Urias e a raiva como combustível em “FÚRIA”

Em seu álbum de estreia, a artista canaliza toda a sua ira em canções potentes e batidas energéticas.
Urias Furia Capa

“Tenho uma raiva que me faz seguir”. Cantado por Urias em “Pode Mandar”, o verso sintetiza bem o trabalho da artista em seu álbum de estreia, FÚRIA. Com 13 faixas, o projeto apresenta uma fase mais profunda da arte da cantora, que retrata seus sentimentos de forma agressiva ao flertar com texturas musicais mais pesadas e construções vocais que refletem a indignação presente nas letras. 

Em FÚRIA, as cinco músicas já apresentadas em ​​FÚRIA PT. 1, primeira parte do projeto lançada em 2021, se somam a 6 músicas inéditas, uma intro e um interlúdio. Na sua forma completa, o trabalho segue a linha do autointitulado EP Urias, de 2019, que chamou a atenção por suas letras provocativas e seus instrumentais intensos, tendo como exemplo o single “Diaba”. 

urias fúria
Crédito: João Arraes

Seja dentro ou fora da música, Urias é conhecida por sua expressão artística desafiadora, que também se faz presente em seus trabalhos como modelo e atriz. Prova disso foi o prêmio pelo clipe de “Diaba”, que retrata a violência contra mulheres pretas e trans marginalizadas no cenário de Uberlândia contando com a artista como protagonista, no Berlin Music Video Awards de 2020, desbancando projetos de intérpretes como Dua Lipa e My Chemical Romance. 

Além disso, Urias nunca deixou de lado sua militância e luta por melhores condições de vida para pessoas que vivem às margens da sociedade, como é o caso das mulheres pretas e trans. Por meio de letras raivosas e que desafiam a cisheteronormatividade, a artista canaliza a sua fúria e a transforma em arte, chamando a atenção do grande público para questões que deveriam ser amplamente debatidas no Brasil, que infelizmente ainda é o pais que mais mata transsexuais no mundo

É essa indignação de Urias que chama a atenção em seu álbum de estreia. Em “Intro”, faixa que abre o projeto, a frase “I’m about to become a terrible person/Even though I never thought I was good” (em tradução livre: “Estou prestes a me tornar uma pessoa terrível/Apesar de nunca ter me considerado boa”) reforça a mudança de postura de uma mulher marginalizada que, por ter sido contida por muito tempo, resolve se transformar em uma pessoa “ruim” para os olhos externos. 

Usando de chiados, zumbidos e batidas secas para criar uma atmosfera mais sombria para o ouvinte logo na primeira música, Urias transmite essa energia em uma transição quase imperceptível para a potente “Pode Mandar”. Colaboração com o rapper Vírus, a segunda faixa é uma das canções mais impactantes do álbum, com uma letra marcante que fala da canalização do medo e da raiva de existir em um mundo que é muito hostil, principalmente para aqueles que mais são oprimidos. Os vocais da cantora são muito bem trabalhados, retratando toda a ira ao serem unidos a um instrumental carregado. 

Indo de 0 a 100 com várias mudanças de batidas, “Racha”, terceira faixa do álbum, representa a criatividade da artista ao usar da figura de um carro em alta velocidade para falar sobre sua própria potência, sua própria vivência que é desafiada diariamente. A canção foi uma das mais bem recebidas quando FÚRIA PT. 1 foi divulgado no ano passado, o que também aconteceu com “Foi Mal”, música mais calma que traz um instrumental com texturas do rock psicodélico e a presença de um baixo bem trabalhado, contando ainda com uma letra profunda sobre desilusões amorosas e a vulnerabilidade da cantora. 

Com estéticas musicais que remetem aos ritmos latinos, como o mambo, “Aposta” é divertida e trata sobre a impessoalidade depois de um encontro casual. A música também fala sobre o ego masculino, o que pode ser evidenciado na frase “Mal sabe chupar/Mas fala pro mundo inteiro que sabe fazer geral gozar“. Em “Cadela”, música que também já havia sido divulgada no ano passado, Urias reforça sua potência e o fato de não se colocar como submissa, mas sim como quem manda. A letra acompanha a batida, que é mais agitada e rápida do que as demais. 

Em “Explícito”, a cantora faz uma ótima divisão de vocais com o cantor Hodari, resultando em uma música sensual e mais leve do que as demais. Na sequência, vem o interlúdio “Interlude”, que conta com um áudio de desabafo de Urias, no qual ela fala sobre as diferenças de ser uma artista trans e preta em um mundo onde o trabalho de cantoras cis e brancas que não fazem “nem o mínimo” são mais reconhecidas e divulgadas. 

A transição resulta em “Classic”, mais uma colaboração, dessa vez com a artista Charm Mone. Nona música do trabalho, a faixa é bem animada e fala sobre a ostentação, com elementos do hip hop dos anos 90 em suas batidas. Ela é seguida por “Peligrosa”, uma faixa de reggaeton, contando com uma letra que reflete sobre o quanto Urias não quer e não vai aceitar ser parada por qualquer um que tentar impedi-la de ser quem é. 

“É Tudo Meu” é um dos pontos fracos do disco, com muitas repetições de frases e uma batida que não surpreende muito. Já em “Maserati”, a sensação é a inversa: a música é incrivelmente boa, contando com a participação das artistas Ebony e Monna Brutal. As estéticas sonoras mesclam aspectos presentes no rap, com mudanças de beat e de ritmo ao longo da canção, com uma letra que novamente remete a potência da cantora a figura de um carro, se movimentando de forma agressiva tendo a raiva como combustível. 

Faixa que encerra o projeto, “Tanto Faz” é mais calma e traz aspectos do rock de arena com uma guitarra distorcida e vocais fortes e muito bem trabalhados. É uma ótima finalização para um primeiro projeto de uma artista tão completa como Urias, que foi capaz de passar uma mensagem impactante usando de diferentes ritmos em roupagens criativas. 

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