Precisamos falar sobre corações partidos, evolução musical e Social Cues, do Cage The Elephant

Matt Shultz se nega a cair sem lutar

Muita coisa pode acontecer e mudar em quatro anos. Para Matt Shutz, o frotman do Cage The Elephant, foi tempo o suficiente para perder três grandes amigos e enfrentar o fim de um casamento de longa data. Quatro anos também se passaram desde o lançamento de seu até então último e aclamado álbum, “Tell Me I’m Pretty”, que rendeu à banda seu segundo Grammy Award, sendo o primeiro na categoria ‘Melhor Álbum de Rock’. Após tantas perdas, Shultz estava pronto para transformar suas dores em arte e voltar aos palcos, e assim nasceu o quinto álbum disco de estúdio da banda: “Social Cues”.

A palavra que define Social Cues é: intenso. Dados os fatos que precederam e serviram de inspiração, este também é um álbum extremamente pessoal, onde cada palavra traduz angustias, desabafos e sofrimentos de Shultz. Coração partido, ascensão e desilusão com a fama, pressões da indústria musical, medos, incertezas e revoltas. Este é um álbum que não basta ser ouvido, mas que deve ter seu conceito sombrio desvendado. Comparado aos demais trabalhos da banda, Social Cues se destaca por sua atmosfera sombria e complexidade ao abordar assuntos problemáticos. Se “Melophobia” um dia buscou a paz de mente em respostas para suas angústias, desta vez, Cage The Elephant está disposto a mergulhar cada vez mais fundo em sua escuridão, questionar suas dores e enfrentar seus demônios.

As faixas “Broken Boy”, “House of Glass” e “Social Cues” falam abertamente sobre como a industria musical sempre os viu como uma banda boazinha, forçada à viver em uma pele que não deveria habitar. Em um dos trechos, deixa claro que eles já não tem mais a intenção de “jogar limpo” e ser a banda ingênua que um dia se submeteu à situações desgastantes em nome do sucesso e aprovação. A faixa que dá nome ao álbum aborda como a fama pode ser tóxica e problemática a ponto de levar jovens artistas talentosos à morte, e como as pessoas tendem a justificar ou diminuir problemas psicológicos, pressões, alcoolismo e vícios, como se o sucesso fizesse tudo valer a pena: “Cara, pelo menos você está no rádio!”.

O Cage The Elephant nunca teve medo de inovar, experimentar e transitar entre diferentes gêneros em seu trabalho, como garage, dirty, alt e indie rock, além do grunge psicodélico, pop e eletrônica, criando uma identidade musical única. Em ‘Social Cues’, não seria diferente. A sonoridade traz todos os elementos característicos da banda, explorando também elementos do reggae em sua parceria com o cantor Beck, na faixa “Night Running”. Em entrevista recente, Matt Shultz revelou que está cansado de levar o fardo do rock n’ roll nas costas, e que a banda não está interessada na responsabilidade de manter esta chama acessa. Desta forma, Shultz não está nem um pouco preocupado com definições limitantes para sua arte.

É engraçado e meio triste realmente que as pessoas peguem um grupo musical e o definem com as palavras ‘rock and roll’, e esqueçam a versatilidade de vários instrumentistas compondo juntos. Você não precisa estar amarrado a esses limites. Estou muito animado com todo o novo software que está surgindo, todas as novas tecnologias e instrumentos e as ideias de abordagem. Estamos realmente muito animados sobre onde as coisas estão se movendo”.

Após tornar-se uma das bandas mais promissoras do rock, a vida de seu vocalista desmoronou — e eles fizeram seu melhor álbum até agora” — Rolling Stone

A leitura do álbum começa a ficar escura na faixa “Ready To Let Go”, que também teve a responsabilidade de ser o lead single certeiro para o disco. Em várias analogias sobre problemas, frustrações e medos em seu relacionamento amoroso, Matt deixa claro que está pronto para “deixar ir”. A saga de seu coração quebrado se sucede nas faixas “What I’m Becoming” e “Love is The Only Way”, onde Shultz reflete os fatos que levaram à aquela situação, busca alternativas para impedir o fim inevitável e curar as dores de seu coração: “Tem que haver um jeito. Amor é o único caminho”.

A saga de seu divórcio chega ao fim na canção “Goodbye”. Simples. Direto. Definitivo. Palavras extremamente pessoais, como um diário onde o frontman desabafa, e todas as suas angústias são traduzidas de forma simples. Shultz dá voz para seu peito gritar, enquanto sua cabeça sabe que o caminho a seguir deve ser outro. Esta é, sem dúvidas, a música mais melancólica e sombria do álbum pela forma crua que narra uma ruptura em seus detalhes, de modo sutil e sem rodeios. Simples. Direto. Definito. “Deus sabe o quanto tentamos. Adeus. Adeus. Adeus”.

É engraçado e, ao mesmo tempo, admirável, como Matt Shultz é capaz de falar e acreditar em amor com convicção, mesmo com seu coração partido. Em alguma das músicas fora da curva, como “Skin And Bones”— canção essa que tem ligação direta com “Night Running” — , Matt fala sobre cansaços, tristezas, desilusões e como em meio à esta neblina de lutas e medos, ele fecha os olhos e confia que a luz do amor o levará para a casa. Essa é, para mim, a música mais tocante, e a mais inspiradora desde “Trouble”, do penúltimo álbum. Em “The War Is Over”, a banda fala sobre problemas contemporâneos em um mundo cheio de ódio e questiona: “Qual o sentido de viver quando quando estar vivo é tão doloroso quanto morrer?”. Em seguida, mais uma vez, argumenta que “os muros” do ódio — Oi, Donald Trump — não tem a menor chance contra o amor, que já é vitorioso nesta guerra.

Falando em pontos fora da curva, as canções “Black Madonna”, “Tokyo Smoke”, “Dance Dance” e “House of Glass” mantém o ritmo dançante vivo, fugindo um pouco do conceito problemático e da atmosfera pesada, assim como em “Night Running”. Embora desconexas, são canções que carregam a identidade original e personalidade psicodélica do Cage The Elephant sem limitar como a banda deve ou não soar.

Em suma, Social Cues é um álbum diferente que, apesar de todas as suas peculiaridades, não deixa a essência original da banda de lado. O final entregue é uma expressão sincera e dolorida de uma vitória sobre a depressão, exaustão mental e problemas contemporâneos que, muitas vezes, ceifa vidas de artistas por muito menos. Mas não a de Matt Shultz. Ele se nega cair sem lutar.

Em sua sonoridade, Social Cues é uma fusão tão diversificada quanto os demais trabalhos, e isso mostra a maturidade de uma banda destemida de inovação, sem medo de abordar temas densos ou explorar diferentes ritmos. É um álbum completo que foi capaz de agradar e matar a fome dos fãs por novidades. É um trabalho gênio, extremamente honesto, intimista e peito aberto que renega os padrões e caixinhas da industria musical, e, como um renascimento após quatro anos de cinzas, reinventa o que é o Cage The Elephant.

Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Related Posts
Leia mais

O rock and roll do novo século

Do indie e alternativo ao pop punk e metalcore, o início do século XXI foi responsável por dar uma nova abordagem ao rock: introduzindo o gênero a uma nova geração, bandas de diversas vertentes foram e são os carros-chefes da trilha sonora dos Millennials