A angústia dançante do Twenty One Pilots em ‘Scaled and Icy’

Explorando sonoridades oitentistas sem deixar de lado as próprias origens, duo de Ohio entrega em seu sexto álbum de estúdio uma nova, leve e angustiante perspectiva
Explorando sonoridades oitentistas sem deixar de lado as próprias origens, duo de Ohio entrega em seu sexto álbum de estúdio uma nova, leve e angustiante perspectiva

É difícil encontrar bandas no mundo, hoje, que conectam e criam certa relação íntima com os fãs através das letras e da versatilidade musical como o Twenty One Pilots. Com uma carreira extremamente sólida e sempre encontrando novas vertentes no som sem deixar de lado as características mensagens fortes e certeiras relacionadas a problemas emocionais e psicológicos (como ansiedade e depressão), desde o início, no debut homônimo de 2009, Tyler Joseph e Josh Dun conquistaram uma legião de seguidores, muito pela paixão que colocam nas tracks. Essa verdade na arte do duo é tão factual e construída através da representação de parte “desajustada” do público jovem que não se adapta aos padrões e estereótipos quadrados da geração millennial que para representar o que eles realmente gostariam de dizer ao público foram criados conceitos por trás dos discos que por vezes apresentam ambientações e personagens/alter egos ficcionais.

Crescendo e amadurecendo junto a parte da geração Z, a dupla de Ohio alcançou o ápice mundial após lançar dois grandes álbuns em sequência: Vessel (2013) e Blurryface (2015). Entretanto, muito além das letras poderosas, a parte técnica e instrumental dos rapazes passou por mudanças constantes, entregando em 2018 Trench, que os mostra ainda mais compromissados com questões acerca de saúde mental, mas com abordagens mais amadurecidas priorizando o diálogo com o próprio público. Todo o caminho tomado foi calculado, é verdade, mas há algo abstrato por trás das produções de Tyler e Josh que fazem com que o ouvinte sempre fique com uma pulga atrás da orelha: “há algo aqui além da superfície?”.

Agora, em 2021, o Twenty One Pilots lançou o tão aguardado sexto álbum de estúdio da carreira, Scaled and Icy, que, segundo Tyler, apresentam faixas ao público que demonstram “brilho” e “cores” com letras que mantém a abordagem lírica dos discos anteriores da dupla. O trabalho foi gravado durante a pandemia e, por mais que não seja diretamente ligado a situação atual do mundo, apresenta um frontman otimista com o que se pode ser da sociedade como um todo pós COVID 19. Talvez a esperança da melhora coletiva em um lugar cada vez mais polarizado e deturpado, entretanto, tenha como fonte principal o nascimento da primeira filha de Tyler, há um pouco mais de um ano.

Foto: Divulgação/Twenty One Pilots

Na tentativa de mais uma vez renovar a própria sonoridade sem perder a essência, o Twenty One Pilots consegue um excelente produto final. Logo de cara, “Good Day” abre o trabalho com seu power-pop, destacando um piano característico da banda a lá as baladas mais acústicas do McFly. Em seguida, “Choker” entra na prateleira de músicas que aparentam ser felizes por conta de como soam mas que, na verdade, possuem mensagens bem profundas, passeando por situações e traumas particulares da vida e como essas experiências causam certa “asfixia” (choker) no ser humano, quase como o que Paramore fez em 2017 ao lançar After Laughter. Há nesta track também algumas frases de autoajuda para não soar tão melancólico assim, característica dos recentes trabalhos duo.

Primeiro single do álbum, “Shy Away” escapa um pouco das duas primeiras faixas e foca em algo mais voltado ao synth e indiepop, veloz e dançante, com uma bateria carro-chefe que dita o tempo da faixa e uma guitarra elétrica que virou marca garantida dessa nova era. Além disso, a letra é positiva do início ao fim, encorajando o ouvinte a não ter medo de ser ambicioso e buscar seus desejos. “The Outside“, uma das melhores do álbum, soa como uma b-side perdida de Vessel, com muitos elementos eletrônicos característicos da época e rap de Tyler se destacando, além das pausas nas partes mais melódicas. Os synths de background fazem com que o ouvinte imagine que essa canção poderia facilmente ser a soundtrack perfeita de fenômenos pop culturais, como a série Stranger Things, que se passa nos anos 80. Há uma pitada da jovialidade oitentista nas guitarras groovadas que ganham destaque acima dos sintetizadores, similar com o que bandas e artistas alternativos vem fazendo já há alguns anos, algo que também foi visto em Random Access Memories de Daft Punk com Pharrell e Nile Rodgers, por exemplo. 10/10.

Os embalos de sábado a noite continuam em “Saturday“, mais uma faixa com um groove extremamente dançante e que te convida para refletir enquanto vai de um lado ao outro. “Never Take It” é, sem dúvidas, um dos destaques do disco. Cativante e que, sem dúvidas, foi feita para ser cantada usando o máximo dos seus pulmões. Uma guitarra muito presente, com direito até a um solo de deixar qualquer fã boquiaberto pela ousadia de Tyler, principalmente. Um típico hino alternativo, inclusive.

Em “Mulberry Street“, o TOP bota as mangas de fora trazendo uma vibe meio anos 70 e 80 com influências diretas de Elton John, que desperta a vontade no ouvinte de se cantar andando pelas ruas, misturando pianos e trompetes em uma ambientação gostosa de escutar. Enquanto a angústia dançante retorna em “Formidable“, “Bounce Man” bate na tecla de não se preocupar com o que está ao seu redor e apenas ser feliz (quem dera fosse tão fácil assim, né?).

Por fim, duas faixas que mudam completamente o rumo do álbum estava caminhando. “No Chances” e “Redecorate” embarcam em algo mais obscuro, trazendo de volta a vibe que o disco antecessor, Trench, tanto mostrou, com uma construção mais focada no hip hop e instrumental denso, mas levando a um refrão carinhoso e melódico, além de toda uma ambientação e história que podem nos levar a realmente nos lembrar do grande trabalho de storytelling realizado no álbum de 2018. Para fecharem o disco e criarem duas tracks como essas, Tyler e Josh parecem ter escutado em loop Watching Movies with the Sound Off, do eterno Mac Miller, lançado em 2013.

Contudo, Scaled and Icy não vai agradar todos os públicos muito por, talvez, não entregar faixas poderosas a termos midiáticos como “Jumpsuit” em Trench, “Stressed Out” em Blurryface ou “Holding On To You” em Vessel, ainda que explore sonoridades comerciais e mais dançantes. A versatilidade instrumental em termos técnicos, porém, além de inspirações em ritmos dos anos 70 e 80 e as letras até mais positivas do que normalmente são, apresentam um trabalho de altíssimo nível mais uma vez da dupla, com uma produção quase irretocável. Pontos muito positivos conquistados através da mixagem e da masterização, inclusive.

Diferente dos últimos dois trabalhos, este não é um álbum conceitual. Não há aqui, pelo menos no first listen, algo para se prestar atenção além do que o duo realmente quer mostrar. Entretanto, a pergunta para o futuro é uma só: os artistas seguiram uma ideia como antigamente ou simplesmente se entregaram ao conforto de fazerem o que mais lhes agrada no momento? A mudança para algo menos “destrutivo” e mais “construtivo” pode mostrar o início de uma nova caminhada para a dupla, tendo em vista que a pandemia aparenta ter criado essa ideia de novos ares na cabeça de ambos os artistas.

Independente disso tudo, a verdade incontestável é que Tyler Joseph e Josh Dun permanecem como donos de um cenário que eles mesmos criaram, que ainda que possua algumas falhas ou soe sonoramente vazio de vez em quando, é um dos maiores destaques da indústria fonográfica nos últimos quase dez anos. Depois de tanto tempo produzindo trabalhos priorizando traumas e situações angustiantes da vida, parece que dessa vez o Twenty One Pilots tem muito a dizer enxergando a existência com mais leveza, sem soar muito compromissado, entregando muito além de frases de autoajuda ou contos acerca de situações comuns vividas pelas gerações millennial e Z: o sentimento esperançoso de dias melhores no que parece soar como um dos períodos mais sombrios da humanidade. É nessa sensação contraposta dos dias atuais que o duo obtém destaque, mais uma vez, tirando o ouvinte da zona de conforto, o oferecendo uma nova perspectiva acerca de sua própria realidade.

Melhores faixas: “Shy Away“, “The Outside“, “Never Take It“, “Mulberry Street“, “No Chances” e “Redecorate“.

9/10
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