Arctic Monkeys: 15 anos de Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not

Por Luana Harumi e Gêra Lobo

“Não acredite no hype”, diz um Alex Turner carrancudo de 19 anos, acompanhado de três amigos igualmente jovens no clipe de “I Bet You Look Good On The Dancefloor” – uma faixa enérgica que contradiz a cara do vocalista de quem preferiria estar em qualquer outro lugar. Mas o aviso do adolescente veio tarde demais: a essa altura, o Arctic Monkeys já era um nome bastante conhecido para muito além da cena indie noturna de Sheffield, cidade-natal deles. 

Lançada em outubro de 2005, “I Bet You Look Good…” rapidamente conquistou o topo das paradas britânicas e serviria como um prenúncio do sucesso que a banda experimentaria em seguida. A faixa foi o primeiro single do primeiro álbum de estúdio do quarteto: Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not, lançado em 23 de janeiro de 2006. Quinze anos depois, o ROCKNBOLD revisita a história do disco – ainda hoje, considerado por muitos o maior do grupo.

Antecedentes

O Arctic Monkeys foi formado em 2002 pelos amigos de escola Alex Turner (voz e guitarra), Matt Helders (bateria) e Andy Nicholson (baixo), depois acompanhados por Jamie Cook (guitarra secundária), adolescentes que cresceram com influências hip-hop e de grupos como Oasis e The Strokes. A banda fez suas primeiras performances em 2003, e logo começou a gravar demos em um estúdio de Sheffield, cidade ao norte da Inglaterra não muito longe de Manchester e Liverpool. 

Foram gravadas um total de 18 faixas escritas por Turner, que o grupo colocava em CDs para distribuir em shows locais. Não demorou muito para que os arquivos fossem parar na internet, onde o compilado ficou conhecido como Beneath the Boardwalkem referência a uma antiga casa noturna da cidade, onde o fã que subiu uma das primeiras cópias pegou o CD. 

Não que a banda se importasse muito com a pirataria. “A gente dava [as demos] de graça mesmo – [jogar na internet] era a melhor forma para que as pessoas pudessem ouvir. E isso deixava os shows melhores, porque as pessoas sabiam as letras e vinham e cantavam junto”, Helders disse para a revista Prefix em 2005. “A gente não pode reclamar.” 

O crescimento da popularidade do Arctic Monkeys coincidiu com o auge do Myspace, rede social favorita dos jovens na época, onde fãs criaram uma página dedicada à banda. Muito antes do TikTok, eles foram um dos primeiros grupos a ganhar notoriedade por causa da internet, o que levou até o tradicional jornal britânico The Guardian a publicar uma coluna que questionava se eles seriam responsáveis por mudar a indústria musical – quando, na realidade, eles sequer sabiam usar o site. 

“[A gente só usa internet] para e-mail, iTunes, coisas assim”, Helders disse na mesma entrevista de 2005. “A gente na verdade não fazia ideia do que era [Myspace].” (Curiosamente, até hoje o baterista é o único do grupo com perfis públicos em redes sociais.)

Graças a essa fama na web, a banda já tinha um fansite no Brasil antes mesmo de ter um álbum oficial. 

Ainda em 2005, o Arctic Monkeys lançou um EP intitulado Five Minutes with Arctic Monkeys sob o selo que eles mesmos criaram de última hora chamado Bang Bang. O trabalho trazia as faixas “Fake Tales of San Francisco” e “From the Ritz to the Rubble” (que juntas somavam, na verdade, pouco mais de seis minutos). Em junho daquele ano, a banda assinou com a gravadora independente Domino, que já trabalhava com o Franz Ferdinand na época. 

Já não dava mais para conter o hype.

Produção 

WPSIATWIN foi gravado entre junho e setembro de 2005, com produção de Jim Abbiss, que já havia produzido para o Kasabian para o álbum de mesmo nome e depois trabalharia com Adele nos álbuns 19 e 21. Grande parte do trabalho consistiu em regravações de músicas já apresentadas pelo Arctic Monkeys, com nove das 13 faixas do álbum vindas de Beneath the Boardwalk e Five Minutes… – incluindo “I Bet You Look Good…”, “Mardy Bum”, e “When the Sun Goes Down” (originalmente chamada “Scummy”). 

Além de “I Bet You Look Good…”, “When the Sun Goes Down” também foi lançada como single em janeiro de 2006, e também atingiu o topo das paradas britânicas. Ao final daquele mês, o álbum completo seria lançado, com grande expectativa dos fãs.

O título veio de um trecho do romance “Sábado à noite, domingo de manhã”, escrito em 1958 por Alan Sillitoe. O livro conta a história de Arthur Seaton, um operário que aos fins de semana bebe muito e sai com várias mulheres. A obra foi adaptada para um filme em 1960, em que o protagonista reclama: “Eu sou eu e mais ninguém. O que quer que as pessoas digam que sou, é isso que não sou, porque eles não sabem nada sobre mim!” 

Amante de cinema, Turner assistiu ao filme e se identificou com a fala. “[A fala] primeiramente é boa porque o filme é chamado ‘Sábado à noite, domingo de manhã’ e é meio que isso que é o álbum, então tem uma ligação aí”, ele teria dito segundo a revista NME. “E também, tem muita gente dizendo várias coisas sobre nós e você não tem controle sobre isso”. 

Para a foto de capa, o então baixista Andy Nicholson chamou o amigo Chris McClure, na época um estudante de sociologia em Manchester, que prontamente disse “sim” sem fazer muitas perguntas sobre o projeto. McClure e alguns amigos foram para Liverpool para o ensaio, onde se encontraram com o fotógrafo Alex Wolkowicz e sua equipe em um bar (sem a banda, que estava em turnê). 

“Eu perguntei” ‘O que você quer que a gente faça?’”, McClure contou para o Guardian em 2016. “Eles disseram: ‘Saiam e fiquem bêbados – voltem depois da meia-noite”. Segundo ele, a equipe deu centenas de libras para eles gastarem em bebida, e os jovens só voltaram depois das duas da manhã. As fotos foram tiradas em um espaço embaixo do bar, com o modelo sentado em uma banqueta. McClure estava tão bêbado que vomitou na metade do ensaio. 

No lançamento, a imagem acabou levantando uma controvérsia quando um representante da NHS, o serviço de saúde pública do Reino Unido, criticou a capa por “reforçar que fumar é ok”. A acusação foi rebatida pelo empresário de produto da banda na época, Johnny Bradshaw, que disse que, na verdade, “você pode ver pela imagem que fumar não está fazendo bem [ao modelo].”

De qualquer forma, a foto rapidamente se tornou icônica: McClure viu seu retrato pendurado na parede de festas que frequentava e descobriu que até Noel Gallagher tinha uma cópia na casa dele.

“Eu recebi 750 libras por aquela noite”, McClure contou. “Eu deveria ter pedido 10 centavos por cada venda do álbum”.

A foto que acabou virando capa de “Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not”.

Análise faixa a faixa

De cara o Arctic Monkeys já mostrou para que veio. “The View From The Afternoon” inicia o disco com uma trocação frenética de riffs e uma bateria acelerada, que dá a levada da música e não deixa o ouvinte um minuto sequer sem balançar a cabeça. E o ritmo não baixa de jeito algum na segunda faixa, a queridíssima e histórica “I Bet You Look Good On The Dancefloor”, considerada um dos grandes clássicos da história do rock britânico, que segue a cantoria incansável de Turner e a velocidade das guitarras.

Em “Fake Tales Of San Francisco” temos uma construção baseada até numa espécie de punk-funk, alternando riffs bem dançantes, além da introdução de ótimos backing vocals. Na última parte da música vemos todo o entrosamento dos integrantes, em uma linha de punk até o fim. “Dancing Shoes” se apresenta com uma linha de baixo incrível, acompanhada pelo vocal limpo de Turner e a bateria de Helders, até que o típico riff dançante aparece e nos leva em mais uma viagem frenética.

A razão pela qual esse disco foi tão histórico para a música dos anos 2000 está na forma como ele é composto. Ele revive o post-punk dos anos 90, traz o indie rock raiz e também é agressivo com seu garage rock. Ele não te dá descanso, e “You Probably Couldn’t See for the Lights but You Were Staring Straight at Me” segue o padrão das primeiras faixas, com palhetadas agressivas e um vocal veloz de Turner e até Helders aparecendo. “Still Take You Home” fecha a primeira e mais elétrica parte do álbum com perfeição.

Mas o Arctic Monkeys também sabe diminuir a velocidade. “Riot Van” nos dá um respiro de 2 minutos e 15 segundos, em algo até mais intimista, leve, com a voz de Turner ecoando e apenas notas tranquilas por trás. Porém, logo em seguida “Red Light Indicates Doors Are Secured” nos chama para dançar mais uma voz e trazer o público de volta a grande energia que os ingleses sabem entregar. É bom ressaltar que muitas faixas não batem os três minutos, então vão direto ao ponto e isso é ótimo.

Uma das mais queridinhas da discografia inteira da banda, “Mardy Bum” tem sua energia com um riff cativante, mas varia para momentos de “baladinha”, com vocais menos frenéticos. Além disso, finaliza com um belo solo de Turner em sequência de arrepiar. É uma composição incrível. Uma música que define bastante o Arctic Monkeys, trazendo rapidez, mas melodias lindas e refrões cantantes.

Perhaps Vampires Is a Bit Strong But…” volta a um ritmo mais agressivo, com um riff bem sujo e bateria destacável, que conta com uma parte só instrumental de arrepiar. Depois, “When The Sun Goes Down” mostra o porquê é uma das grandes faixas do disco. O início “solitário” de Turner nos leva a um instrumental incrível, com o baixo chamando a responsabilidade. O refrão é incrível, o ritmo é frenético e todos estão no seu mais alto nível.

From The Ritz To The Rubble” mantém a energia totalmente lá em cima, mais uma vez com o baixo chamando atenção, mas, aqui, o ritmo parece ser ainda mais frenético, além de contar uma ponte que te prepara uma sequência final incrível, que deixa qualquer plateia pulando e em completo êxtase.

Para finalizar com chave de ouro, “A Certain Romance” foi a escolha mais correta possível. Música de maior duração do álbum (5:31), ela tem de tudo e mais um pouco. Assim como “Mardy Bum”, ela também define o que é o Arctic Monkeys. Se inicia eletrizante, mas logo depois entra numa melodia linda e permanece assim até uma ponte que finaliza com um instrumental de outro mundo, iniciando, assim, uma linda história de uma banda histórica.

Liricamente falando, o disco não é uma das coisas mais profundas do mundo, abordando, principalmente, a vida e dificuldade dos jovens da região Norte da Inglaterra nos subúrbios e clubes, com narrativas em primeira pessoa de tudo que eles evidenciam. Além disso, situações amorosas, mesmo que simples e comuns no mundo dos jovens, também são temáticas abordadas por Alex Turner e cia.

Lançamento e recepção

Apesar de a primeiríssima frase do álbum ser justamente sobre como essa expectativa pode levar à decepção, o resultado foi justamente o contrário: WPSIATWIN foi muito bem recebido pela crítica e público e, ao final da primeira semana de lançamento, já havia se firmado como o disco de estreia com vendas mais rápidas da história no Reino Unido, com 360 mil cópias vendidas – recorde que a banda detém até hoje. 

Em 2006, o disco ganhou o tradicional Mercury Prize por Melhor Álbum, e alguns anos depois ficou na posição 371 da lista de 500 Maiores Álbuns de Todos os Tempos da revista Rolling Stone. Em 2013, a revista também o colocou como o 30º maior álbum de estreia de todos os tempos, e a NME também o posicionou como 19º em sua lista de 500 maiores álbuns de todos os tempos.

Legado

Apesar de Turner hoje em dia admitir que sente um pouco de vergonha das letras mais antigas do Arctic Monkeys, é inegável que essa primeira onda de popularidade que veio com WPSIATWIN influenciou uma porção de jovens e inspirou uma geração de novos artistas – como Van McCann, do Catfish And The Bottlemen, e Jake Bugg. Inúmeras bandas cover surgiram ao redor do mundo e é quase impossível ir a uma balada indie sem ouvir pelo menos uma música dessa era.

A banda logo se tornou presença garantida em festivais, com destaque especial para o festival de Glastonbury na Inglaterra, e veio para o Brasil já em 2007 no TIM Festival no Rio de Janeiro, logo após o lançamento do segundo álbum, Favourite Worst Nightmare (no qual Andy Nicholson já havia sido substituído pelo baixista Nick O’Malley).

“I Bet You Look Good On The Dancefloor” chegou a ser interpretada pelo grupo na abertura das Olimpíadas de Londres em 2012 e é uma das poucas de WPSIATWIN que continua sendo presença garantida nos setlists de shows – com a aparição mais “recente” no álbum Live at the Royal Albert Hall, gravado em 2018 e lançado em 2020.

WPSIATWIN pode não ter toda a pompa de AM, ou toda a classe de Tranquility Base Hotel & Casino, mas trouxe à música uma eletricidade sincera que já mostrava que a banda estava destinada a alçar voos cada vez mais altos dali para frente, ganhando status merecido de clássico do indie rock.

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