saudade e o escapismo do caos em “jardim entre ouvidos”

Em seu primeiro álbum, Saulo Von Seehausen, sob o projeto saudade, convida o público a viajar ao interior de si, explorando microuniversos a cada faixa.

2020 foi um ano atípico que acabou afetando todos os setores da economia, mas sobretudo o do entretenimento. No ramo musical, os artistas se viram diante do dilema de lançar seus álbuns e singles no meio do período da pandemia de COVID-19 e correr o risco da recepção esfriar até o momento pós-vacina ou esperar os meses passarem, arriscando uma perda de timing irrecuperável. 

Mas há também quem conseguiu aproveitar o período de isolamento criativamente, como foi o caso de folklore, último lançamento de Taylor Swift que foi considerado por muitos fãs e parte da crítica especializada de “álbum de quarentena”, pelo ritmo suave e ambientação íntima, destinada justamente para quem procura um pouco de conforto nesses dias tão difíceis.

No Brasil, o cantor Saulo von Seehausen, sob o projeto solo de nome artístico saudade, resolveu apostar todas as suas fichas numa nova fase para seu álbum de estreia. Embora 2020 não seja um ano para se arriscar, jardim entre ouvidos, de 9 faixas, pode ser considerado um dos melhores acertos da música nacional do ano, principalmente por se tratar de um primeiro trabalho.

Composto durante uma espécie de “quarentena pessoal”, como o cantor descreve, ou seja, um período em que, após uma lesão, o fez cumprir repouso em casa durante quase 60 dias, jardim entre ouvidos é a rede de escapismo certa para o caos que foi o ano de 2020, principalmente agora com uma segunda onda de COVID-19 sendo tratada como um fato por muitos pesquisadores. 

O trabalho foi inspirado no polêmico quadro tríptico O Jardim das Delícias Terrenas, do holandês Hieronymus Bosch. A arte é uma das mais difíceis de serem lidas no mundo das artes plásticas do último século, retratando o delírio infernal a partir da criação do mundo, viajando pelo paraíso, as trevas e dividindo opiniões de diversos intérpretes.

Bebendo dessa água de multi-interpretações, saudade pautou seu primeiro álbum de ponta a ponta a partir do quadro de Hieronymus Bosch. Cada canção mergulha num universo particular que podem muito bem dar a sensação da tão falada epifania, nos textos de Clarice Lispector. Ideal para ouvir com fones de ouvido, Saulo von Seehausen convida os fãs para uma viagem para o interior de seu próprio ser, sem precisar dar um passo sequer, logo no primeiro verso da primeira faixa que dá nome ao disco, “tento estar presente nos momentos // mas me ausento porque vou para dentro de mim demais”. 

Em uma experiência que se assemelha a ouvir uma conversa por trás da porta, saudade traz em 26 minutos a oportunidade de um autoconhecimento de quem quer que esteja escutando, abrindo uma porta de fuga para todo o negacionismo e incertezas que pipocam nos tempos atuais. “Tem muito a ver com uma descoberta minha no meio do caminho”, declarou Saulo em entrevista exclusiva ao ROCKNBOLD.

“Espero que as músicas sirvam de alento e de fuga quando for essa a necessidade para esse mundo interno que é a proposta do disco”, afirma o cantor.

Saulo Von Seehausen é saudade (Imagem: Divulgação)

Inspirações na MPB

Embora saudade tenha uma identidade própria no beat, jardim entre ouvidos foi uma oportunidade para o cantor arriscar-se em outros estilos, mas sobretudo colher inspirações na Música Popular Brasileira, como nas faixas cabeça ruim e jantaradois.

“Esse álbum é a trilha sonora do meu mergulho na música brasileira”, conta. “Eu fui ouvindo e descobrindo mais do que eu tinha pouco contato até dois ou três anos atrás por contextos bizarros.”

Single de 26 minutos

“Foi uma decisão minha por duas coisas”, explica Saulo referindo-se à duração de 26 minutos de jardim entre ouvidos. “Na época da produção o trajeto que eu fazia pro trabalho durava 24 minutos, eu escutava um disco que era o tempo certo desse caminho, então pensei em fazer um disco curto para as pessoas ouvirem inteiro no trajeto diário.”

Além disso, jardim entre ouvidos é um disco para ser ouvido em loop, em que o público não sentirá o tempo passar, seja pela viagem interior ou pela leveza que cada uma das faixas podem trazer. E, por isso, Saulo pensou detalhadamente em emendar uma música na outra, conectando inclusive a última faixa com a primeira. “São vários momentos e lugares diferentes que funcionam sozinhos e inteiros numa só reprodução”, conta.

Clipes e campanha de divulgação

“Tem a ver com isso da busca de um lugar interno que seja onde você encontre e tenha uma metáfora muito forte”, explica saudade sobre todo o conceito pensado para o lançamento de jardim entre ouvidos, que encerra uma Era de sua carreira e inicia outra totalmente diferente, tanto nas fotos de divulgação quanto na paleta de cores quanto no material audiovisual.

O conceito de aquário, que Saulo escolheu para inspirar o trabalho, traz a reflexão de um momento da vida que seja um desafio psicológico, oferecendo duas maneiras de se lidar com a situação em questão. “Você aceita o sentimento ou se entrega àquilo. Eu gosto dessa metáfora, você pode simplesmente carregar o aquário no colo, como um peso ou enfiar a cabeça nele e se tornar parte dele”, explica.

Essa metáfora inclusive roteiriza o clipe de segue o vento, que será lançado em breve.

jardim entre ouvidos já está disponível (Imagem: Divulgação)

Pós-pandemia

“Está ainda muito no mundo das ideias”, brinca o cantor sobre os planos para o período pós-vacina. “São dois objetivos principais pra mim: primeiro, fazer uma session do disco na íntegra, tocando as músicas ao vivo e mostrando pra galera como será essa experiência em show, e logo depois a turnê. “A música tem essa coisa única na arte, é óbvio que qualquer arte muda de acordo com as interpretações. Mas a música ainda tem o terceiro viés que é a performance ao vivo, então torna-se uma terceira coisa”, adianta saudade para os shows ao vivo.

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