversas camadas: samples, riffs, instrumentos adicionais, groove e elementos eletrônicos. Tudo executado com a extrema maestria de uma banda que foi paciente para evoluir aos poucos até ali. Ainda sim, sem muitas opções para driblar a fórmula de riff, sample oitentista e groove, Typhoons pode soar repetitivo e cansativo em vários momentos, e nisso, a curadoria de ordem das faixas faz toda a diferença ao mascarar que algumas faixas são sonoramente parecidas. Apesar dos desafios, os rapazes de Brighton entregam seu mais ambicioso e complexo projeto, se provando capazes de empregar quantos elementos e instrumentos mais forem necessários para atingir o inventivo som que desejam.

Royal Blood Typhoons

Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Related Posts