Resultado de uma longa trajetória musical, a banda godofredo, de Belo Horizonte, traz em seu primeiro álbum de estúdio Arquivos Vol. 3 uma jornada pessoal e memorialista, universal e cheia de referências. Com 10 faixas que se equilibram numa linha tênue de nostalgia e contemporaneidade, o grupo aposta seu som no gênero “indie lo-fi”, ao mesmo tempo que pavimenta um espaço na cena musical mineira.
O trabalho já está disponível nas principais plataformas de streaming de música, através do selo Salitre Records e foi antecipado pelo single O Mar, que também conta com um videoclipe. Produto da vivência de Vinicius Cabral (guitarra e vocais) no Rio de Janeiro, a faixa é uma das duas únicas composições prévias à existência do projeto, junto à Reações Violentas.
“O Mar é uma das primeiras músicas fora do momento atual, ela é de 2010, mas tinha uma letra completamente diferente — mais paz e amor, bossa nova… toda uma linha de influência que eu tinha de Erasmo Carlos”, revela Vinicius em entrevista ao ROCKNBOLD, pontuando que Arquivos Vol. 3 é muito marcado pela influência de Erasmo Carlos, principalmente na lírica. “Na hora de gravar, eu pensei que era uma composição antiga. 2020 a gente está no meio do inferno, aí eu refiz dois ou três dias antes de ir para o estúdio.”
O Mar, inclusive, possui a letra original riscada no encarte físico do álbum da godofredo. De acordo com a banda, essa mudança foi necessária justamente para “atualizar” a letra “para um momento que não é paz e amor”, revela Vinicius. “É um disco que a gente está apático, mas precisamos criar uma força de coletivo. O Mar é romântico, nostálgico, [vem] das esquinas de Ipanema, mas que hoje têm cheiro de inseticida num Rio de Janeiro genocida.”
Essa reimaginação das composições (que também afetou o single Reações Violentas), é o que faz o primeiro álbum da godofredo se chamar Arquivos. “Tava engavetado e não tinha sido gravada de uma forma legal, sabe? A partir desse disco a gente pode entrar em outras ondas que incorporem mais a identidade do André (guitarras, backing vocals, sintetizadores) e do Matheus (baixos) que deixaram a marca nesse trabalho.”
Em um momento tão complexo como o atual, Arquivos se oferece crítico, com letras inquietas que passeiam por reflexões individuais masculinas, de insegurança, política e utopias para um novo momento. A primeira faixa é Medo, enquantoo trabalho termina com Calma, encerrando uma trajetória de conflitos e anseio por um mundo diferente, definitivamente liberto das estruturas apodrecidas governamentais.
“O projeto começou em 2019 e a gente queria lançar o disco logo em 2020. Foi um processo longo de gravação, esperando o tempo certo das músicas estarem prontas e gravadas. Deu uma atrasada, quando o disco já tava mixado, a quarentena já tinha entrado em vigor”, relata Vinicius. “Foi muito desafiador pensar numa data, em março pensamos em julho e quando chegou julho tava na mesma loucura, aí acabamos lançando só em outubro [do ano passado].”
“Foram quase nove meses de gestação só com o álbum pronto, foi meio angustiante e o disco traz um pouco disso. Acabou casando com o momento, então foi bom no fim das contas”, finaliza.
Arquivos Vol. 3 ainda traz esse quê caseiro em sua identidade visual e produção. A gravação foi toda realizada no apartamento do músico, onde mora com Bárbara (sua esposa e parceira criativa), Clara (a filha), Mogwai (o gato) e Mafalda (a cachorrinha, que ganha uma canção no álbum). Essa atmosfera permeou o processo de escrita, e desenvolvimento de arranjos, entre pausas construtivas para cafezinhos e plays em discos do acervo da casa.
O clima íntimo do disco é refletido em sua própria capa, feita a partir de fotografia análogica de Gabi Fausto, porque, de acordo com a banda “o disco foi concebido nesse ambiente”, relatam os integrantes. ”O dia de tirar a foto da capa foi a última vez que eu saí de casa”, brinca André, também em entrevista. “O álbum foi sendo composto na ordem da tracklist, aí eu ouvi e achei incrível. Eu tentei colocar minha cara [no disco], os sintetizadores são samples de videogames dos anos 90 que adiciona também essa questão de nostálgico.”
Arquivos Vol. 3 ainda conta com o lado artístico de Vinicius Cabral, que é artista plástico. “Arquivos é o nome de uma série que eu tava produzindo com pinturas, desenhos e colagens. Algumas dessas artes acabaram virando material da banda [faixas 37 e Rojava]”, revela.
Futuro
Quando questionados sobre planos futuros, a banda é unânime em sua resposta: shows. “Já temos cinco músicas prontas para um próximo disco, mas é aquela história, o disco tá recém-lançado, foi em outubro, parece que faz cinco anos e ainda não deu pra gastar”, revela Vinicius.“A godofredo é uma banda muito real, a gente nunca tinha tocado junto e fez um show profissional no início do ano. Somos de carne e osso, e esses tempos de pandemia estão difíceis, porque a gente queria ter um contato do público, mas o nosso principal desejo é tocar ao vivo”, finalizam.
Ouça Arquivos Vol. 3: