Ressaca criativa é um assunto bastante recorrente na arte, principalmente quando falamos sobre artistas com anos e anos de estrada. Para onde ir quando se está no topo? Como entregar inovação e qualidade quando o ápice já foi atingido? Este tem sido o calcanhar de aquiles dos britânicos do Muse há pelo menos dez anos, quando o trio apresentou ao mundo seu disco mais fora da curva até aquele momento: “The 2nd Law“. Uma década depois, Matt Bellamy ainda parece ter algumas dificuldades na linha tênue do desafio de se manter atual e, ainda sim, agradar a multidão de fãs que idolatra os primeiros discos da banda. Esse conflito se reflete muito bem em seu disco mais recente: Will of The People.
O nono disco da banda gira em torno de um universo utópico de disruptura política e revolta popular, e é provavelmente o terceiro que aborda essa temática utópica e revolucionária. A fórmula deu certo em 2009, quando o trio mergulhou no universo de George Orwell para criar “The Resistance“, agradou boa parte dos fãs saudosistas em 2015, quando questionou o uso de armas de destruição remota em “Drones“, mas tem um inevitável gosto de pizza requentada no lançamento mais recente. Enquanto Bellamy parece cada vez mais entusiasmado pelo experimentalismo e pela possibilidade de mergulhar em sons que flertam com o synthpop em faixas como “Compliance” e “You Make Me Feel Like It’s Halloween”, a cota de saudosismo é devidamente respeitada em faixas como “Won’t Stand Down” e “Kill or Be Killed“.
No meio da encruzilhada de abraçar o passado ou se jogar no futuro, Will of The People é defitivamente o álbum mais variado do Muse desde The 2nd Law. A vontade de se arriscar e produzir algo grandioso é bastante paupável, já que a banda não perdeu seu talento para composições ambiciosas. Um exemplo disso está em “Liberation“, que resgata o melhor da sonoridade sensível e intensa, inspirada na complexidade instrumental da banda Queen, e em “We Are Fucking Fucked“, que por sua vez, mergulha no som moderno de sintetizadores para resgatar o melhor do rock sujo e cheio de riffs que tanto mobiliza multidões em estádios. No fim das contas, a tentativa de agradar a gregos e troianos é válida, e até muito bem executada em faixas bastante mescladas que passeiam entre o moderno e o clássico, mas inevitavelmente resulta em uma produção pouco consistente ao tentar trazer de tudo em canções que pouco conversam entre si. A ordem da tracklist também não é das melhores, e isso se torna evidente nas transições entre as faixas “Liberation“, “Won’t Stand Down” e “Ghosts (How Can I Move On)“, músicas completamente diferentes e desconexas em sequência.
A conexão entre as faixas não é a única pedra no caminho de Bellamy, que por vezes parece ter abandonado o lirismo imponente em algum lugar do passado. Embora “Won’t Stand Down” seja uma das faixas mais agradáveis sonoramente, seus versos despertam um inevitável sentimento de familiaridade, como se tivesse sido escrita a partir de antigos rascunhos de discos anteriores – mais especificamente, Drones. Há quanto tempo o Muse está falando de revolução e ruptura de sentimentos controladores, relações tóxicas e abusivas? Há quanto tempo Matt Bellamy está abordando política de forma rasa e pouco objetiva, sem que as letras se posicionem de fato sobre problemas reais na sociedade?
Ainda sim, nem tudo parece perdido ao longo de dez faixas. A banda ainda surpreende positivamente em canções como “Kill or Be Killed“, que reúne riffs pesados em um pouco de tudo que os fãs mais exigentes esperam, e até mesmo nas melancólicas “Ghosts (How Can I Move On)” e “Verona“, que resgatam a sensibilidade apaixonada de Bellamy ao transformar sentimentos difíceis em melodia. Em outros momentos, a influência do synthpop se faz presente a ponto de parecer que a banda não só ainda não superou a sonoridade tão explorada em “Simulation Theory“, como também a adotou como uma característica própria.
Talvez o tempo seja tão generoso com Will of The People quanto foi com The 2nd Law, que a primeira vista torceu o nariz de muitos fãs com o lead single “Madness“, e hoje mobiliza multidões cantando em coro. Até lá, a primeira impressão é de um disco sem tanto impacto no que diz respeito ao rock moderno ou alternativo, com faixas bem executadas, embora pouco marcantes e esquecíveis.