O novo sempre vem, mas isso é bom?

O tão aguardado retorno do Arctic Monkeys deixa os fãs mais saudosistas em dúvida: os dias de rock da banda ficaram para trás?
Arctic monkeys novo
Foto: Zackery Michael

Em “Como Nossos Pais”, canção escrita por Belchior e imortalizada na voz de Elis Regina, o verso “É você que ama o passado e que não vê / Que o novo sempre vem” é uma verdade imutável, no entanto, fica o questionamento: o novo é realmente bom a ponto de nos fazer superar o saudosismo do passado?

No último dia 29 de agosto, o Arctic Monkeys lançou o single “There’d Better Be A Mirrorball”, do novo álbum do grupo, ‘The Car‘, que será lançado dia 21 de outubro. 

Como era de se esperar, há grandes expectativas para o sucessor do controverso ‘Tranquility Base Hotel & Casino, de 2018. E ao ouvir o single e conferir as reações dos fãs da banda nas redes sociais, existiam dois comentários recorrentes:

A primeira é que o single expressa maturidade e que soa como uma evoluição aprimorada do álbum anterior. A segunda, e já confirmada pelos próprios membros da banda, é que o quarteto nunca mais soará como nos álbuns anteriores. 

Indie x Mainstream

O ‘AM’, 5º álbum da banda, lançado em 2013, foi não só um divisor de águas para o grupo, mas um marco na indústria como um todo. Com uma tour que durou mais de um ano e meio e que curiosamente terminou no Brasil, o quarteto se consolidou como uma das maiores bandas de rock em atividade. Além da sonoridade, visual e estilo totalmente diferente do que já tinha sido feito pelos britânicos até então, o álbum catapultou a banda para o estrelato, levando a então banda indie ao patamar de rockstars. 

Em abril de 2018, pegando todo mundo desprevenido, o grupo anunciou o início da nova era. Sem jaquetas de couro, sem Alex Turner incorporando a persona de rockstar, sem riffs emblemáticos e sem a essência sedutora do álbum anterior, a era seguinte foi um grande balde de água fria em quem esperava um sucessor ainda mais grandioso quanto o AM foi. 

O ‘Tranquility Base Hotel & Casino’ é uma experiência etérea, honesta, pé no chão, experimental e com o perdão da palavra, levemente monótona. São 40 minutos de um álbum que é um mergulho profundo na cabeça de um resignado Alex Turner e que podem ser interpretados como um amadurecimento já esperado do grupo ou como uma tentativa de desviar os holofotes não tão desejados. 

Independentemente de qual tenha sido a intenção do grupo ao lançar um álbum tão diferente do sucesso comercial e de crítica como o ‘AM’, a verdade é uma só: o Arctic Monkeys já era extremamente mainstream e isso, aparentemente, não poderia ser mudado. Soa como uma mensagem do tipo: “Se vocês realmente gostam de nós, vão ter que gostar disso aqui também”. Se a ideia era testar a lealdade dos fãs, funcionou, já que a fanbase da banda é polarizada entre quem gosta e quem não gosta do grupo pós a era AM. 

A tentativa do grupo de refinar a audiência se provou ainda mais concreta com o lançamento do não só single, mas faixa de abertura do álbum. E analisando a canção e fazendo uma talvez não tão justa comparação com os trabalhos anteriores da banda, fica mais um questionamento: além da mudança sonora, os britânicos estão entregando trabalhos menos impactantes?

It’s the beggining of the end

Bandas que já alcançaram – quase – tudo tem um histórico de ficarem mais relapsos com apresentações e até mesmo com suas obras. Não é novidade que o Arctic Monkeys tem feito apresentações mais mornas desde o fim da tour AM e a última passagem do grupo pelo Brasil (no Lollapalooza 2019) é uma imagem perfeita de uma banda levemente exasperada e que já não se deixa impressionar por multidões calorosas, como acontece sempre em shows internacionais no país. 

Voltando ao tópico anterior, a faixa de abertura de ‘The Car’ será “There’d Better Be a Mirrorball”, um single reflexivo e que pouco conversa com o restante da discografia da banda, até mesmo do álbum anterior, que já tem uma abordagem mais pacata do que os outros álbuns do quarteto.

Fazendo uma rápida retrospectiva na discografia da banda, o debut, Whatever People Say I Am, That’s What I’m Not, de 2006, começa com a explosiva “The View From The Afternoon“, que é definitivamente um statement do que a banda veio e o que se propõe a fazer. Lançado no ano seguinte, o ‘Favourite Worst Nightmare’ tem uma faixa de abertura ainda mais potente. “Brianstorm” tem tudo o que um bom hino de indie rock precisa ter: uma melodia cantável, uma letra forte e ser capaz de colocar multidões para dançar. Check. 

My Propeller”, faixa de abertura do amado ‘Humbug’, de 2009, não é tão enérgica quanto as anteriores, mas traz uma novidade bem vinda. É envolvente, rica melodicamente, ligeiramente sexy e mostra um amadurecimento nítido do grupo como compositores. Em ‘Suck It And See’, de 2011, a tarefa de abrir o álbum ficou com “She’s Thunderstorms”, que é menos marcante do que as mencionadas anteriormente, mas orna com o álbum como um todo. “Do I Wanna Know?” dispensa apresentações. Quem nunca cantarolou a melodia da canção também muito responsável pelo sucesso do já citado ‘AM’ que atire a primeira pedra. E até mesmo o “Star Treatment” de ‘Tranquility Base Hotel & Casino’ apresenta uma faixa de abertura atrativa e marcante, convidando o ouvinte a ficar e ouvir o quase acalanto de Alex Turner.

O histórico da banda fala por si mesmo. O “pé na porta” na abertura dos álbuns sempre foi uma marca da banda e agora isso parece ter sido substituído por um convite polido para uma xícara de chá. Isso não significa que ‘The Car’ será ruim ou pior que seu antecessor, no entanto, os sinais claros que o grupo vem dando durante sua turnê atual indica que a fase caótica do quarteto ficou para trás. 

E antes que isso seja apontado, é claro que bandas podem mudar de estilo. Algumas tem mais êxito nessa tarefa do que outras e talvez ainda seja cedo para declarar se essa tentativa do quarteto foi ou não bem sucedida, mas é seguro afirmar que nem toda mudança é positiva e talvez esse seja o caso de uma das maiores bandas – de rock? O que é o Arctic Monkeys hoje? – em atividade das últimas quase duas décadas. 

O quarteto é headliner da primeira edição do Primavera Sound em terras brasileiras e tem uma outra apresentação confirmada no Rio de Janeiro em novembro. Na data das apresentações, o novo álbum da banda  já estará na ponta da língua dos brasileiros e a reação do público, será, sem dúvidas, um termômetro preciso para atestar o sucesso dos britânicos nessa nova empreitada.

Respondendo a questão levantada no início do texto com um comentário do próprio Alex Turner; o rock não vai embora. Ele pode hibernar, de tempos em tempos e afundar no fundo do pântano. Isso faz parte da natureza cíclica ao qual o rock pertence. Mas ele está sempre lá, pronto para voltar e entrar quebrando o teto de vidro. E soando melhor do que nunca. Esse rock que parece desaparecer às vezes, mas que nunca vai morrer. 

Seja esse o caso ou não, ‘The Car’ virá ao mundo dia 21 de outubro e a esperança que fica é que a quase profecia de Turner se cumpra e o Arctic Monkeys volte pronto para quebrar o teto de vidro. E esperamos que soando melhor do que nunca.

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