Black Honey e o futuro do rock feminino em “Written & Directed”

Liderada pela frontwoman Izzy Bee Phillips, a banda de indie western rock escreve e dirige o futuro do gênero em seu segundo álbum de estúdio

Se deparar com Black Honey, a primeira vista, é sempre algo interessante. Com uma estética pesada e marcante que parece ter vindo de algum lugar entre os anos 70 e 80, a banda de alt-rock com forte influência western possui uma vibe bastante retrô não só em seu visual, como também em sua sonoridade, capaz de fazer o ouvinte viajar no tempo entre o country e rock. Grande parte desta estética se deve pela figura excêntrica de Izzy Bee Phillips, a frontwoman que não esconde a influência de grandes mulheres do rock, como Debbie Harry, Joan Jett, Janis Joplin e um pouco de Amy Winehouse. Em uma banda liderada por uma mulher de atitude, o resultado não poderia ser outro: sonoridade forte, autêntica e girl power em um mundo onde o rock já deixou de ser comercial há algum tempo.

Desde que o quarteto de Brighton, Inglaterra, entrou em cena com uma explosão de coragem e brilho, a banda começou a construir seu próprio universo incendiário e inclusivo de dentro para fora, condensando em música a narrativa de um filme de velho oeste, com heróis, vilões, vadias malvadas e desertores sem saída. Tudo isso regado a muito amor, luxúria, ódio e poder. A união de todos os ambiciosos elementos tornavam o Black Honey uma banda quase teatral, vivendo e compondo em seu próprio universo cinematográfico, com a alma no passado e olhos no futuro.

O primeiro álbum da banda, autointitulado, chegou em 2018 explorando a linha tênue entre passado e futuro, com um som impregnado de country rock moderno, sem deixar de lado as baladas de synthpop cheia de riffs e gritos, além da forte influência do Blondie. As letras falavam principalmente sobre romances tristes, desilusões amorosas, drama, assassinato e aventuras selvagens. O disco, que tinha como principal desafio mostrar que o Black Honey não estava para brincadeiras, ou para ser apenas mais uma banda de alt-rock, lhe rendeu os hits “I Only Hurt The Ones That I Love”, “Dig”, “All My Pride” e “Hello Today”. A banda também ganhou destaque em alguns festivais, além do papel de ato de abertura dos shows da banda Queens of The Stone Age.

O futuro do rock, “escrito e dirigido” por Black Honey

Com forte influência de Tarantino em seu título, Written & Directed, segundo álbum de estúdio do Black Honey dá continuidade à narrativa dramática cinematográfica sobre sua própria desgraça desenfreada, construída sob o forte olhar feminista. Izzy Bee Phillips afirma que este é “um álbum para fazer meninas se sentirem invencíveis”. Por um outro lado, a própria Izzy B também busca inspirar independência, a fim de se livrar do discurso limitante de ser referida como ‘uma banda liderada por uma mulher’, com a crítica de que “feminino não é um gênero“.

Após três anos desde o primeiro lançamento, a sonoridade de Written & Directed não foge muito do hard rock retrô apresentado no autointitulado de 2018, muito pelo contrário. O álbum demonstra uma extrema fidelidade da banda em dar continuidade ao contexto musical que lhes rendeu um lugar ao sol, buscando ‘escrever e dirigir’ seu caminho na história do new rock. O disco tem a missão de empoderar mulheres e encorajá-las a assumir o papel de protagonismo em suas histórias, com uma boa dose de ‘RIOT GRRRL’ influenciada por Bikini Kill.

“O segundo álbum é sobre ter um fogo em você para arrasar. As meninas estão bem atrasadas em uma perspectiva em que podem ser as protagonistas e a vadia chefe com uma narrativa complexa”

O drama e morte já entra em contexto logo na primeira faixa do álbum, “Love The Way You Die“, que reforça a identidade sonora de alt/westen rock com um elegante arranjo instrumental e riffs de guitarra, no maior estilo Black Honey. A faixa “Run For Cover” dá continuidade no som agitado e intenso do álbum, que só assume um sentimento mais descontraídos na dançante faixa “Beaches“.

Back of the Bar” é uma faixa mais amena e romântica, que flerta com o indie sem deixar as influências do passado de lado. “Believer” é outra canção que merece destaque pelo seu grande potencial de sucesso se bem trabalhada e divulgada. Com backing vocals e instrumental intenso, a faixa seria capaz de fazer multidões cantar em coro em festivais. “Disinfect” é outra agradável surpresa e talvez a faixa mais forte do álbum ao remeter o tipo de música facilmente empregada em cenas de ação de filmes e seriados. Talvez esta seja também a faixa que melhor expresse a essência do Black Honey em meio a riffs um pouco mais elaborados. O disco é fechado na suave “Gabrielle“, que apesar de monótona, cumpre o papel de fechar o trabalho como uma sensação agridoce de tristeza, como em um filme sem final feliz.

Com pelo menos dez faixas a menos do que o álbum autointitulado, Written & Directed se mostra um trabalho coeso, cujo conceito é extremamente bem trabalho ao dar continuidade ao universo particular e empoeirado do Black Honey, mas não é tão ambicioso quanto. O álbum cria no ouvinte uma sensação de “quero mais”, como se faltasse alguma coisa que tornasse a experiência completa. Talvez esse sentimento falta se dê pela falta de influências do punk, que são muito bem exploradas no primeiro disco. A banda aposta em uma sonoridade mais sofisticada e refinada, como se desejassem escrever um novo capítulo na história sem necessariamente repetir a mesma receita que os concedeu um lugar sob os holofotes.

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