St. Vincent e sua aventura setentista em ‘Daddy’s Home’

St. Vincent Daddy's Home

Annie Clark é conhecida pelas personas que traz em cada obra nova, com sonoridades distintas e temas variados nas canções. Nesse sentido, em Daddy’s Home , St. Vincent faz um tributo aos anos 70 de uma forma que somente a cantora conseguiria entregar ao público.

Primeiramente, conhecemos um pouco da estética de sua nova era em 2 de março, já com seu novo cabelo, um vídeo em tom mais esverdeado. O som é basicamente um interlúdio ao fundo com o som do toque do telefone, quando finalmente atende, a voz masculina do outro lado apenas responde “Hello, Annie”.

Primeiros clipes

Em 4 de março, Pay Your Way In Pain teve seu clipe divulgado, confirmando sua era setentista através da sonoridade, mas também das imagens do clipe, remetendo as apresentações de programas de auditório por músicos da época, comumente usando efeitos e filtros, inclusive os semelhantas a Soul Train para criar essa atmosfera da música. A música traz o uso de sintetizadores, distorções vocais que dão o toque moderno na composição, mesmo com locais comuns da guitarra na década escolhida. A letra já começa a falar sobre família, um dos temas centrais e também abre o álbum.

The Melting Of The Sun teve seu vídeo da letra divulgado no dia primeiro de abril e no dia 7 seu clipe oficial. Ocasionalmente, Annie inclui backing vocals com tom gospel, como no caso dessa faixa. Simultaneamente canta sobre as mulheres da música que vieram antes dela, um tributo à força feminina e também aparece com o papel de musa no clipe. Do mesmo modo que faz referências á Nina Simone “Mississipi Goddam”, inclui o tom progressivo do Pink Floyd, sem abandonar o psicodélico. A música não deixa de ser um encorajamento para as mulheres que serão o futuro do rock, principalmente após o Grammy de 2021, onde em “Best Rock Performance” apenas mulheres foram indicadas na categoria.

Down chegou em 10 de maio, quatro dias antes da estreia do álbum. A ambiência do clipe é no local divulgado no primeiro vídeo, em 2 de março. As imagens mostram a investigação da persona, ouvindo através das paredes com um copo, revirando quartos, intercalando com seu rosto cantando e também filtros remetendo filme antigo, similarmente encaixa ruídos visuais remetendo ao uso das câmeras analógicas nas imagens do clipe. A música em si apresenta o groove perfeito, tornando-a um carro-chefe pop do seu álbum. Apresenta também um amálgama de estilos que vai desde a psicodelia já clássica do projeto, o backing vocal expressivo e a guitarra havaiana em alguns momentos.

Daddy’s Home

Finalmente o álbum veio ao público em 14 de maio e conseguimos compreender o novo universo que Annie desenvolveu. A artista é conhecida por ser camaleônica, assim como David Bowie, entregando-se completamente em cada novo trabalho. O apelo comercial de Daddy’s Home vem da familiaridade com a sonoridade dos anos 70, onde suas referências ficaram em grandes nomes da década, principalmente no meio dela. O toque inusitado e experimental veio da abertura da cantora em falar sobre sua pessoa com sua persona, não necessariamente dissociando Annie Clark de St. Vincent.

O glamour da década de 70 não somente se resume apenas ao figurino, mas também a sofisticação do lirismo das faixas. Os interlúdios quebram o álbum em momentos quase distintos. A primeira parte possui cinco músicas, Pay Your Way In Pain abre de forma instigante. As músicas seguem em uma psicodelia lenta, construída ao longo de cada faixa. O recurso do backing vocal tradicionalmente utilizado no gospel com reverberação dá a sensação entre sonho e realidade: aquilo que o ser anseia e aquilo que lhe é permitido viver.

O rock progressivo é adicionado também, como uma transição entre o final dos anos sessenta e o início dos anos setenta: o fim do Flower Power e a descoberta de novas sonoridades através da união dos gêneros mais relevantes da época. O interlúdio que encerra a primeira parte é como um disco tocando ao fundo, que logo diminui de intensidade até sumir.

St. Vincent Daddy's Home

Logo após o primeiro interlúdio, temos duas músicas. Além de “Down” ser sobre os machucados do amor, The Laughing Man que a antecede é lenta e coloca um tom de crítica em si mesma, sobre uma vida de aventuras quase sem regras, comparando o amor à uma emergência. O amor é uma destruição em potencial da sua identidade , sabendo que o outro pode te deixar ou ferir, sensação confirmada na música seguinte.

Humming – Interlude 2 é extremamente curto e distorcido, tanto em vocais quanto em instrumental. As faixas seguintes são sobre o ambiente familiar, mas com uma impressão pessoal: deixar seu ego de lado para se doar à outras pessoas. A escolha entre viver sem regras, tocando guitarra e comendo alimentos pre-prontos ou crescer e lidar com situações em que não queria, mas não pode escapar de certas decisões, incluindo ter filhos ou não. Melodicamente falando, é um momento mais introvertido, onde a voz se torna protagonista, ao contrário do que estamos acostumados, que é a guitarra poderosa de Annie. O saxofone pontual apresenta o toque do Jazz e Soul, como em …At The Holiday Party e Candy Darling, que antecede o Humming – Interlude 3 com a fantasia perfeita dos anos 70, um tributo glamouroso.

A funk music que você não consegue necessariamente dançar foi apresentada ao longo do álbum. As distorções presentes em todas as melodias são como o pai estivesse de maneira subjetiva – pela familiaridade das notas e dos gêneros. A fascinação que criamos sobre a vida pessoal de um famoso contribui para Annie falar sobre seu pai. A fragilidade de estar presa ao passado no momento presente, tentando decifrar o que quer para o futuro. O conflito entre projetar uma persona e se projetar estão presentes em todo o tempo: a dualidade que implica em fazer algo pessoal mesmo com um personagem de maneira em que as linhas cruzam e descruzam a todo momento.

A vulnerabilidade em aceitar o risco de criar algo mais usual, comercial e ainda assim dar seu toque em uma década tão explorada atualmente, ela encontrou o meio termo entre a paródia do exagero nas referências e detalhes sonoros que reforçam sua genialidade. A linha tênue entre o hippie e o pré-disco foi reforçado com o Jazz, Funk e Soul, imprimindo um novo refinamento e reforçando a fantasia e misticismo sobre a década que efervesceu culturalmente. O culto aos anos setenta também é um tributo ao momento atual, em que revisitamos o passado não tão distante para criar novas realidades na atualidade.

9/10

St. Vincent Daddy’s Home St. Vincent Daddy’s Home St. Vincent Daddy’s Home St. Vincent Daddy’s Home

Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Related Posts