EDITORIAL: Limitar o emo ao underground é elitista e não ajuda a ‘cena’

A origem do emotional hardcore deve ser respeitada, mas o debate sobre o ‘midwest emo’ deve ser inclusivo e levar em consideração a experiência daqueles que estão fora da cena

Nos últimos dias, uma nova discussão ganhou as redes sociais e causou polêmica ao colocar uma régua em um dos gêneros musicais mais carismáticos e crucificados dentro do rock. Afinal de contas, quem no fim dos anos 2000 não foi julgado ao consumir algo que se relacionasse de alguma forma com um transgressivo movimento conhecido como emo, que tomava espaço nas rádios através de letras apaixonadas e melancólicas que se envolviam com riffs de guitarra? Na TV, o gênero foi marcado pelo visual pesado de maquiagens escuras, franjas, roupas e dialeto que desafiavam padrões do modus operandi social, e conquistava multidões na cena nacional e internacional com uma boa dose de atitude. Seja por sua criatividade e rebeldia sonora ou por críticas recheadas de julgamentos de todos os lados, o movimento ganhou o imaginário brasileiro, notoriedade em território nacional e marcou uma geração por sua popularidade estrondosa que mobilizava adolescentes apaixonados.

No âmbito musical, as letras apaixonadas que falavam constantemente sobre desilusões amorosas, frustrações e tristezas que eram tão comuns durante a adolescência tiveram o importante papel de levantar o debate sobre depressão e bem estar psicológico nas redes sociais, e de certa forma, ajudaram a quebrar um pouco do tabu que uma sociedade tradicional tinha acerca da saúde mental de crianças e adolescentes. O movimento ainda ganhou “variantes” específicas que se espalharam na cultura popular da época como fogo em palheiro, e em pouco tempo, bandas como NX Zero, Fresno, Strike e Hateen, que lutavam para consolidar seu espaço de autenticidade no rock nacional, ganharam a companhia de bandas como Restart, Cine, Hevo84, Fake Number, entre outras que faziam barulho na internet, e aos poucos conquistavam seu espaço no rádio e TV. Naquela mesma época, Paramore, Simple Plan, Panic! At The Disco, Fall Out Boy e My Chemical Romance consolidavam ainda mais a música no âmbito internacional. Assim o emocore tomou forma como algo meio confuso que misturava diversas influências entre o pop punk, harcore, grunge e o chamado ‘happy rock’, que naturalmente não era visto com bons olhos pelo “rock de verdade”, e por isso ninguém admitia que era emo. Fazia parte de ser emo negar que era emo.

Em determinado momento, a febre arrebatadora do gênero chegou ao fim para uma boa parte do público que consumia o movimento no Brasil no fim dos anos 2000, e o emo se tornou uma lembrança afetiva na juventude de quem se informava sobre música através da MTV e Mix TV, e como tudo é rotativo e passageiro dentro da indústria capitalista do entretenimento, novas tendências embalaram a juventude do país. Entretanto, a chama do emo se manteve acessa para os emuxos mais calorosos, dedicados e apaixonados que não limitavam seu leque de sons ao que estava na TV e no rádio, e as discussões, lançamentos de novas bandas e novidades sobre a cena seguiram no meio underground por todos anos seguintes a 2010, quando cerca de apenas 21% das famílias brasileiras possuíam acesso à internet e as discussões mais profundas sobre bandas ficavam limitadas às redes sociais – Orkut, MySpace, Facebook e Tumblr.

A discussão sobre a morte ou não do emo se tornou divergente entre diferentes públicos ao longo dos anos seguintes a 2010. Para aqueles que conheciam as origens do movimento, que surgiu em meados de 1990 a partir do emotional hardcore, post hardcore, metalcore e pop punk, o emo nunca deixou de existir, e as bandas menos prestigiadas pelo mainstream, que continuaram alimentando essa base de apaixonados pelo som intenso, nunca morreram. Há ainda aqueles que contestam o saber de que bandas consagradas pelo mainstream antes de 2010, com My Chemical Romance e Paramore, sejam emo de fato, delimitando o movimento à uma sonoridade muito especifica e técnica do rock norte-americano, colocando a discussão sobre “real emo” em um patamar que exclui quem um dia apreciou o emo mainstrem, como a Mariana da Silva, de 25 anos, que conheceu Paramore no Acesso MTV, e nos anos seguintes passou a consumir outros gêneros populares no Brasil, como sertanejo, pop e funk.

Para a Mariana, o emo talvez tenha morrido quando bandas como Restart e NX Zero deixaram de ser tão populares e seu consumo de entretenimento deu lugar para outros artistas e ritmos musicais, mas continua na lembrança afetiva de um antigo romance de escola toda vez que o aleatório do Spotify a traz hits como “Helena” ou “Misery Business“. Talvez a Mariana nunca tenha ouvido bandas como Mineral, Jawbreaker ou American Football, e se ela tem na memória o saber de que Paramore é emo, quem somos nós para construir uma cerca dentro da música e dizer que não é? O Brasil é um país preconceituoso, elitista e racista em âmbitos políticos e sociais, e isso está presente também na cultura discriminatória que aponta o dedo para o funk e diz que não é cultura, no elitismo de apontar o dedo para a música erudita, blues, MPB ou o rock clássico e classificar como “música de verdade”. Por que precisamos desse debate elitista e discriminatório em um gênero que foi tão discriminado quando esteve em evidência?

Fica claro para todos os envolvidos no debate o fato de que alguns viveram o que nunca foi “só uma fase” mais do que os outros, e que a cena é tomada por artistas talentosos que alimentam o meio underground e talvez nunca venham conquistar a notoriedade de tocar no Domingão do Faustão como nomes renomados no mainstream. Fortalecer esta cena é necessário, mas não é obrigatório, e sinto muito em ter que enfatizar a realidade de que o debate cultural no Brasil vai muito além de uma bolha que se vê como superior por consumir o chamado ‘real emo’ de bandas pouco conhecidas, enquanto 24,5 milhões de brasileiros vivem com até 1/4 do salário mínimo e pouquíssimo acesso à cultura além dos canais abertos de televisão.

Ainda sim, a sensação de pertencimento é ótima, principalmente quando está atrelada ao sentimento de exclusividade, como estar em um clube secreto e restrito à um nicho pequeno na internet, onde todo mundo se compreende, se apoia, vive e se mantém unido através de seus hábitos de consumo cultural para apoiar artistas menores que mantém a chama da cena acessa, e está tudo bem em relação a isso. Às vezes, as pessoas fora dessa bolha não querem ou não têm tempo para pertencer a este grupo, mergulhar de cabeça nesta cultura ou ouvir balelas sobre ‘real emo’, e só querem escutar My Chemical Romance em paz. No fim das contas, a lembrança popular da massa prevalece acima da história.

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