Não é de hoje que a internet é uma grande aliada na divulgação de novos artistas e descobrimento de novos talentos. Há anos vemos artistas amadores ascendendo do YouTube e se tornando grandes estrelas da música, mas se engana quem acredita que a ferramenta tornou o caminho para o sucesso menos árduo. Thiago Duque, cantor, compositor e produtor musical autodidata, nascido e criado no interior do estado de São Paulo, é um dos milhões de talentosos artistas que carregam um grande e precioso talento dentro de si, apenas a espera de uma chance para conquistar seus ouvidos e corações.
Com apenas 18 anos de idade, Thiago Duque lançou, recentemente, seu primeiro EP, “Writing Dreams in Paper Bags“, que traz cinco faixas autorais envolventes, carismáticas e emocionantes que mesclam canções em português e inglês. As músicas passeiam por influências de grandes nomes do indie, dream pop, synthpop e R&B alternativo, destacando nomes como Lorde, SZA, The 1975, M83 e Blood Orange. É importante citar que todas as faixas foram produzidas e mixadas pelo próprio artista com o uso de softwares específicos e um home studio, embora os recursos limitados não tenham comprometido a qualidade de seu trabalho de forma alguma.
Em Writing Dreams in Paper Bags, Thiago Duque se apresenta ao mundo através de sua arte, tocante e sensível, como uma forma de organizar pensamentos exagerados, tornar seu passado em algo físico e assim superar traumas passados através da música. Para quem ouve, é impossível não sentir uma pontada de nostalgia por memórias pessoais, proporcionada pela incrível capacidade de Thiago fazer seu público sentir diferentes emoções ao criar atmosferas sensuais, românticas e melancólicas com sua arte. O EP também apresenta um recorte de experiências amorosas de um jovem LGBT+, e como a geração Z lida com relações amorosas – saudáveis ou não – na era digital.
Você comentou que nunca chegou a estudar música formalmente, como foi o processo de se descobrir como artista?
“Eu cresci numa família que não é muito musical mas sempre senti muita afinidade com música e arte em geral. Sempre que tive a oportunidade na escola, de participar de projetos e fazer apresentação eu ia e dava muito certo. Eu sempre gostava muito. E aí o maior incentivo que tive de me achar como artista foi nesses comecinhos, em apresentações em escola, em sarau ou recital de fim de ano. Eu gostava muito de estar em cima dos palcos, poder cantar e escrever coisas, mesmo que fosse só para vinte pais ali na frente. E aí eu meio que continuei a buscar sozinho as formas que eu poderia continuar a fazer isso em outros lugares.”
E como foi essa busca conforme seu crescimento? O que você precisou aprender por conta própria em produção, mixagem, canto e captação de áudio?
“Eu sempre tive uma negação muito grande, duvidava muito da minha capacidade como produtor musical. Na minha cabeça eu precisava muito saber tocar todos os instrumentos e ter um conhecimento de teoria musical muito grande, então eu me negava. Mas, ao poucos, foi começando a ficar mais necessário porque o tempo passava e eu não conseguia encontrar as pessoas para conseguir desenvolver minhas músicas e quando eu encontrava uma pessoa eu sofria muito para conseguir me expressar e deixar a música da forma que eu queria. Eu tive a experiência de fazer uma música com um produtor musical e no tempo inteiro eu ficava vendo e perguntando pra ele como se fazia as coisas e, no resto do tempo, passei muito no YouTube vendo vídeo e lendo na internet como se fazer. Mas, no final, acho que o que mais me ajudou foi o repertório musical que eu tenho, de ter ouvido muita música ao longo da minha vida e tentar achar defeitos nas minhas. Ouvir a minha música e pensar ‘Isso aqui não tem nas músicas que eu geralmente escuto’, e tentar tirar esses erros. No começo foi bem frustrante, mas a partir do momento que começa a fluir, que você começa a saber as coisas, fica muito mais fácil.”
E como surgiu o conceito “Writing Dreams in Paper Bags”? Você comentou um pouquinho sobre tornar memórias e experiências em algo físico, mas por que o nome?
“No EP ela é um pouco maluca porque eu estava começando a fazer meu primeiro álbum com um produtor e ele meio que deu um pé na bunda, um puxão de orelha, porque eu mandava minhas demos para ele pelo Garageband e queria que ele reproduzisse com softwares mais sofisticados no estúdio. Aí um dia aleatório eu acordei com um textão gigante dele dizendo que queria dar uma pausa, porque ele sentia que estava me atrasando, porque eu mandava demos que eram praticamente músicas prontas que eu deveria desenvolver sozinho, e que ele via muito potencial em mim, e que ficar dependendo dele seria um grande atraso. Foi um choque, eu fiquei meio mal porque não via dessa forma. Eu achava minhas demos muito ruins e duvidava do potencial delas. Então eu refleti muito o que fazer da minha vida e decidi tentar melhorar sozinho, então em três dias fiz “Love Life” inteira. Peguei a música, mandei pra ele, e ele mandou outro textão gigante dizendo ‘Meu Deus, era disso que eu estava falando! Eu sabia que era isso que eu precisava falar pra você’. Dentro do texto ele falava que eu tinha que fazer minhas músicas independente do equipamento que eu tivesse, que eu tinha que aceitar minhas condições, e que eu tinha que fazer minhas músicas mesmo que os equipamentos fossem zoados, frágeis, como uma sacola de papel, de mercado, que rasga e as compras caem, porque meu sonho sempre foi ser músico e eu deixava de realizar por falta de condições e equipamentos. Neste dia eu tive a ideia de fazer o EP, fazer mais músicas durante a minha quarentena, e ir fazendo até dar uma quantidade razoável e aí em quarenta dias eu fiz sete músicas, escolhi cinco para o EP.”
E com os recursos que você tinha você começou a produzir pelo Garageband? E como foi esse processo e a gravação isolada da voz?
“Isso! tenho um Iphone 8 Plus e o fone que vem com o próprio celular, e o EP inteiro foi feito com isso. Por isso o processo de produção do EP foi uma grande gambiarra mesmo. No processo de mixagem eu tentava ouvir em todos os lugares possíveis, dentro do carro, com fone, só pelo alto-falante do celular, televisão, e tentava de ouvido mesmo deixar bom pra ouvir em todos. E a gravação de voz foi a parte mais difícil. Eu gravava a voz com o fone de ouvido, ficava procurando o cômodo da casa com menos barulho, mas sempre alguma moto passava na rua ou minha mãe gritava no fundo. E como filtro, pra não ficar barulho de ar quando cantava alguma palavra com “P” por exemplo. Cheguei a pedir pra minha mãe segurar um papel toalha na frente do microfone enquanto eu segurava o fone e gravava. Depois tratava tudo depois pelo Garageband. Descobri uns plugins escondidos muito bons pra isso.”
Voltando a falar sobre o conceito do EP e processo criativo, como surgiu a ideia de misturar letras em português e inglês?
“Pela minha criação musical ter sido na internet, minhas principais e maiores influências musicais cantam em inglês. Então quando comecei a escrever música, escrevia em inglês. Com o tempo comecei a escrever em português porque sentia que precisaria disso pra entrar no cenário musical daqui, mas acabei me acostumando e me apaixonando em escrever em português também. Hoje em dia a escolha entre português/ inglês vem de acordo com a melodia, ritmo, tema, por exemplo, me sinto mais confortável falando sobre amor e relacionamentos em inglês. Também sinto que muitas palavras na língua portuguesa são difíceis de colocar em melodias mais pop, então em inglês ainda sinto mais facilidade em explorar mais palavras.”
Você comentou também que usa a sua arte a fim de organizar pensamentos, memórias, traumas e vivências pessoais, e não seria diferente que a música transmitiria e faria quem ouve sentir o mesmo. Como você gostaria de que a sua arte fosse ouvida e lembrada pelo seu público? Como uma música de se curtir numa balada lenta ou aquele tipo de música que traz memórias afetivas boas e ruins?
“Quando eu comecei a fazer música eu criava muita expectativa sobre o que as pessoas iriam sentir, pensar ou fazer com a minha música depois que eu lançasse. Isso me deixava muito ansioso. Isso chegou a me impedir de lançar minhas primeiras músicas, com muito medo do que as pessoas iriam fazer com elas, então precisei desapegar do pensamento do que meus ouvintes fariam para conseguir lançar. Mas, hoje em dia, eu acho que a forma como eu lido com música é colocando muitas memórias boas ou ruins nelas, assim como coloco nas músicas dos outros. Então gostaria muito que as pessoas fizessem isso com as minhas também. Ficaria muito feliz em ver a minha arte como um vetor que faz as pessoas lembrarem do que elas já passaram.”
Você sendo um artista que faz parte da comunidade LGBTQ+ e emprega representatividade, sentimentos e experiências pessoais na sua arte, como você avalia esse cenário na música LGBT brasileira atual e como gostaria de contribuir com esse cenário?
O cenário musical LGBT no brasil é maravilhoso! É muito diverso, gigante, cheio de gente muito talentosa. Sinto que existe um potencial de crescimento gigante entre todo mundo que faz parte e que o sentimento de unidade e de apoio entre a gente é muito bom. É reconfortante demais se sentir apoiado pela própria comunidade. Ainda existe uma certa competição, mas é algo que está sendo deixado pra trás. Sinto que meu papel dentro desse cenário hoje em dia, como branco e cisgenero, é usar da minha plataforma pra fazer o que eu puder pra apoiar quem é mais oprimido e tem menos oportunidade de crescimento no cenário. Poder usar do espaço que eu conquistar pra dar voz a artistas trans, não-binárias, LGBTS pretos também.