Gabriel Linhares da Rocha. Guarde esse nome ou simplesmente não se esqueça de Don L. O rapper cearense ganhou destaque no cenário do rap nacional em 2006, após vencer o Prêmio Hutúz com o grupo Costa Costa na categoria destaque Norte/Nordeste. Ao passo que, o grupo havia lançado a mixtape “Dinheiro, Sexo, Drogas e Violência de Costa a Costa” um ano antes.
Estranho existir uma categoria Norte/Nordeste e não uma Sul/Sudeste, né? Don L também acha, como cita no começo da canção “Fazia Sentido”. Em outras palavras, o cantor bota o dedo na ferida na xenofobia brasileira e vai muito além. Na mesma canção, critica a nova geração do rap que usa o gênero para crescer e não trouxe ninguém junto.
Assumidamente comunista, Don L não deixa passar o racismo covarde do Brasil. Nesse sentido, a trilogia “Roteiro Pra Aïnouz” propõe uma revolução: da cena do hip hop, do pensamento individualista e dos mais de 500 anos de história do Brasil. Ou seja, as canções do rapper mostram sua inconformidade e frustração com o rumo que estamos levando na fase atual do capitalismo: o neoliberalismo.
“Aïnouz” é referência ao diretor, também cearense, Karin Aïnouz. O cineasta é responsável por grandes filmes como “A Vida Invisível” com Fernanda Montenegro e “Madame Satã” com Lázaro Ramos.
Além da história que já fez no Ceará e em toda a região Nordeste, Don L avisa que é só o começo. Desde que se mudou pra São Paulo, em 2013, já realizou parcerias com grandes nomes da cena, como Marcelo D2, Rael, Black Alien, ConeCrewDiretoria, além de participação no projeto “Poetas no Topo”.
Caro Vapor / Vida e Veneno de Don L
Antes de lançar o primeiro álbum, a mixtape “Caro Vapor / Vida e Veneno de Don L”, de 2013, carrega muito do que o rapper trouxe do grupo Costa a Costa. São 17 faixas e participações de rappers como Flora Matos e Nego Gallo, além da produção de Papatinho em “No Melhor Estilo”.
Foram muitos anos de carreira para chegar até aqui. Enquanto o rap perdia sua mensagem e era deturpado, Don “estreia” com grandiosidade. Era um começo de momentos de dificuldade e crise pessoal, com tons de hedonismo.
É uma mixtape pessoal e intimista. Destaque para as canções “Morra Bem Viva Rápido”, “Depois das Três”, e “Sangue é Champanhe”.
“Ouvi de muitos rappers, de três gerações diferentes, que sou uma das principais referências das músicas deles. Todos artistas que despontavam na cena me diziam que eu era a inspiração deles. Teve gente que dizia que estava minhas rimas. E eu não era conhecido nacionalmente ainda”, contou Don em entrevista à Folha de São Paulo.
A trilogia “Roteiro Pra Aïnouz”
Roteiro Pra Aïnouz – Vol.3
O primeiro álbum de Don L veio apenas em 2017, apesar de todos os anos de experiência na cena do rap. Mas já muito ambicioso, pois dava início a trilogia que ainda não teve fim. O disco foca nas mudanças de Don L desde que deixou sua cidade Natal, Fortaleza e evolui a essência de suas canções: mudar as peças do jogo.
Em “Eu Não Te Amo”, Don questiona a nova cena do rap: muita ostentação e pouca mensagem Ainda avisa na canção seguinte: não está falando de Criolo e Emicida. Em “Aquela Fé”, um dos grandes hits da carreira, conta sua jornada pessoal para resgatar a fé e se manter no caminho que nasceu pra estar, mas sem deixar de dizer como o caminho foi controverso. Cita ainda o “Cristo de Bolsonaro” e mostra que, assim como ele, a nossa sociedade está deturpada.
Há referências a MPB, ao rock brasileiro e até o samba. O disco é inteiramente bem produzido e conta com participações pontuais e bem encaixadas. Mais do que um bom trabalho, seria o começo de algo bem maior.
Roteiro Pra Aïnouz – Vol.2
Pra muitos o melhor álbum do Brasil de 2021, em “Roteiro Pra Aïnouz, Vol. 2” mostra ainda mais versatilidade em um trabalho extramemente focado em reescrever a história do Brasil e colocar a sua revolução em prática no melhor que sabe fazer: música. Há participações de Djonga, Tasha & Tracie, Rael e outros grandes nomes.
O disco contém menções à Canudos e outros movimentos revolucionários do país e do mundo, como os de Vladimir Lenin, Carlos Marighella e Mao Tsé-Tung. Ademais, os versos repleto de palavras como “guerrilha” “canhões” e “sangue” não deixam mistérios: pra começar a mudar as coisas, é preciso deixar claro o que aconteceu com o povo de Don L durante os mais de 500 anos de Brasil.
Em “Vila Rica”, Don L volta até a antiga Ouro Preto para cobrar o quinto e colocar Jesus do lado certo. Há citações para grandes clássicos como “us mano e as mina” em “volta da vitória” e “rap das armas” em “favela venceu”. É uma obra que vai direto ao ponto, sem entrelinhas.
Com influências do funk, do soul e da MPB, as rimas de Don L ganham o auge. Agora, o rapper favorito do seu rapper favorito chega ao ápice da trilogia e nos deixa ansiosos pra conclusão, que talvez seja ainda só os pequenos capítulos de um livro muito maior.