O som invade as telas: A importância da trilha sonora no cinema

Na primeira parte do Especial Oscar 2022, vamos investigar as origens e relevância da trilha sonora na sétima arte.
Pôster do primeiro filme a ganhar o Oscar de "Melhor Trilha Sonora"
Uma Noite de Amor (1934) foi o primeiro filme a ganhar um Oscar na categoria “Melhor Trilha Sonora Original” | Image from: Heritage Auctions, HA.com

A trilha sonora não é uma exclusividade de filmes e séries. Na vida real, ainda que menos sofisticada, todo mundo ouve alguma trilha sonora diariamente: seja na forma de buzinas estressadas, canto dos pássaros, ou chuva caindo.

Mas não seria interessante poder escolher quais sons te acompanhariam durante o dia? Você já parou para pensar em qual seria a trilha sonora da sua vida? De certa forma, já escolhemos, quando decidimos trocar a cacofonia da cidade pela música favorita, que ressoa livre nos fones de ouvido.

Essa transição torna tudo um pouco mágico. Ouvir uma canção que se adequa ao estado de espírito atual dá um sentido diferente à normalidade, é como se partes de um quebra-cabeça se encaixassem, e é mais ou menos essa a ideia por trás das trilhas sonoras no cinema.

Também conhecida como banda sonora, ela visa auxiliar o espectador a compreender a história sendo contada, ajudá-lo a entender o tom da emoção que está sendo retratada. Outros elementos mais sutis como a paleta de cores, os ângulos e cortes escolhidos para uma determinada cena, e até mesmo a forma de dirigir um filme também influenciam bastante em como narrativa será recebida. Porém, são os diálogos, as músicas, e os sons de cada cena, que permitem ao espectador imergir, de fato, na realidade que está sendo apresentada.

No filme Mesmo Se Nada Der Certo, de 2014, há um diálogo muito interessante sobre o poder que a música tem em seus ouvintes, e como ela é capaz de influenciar a forma que eles encaram o mundo enquanto a escutam:

Mesmo Se Nada Der Certo (2014)

Origens e importância

Já nos primórdios da sétima arte, no século XIX, os grandes mestres do cinema mudo perceberam a importância do som em suas obras. Por isso, grandes produções convidavam orquestras inteiras para tocar durante suas sessões de cinema. Ao passo que, produções mais modestas, chamavam alguns músicos para tocarem canções ou criarem sons ao vivo, enquanto seu filme era exibido.

Em cenas de comédia, eram tocadas músicas mais agitadas. Nelas, muitas vezes, se fazia uso do clarinete, instrumento que criava no expectador a sensação do cômico e induzia ao riso. Em cenas mais tristes, eram apresentadas melodias mais lentas e longas, com predominância de piano e violino, que traziam a sobriedade e o “peso” que algumas cenas necessitavam.

Esse método de escolha, embora mais desenvolvido e evoluído, continua sendo usado até hoje. Que fã de Star Wars não lembra da “Marcha Imperial” toda vez que o vilão Darth Vader aparece? E quem não lembra da clássica performance de “Johnny B. Goode” por Michael J. Fox em De Volta Para O Futuro?

A trilha sonora engloba, no geral, todos os aspectos sonoros que existem em um filme. Desde diálogos e sons ambientes, a músicas memoráveis. Os sons ambiente (portas batendo, chaves caindo em uma mesa, dedos estalando) são gerenciados pela parte de sonoplastia. Ela é responsável por conferir maior realidade à obra.

As equipes de sonoplastia trabalham de acordo com a quantidade e intensidade dramática necessária, o que é ditado por cada cena da obra cinematográfica em questão. Já a parte de escolher quais músicas funcionarão em quais cenas, fica a cargo de um diretor musical.

A sinfonia de silêncios e luz

Mas, nem só de som vive o homem. Na verdade, ás vezes o que ele precisa é exatamente do contrário. Para criar maior impacto dramático, muitos diretores utilizam também o silêncio; que pode durar alguns segundos ou até mesmo minutos!

A psicologia por trás da falta de som é prender a atenção total do espectador de forma repentina. É incentivá-lo a refletir sobre algo que acaba de assistir, ou prepará-lo para o que vem a seguir. Geralmente, esses intervalos são seguidos por sons intensos, por vezes altos, para atingir com ainda mais precisão o efeito pretendido.

Um filme que utiliza essa técnica de forma bastante inteligente é 2001: Odisseia no Espaço. Com silêncios que duram bastante, sons impactantes, e pouquíssimas falas humanas, o longa é um verdadeiro convite à introspecção e à contemplação da evolução humana. A trilha sonora (ou a aparente “falta” dela) ganha papel importantíssimo na película, o que é observável até em seu trailer:

Sentindo pelos ouvidos

Imagens são capazes de transmitir muitos sentimentos, mas é uma boa trilha sonora que dá profundidade às cenas e emoções demonstradas. É vital que não apenas entendamos o que estamos vendo, sintamos.

Um exemplo recente que mostra a importância dos sons em uma narrativa é a trilha sonora do filme Encanto (2021). Além das letras terem ligação direta com as cenas, o instrumental de cada música complementa a ideia que a cena em questão quer passar; como na excelente (e viciante!) “We Don’t Talk About Bruno“:

Em “We Don’t Talk About Bruno“, a meta é responder à grande pergunta que o longa faz até o momento em que ela começa a tocar: “Por que os personagens não falam sobre o Bruno?“. Para quem não assistiu à animação, pode-se dizer que este é o primeiro grande arco do filme, todas as cenas até aqui visam criar um grande mistério sobre o personagem Bruno.

Contudo, ao mesmo tempo em que a faixa vem esclarecer, ela também não fornece informações muito claras e mantém o espectador na dúvida. O ouvinte é colocado no limiar entre querer saber mais sobre Bruno, e ter medo do que se pode descobrir sobre ele, já que o mesmo é descrito como um personagem, no mínimo, complexo.

We Don’t Talk About Bruno“, um exemplo prático da relevância de trilhas sonoras

Para criar uma atmosfera de curiosidade e medo, o acompanhamento sonoro de Encanto precisava ser envolvente e misterioso na dose certa. E é isso que acontece em “We Don’t Talk About Bruno“.

A faixa aposta em recursos como batidas de palma e percussão, além de técnicas vocais como o vibrato, para tornar o som cheio de vida, único, e instigar o sentimento de curiosidade no ouvinte. Para isso, os compositores se inspiram na Cúmbia, ritmo tradicional colombiano. Isso traz ainda mais coerência ao filme, já que a cultura da Colômbia é a principal inspiração do enredo.

No entanto, ao fundo, começa um gradativo som de órgão. Este começa suave, mas logo é acompanhado por sons como o de trovão, tilintar de metais, e backing vocals fantasmagóricos que lembram canções de Halloween. Tudo isso começa a criar tensão e, assim, preparar o espectador para essa atmosfera do sinistro, do desconhecido, do Bruno.

Analisando Bruno mais a fundo

Enquanto a música está tocando, a cena atinge seu clímax com a utilização de sussurros, voz rouca, além da própria letra da canção, que transportam o ouvinte à esse lugar de medo, fazendo-o sentir o quão “sinistro” é o Bruno e porquê não se deve falar nele.

Próximo aos dois minutos da faixa há um alivio na tensão, quando nela entra uma voz mais suave. E a melodia, que antes era dominada por tantos instrumentos, agora é predominantemente acústica, onde se destacam sons de violão e dedilhado de violino. Este recurso ajuda a manter o espectador indeciso: Quando se pensa que se tinha desvendado o Bruno, vem essa parte da melodia que, com sua suavidade, mostra que o personagem não faz apenas previsões ruins e talvez não seja tão maléfico assim.

Daí em diante, a sobreposição de vozes, opiniões distintas, e instrumentos segue até o final da faixa, possivelmente deixando o ouvinte e Mirabel (a personagem que perguntou sobre Bruno) mais confusos do que quando a música começou.

Mirabel tentando entender Bruno | Encanto

Assim, a mistura de elementos latinos com outros, vistos como macabros, cumpre o seu objetivo e torna a música envolvente, ao mesmo tempo em que lhe confere um ar misterioso.

Todos os elementos desta faixa, e os de todas as outras, da trilha sonora de Encanto são vitais para o andamento do filme. A atenção aos detalhes sonoros é tanta que, até nas versões do longa que são dubladas, todos os sussurros, gritos, e vozes roucas das músicas são mantidos, independentemente do idioma em que estejam sendo cantadas.

Encanto está disponível no Disney+ e concorre ao Oscar em 2022, nas categorias “Melhor Animação”, “Melhor Canção Original”, e “Melhor Trilha Sonora Original“.

Na segunda parte do Especial Oscar 2022, falaremos sobre os principais compositores e as trilhas sonoras mais intrigantes e notáveis da história do cinema.
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