Inicialmente as primeiras horas de 2021 foram contempladas com o lançamento do terceiro disco das Anavitória, intitulado “COR”. O duo é composto por Ana Caetano e Vitória Falcão e a realização do projeto foi de forma independente, sem vínculo com a Universal Music, com uma produção musical de Tó Brandileone, do grupo 5 a Seco, e Ana. O álbum é composto por 14 faixas e conta com a participação de Rita Lee em “Amarelo, azul e branco” e de Lenine em “Lisboa”, deixando evidente o complemento do pop já existente nos discos anteriores com o MPB.
Simultaneamente, produções audiovisuais no formato Visualizer foram lançadas no canal de YouTube do duo trazendo uma proposta baseada na performance de Marina Abramovic. Bem como falado pelo duo de Anavitória, o intuito com isso era trazer pequenas sacadas imagéticas que proporcionam uma sensação boa a quem estiver assistindo. Em resumo, foram 13 produções desenvolvidas individualmente além dos vídeos com as letras de cada música.
Antes de mais nada o disco Cor abre alas com “Amarelo, azul e branco”. Esta música é uma declaração biográfica com simbolismos emocionantes à Tocantins, terra das duas jovens. As cores derivam da bandeira do Estado, trazendo referências da cultura local com um forte patriotismo. Logo no início é possível perceber a presença de uma percussão marcante que completa a força da composição.
“[…] Meu caminho é novo, mas meu povo não, meu coração de fogo vem do coração do meu país. Meu caminho é novo, mas meu povo não. O Norte é a minha seta, o meu eixo, a minha raiz”.
Canção “amarelo, azul e branco” de anavitória
Além disso, essa faixa contém um participação especial de Rita Lee, que cita um verso de Simone de Beauvoir sobre a experiência de vida. Anteriormente, o duo havia comentado sobre o grande desejo de colaborar com Rita em alguns de seus projetos futuros. Com o disco quase pronto, houve o pedido oficial à cantora e a contemplação da voz no trecho escolhido chegou para o desfecho da canção.
Em seguida aparece a faixa “Te amar é massa demais”, um som cheio de brasilidade que lembra Afoxé em seu conjunto instrumental. Segundo as artistas, esta música relata uma história ansiosa de amor em um mundo pandêmico, sendo capaz de atravessar oceanos pelo tão esperado encontro que ainda não aconteceu. Em suma, a composição de Ana Caetano é especialmente interpretada também por Vitória, que conseguem transpassar uma emoção em conexão com a batida animada da música.
“Tenta acreditar” traz a revelação de um equilíbrio entre a força dos vocais e a narrativa sensível que é contada, lembrando a jovem guarda e a sonoridade pop habitual de Anavitória. A composição feita por Ana Caetano e João Ferreira, do grupo Daparte, traz um tom de desesperança para a relação amorosa entre duas pessoas, mantendo a afirmação de que a continuidade dos caminhos faz com que haja uma ponte entre a sorte e o azar da solidão.
“Quero acreditar que foi melhor pra mim, você vai fingir que os astros têm razão. Talvez nosso crime seja solidão, talvez nossa sorte.”
cANÇÃO “tENTA ACREDITAR” DE ANAVITÓRIA
Logo em seguida, a história de “Explodir” é contada. Uma das canções mais potentes no aspecto vocal, relata a força de um amor vivido e a liberdade entre deixar ir o que tiver que partir. Um amor livre. A faixa contém a presença marcante de Will Bone no instrumental em um solo que finaliza a composição lindamente.
A faixa “Cigarra” é uma homenagem de Ana Caetano para o cantor e amigo pessoal Saulo Fernandes, em uma de suas idas à Salvador onde assistiu uma apresentação do mesmo em um trio elétrico. A cigarra citada na narrativa é Saulo e conta com uma declaração sincera fazendo relação com a música e a sensação de paz e entrega trazida pelo cantor ao se apresentar nos palcos.
“O azul e o sol moram em ti, cigarra. Meus males se vão com tua voz.”
canção “cigarra” de anavitória
Em continuidade, “Selva”, a composição desafiadora de Ana Caetano e Tó Brandileone. A canção inicia com a presença de um piano que acompanha o desenrolar das palavras estrategicamente pensadas para contar a história de um amor emocionado. A incerteza da permanência em uma relação e os detalhes descritos como forma de desabafo, revelam situações de encontros casuais entre pessoas opostas. Por fim, elas acabam se conectando por um tempo sem previsão, tanto de continuidade quanto de fim.
A faixa “(dia 34)” traz um conjunto de sons criado por Tó Bradileone e Fábio Sá aproximadamente no trigésimo quarto dia de gravação do disco e por isso leva este título. Com poucos segundos, complementou a metade do álbum como forma de introdução à “Ainda é tempo”, composição que vem logo a seguir. Em um desabafo de perdão e honestidade, Ana Caetano traz lindamente sua voz e um piano crescente em uma tentativa de entender se ainda há tempo de viver a história de amor que um dia foi construída.
“[…] Mesmo que tudo diga não, ainda é tempo de te fazer feliz e me fazer feliz também.”
CANÇÃO “Ainda é tempo” DE ANAVITÓRIA
A música contém uma produção audiovisual impecável baseada na performance de Marina Abramovic em Rest Energy. A obra conta com um arco que sustenta o peso entre dois corpos, tal qual Anavitória realiza no vídeo. Além da harmonia da canção, o conceito traz confiança a quem se escolheu, uma vez que o peito está exposto à flecha e não há controle do comando da mesma, pois há um equilíbrio entre ambos os lados. Fala sobre se pôr vulnerável e acreditar fielmente na entrega ao outro.
Em sintonia similar aos discos anteriores, “Eu sei quem é você” surge como um lembrete de que o duo manteve também sua musicalidade habitual no desenvolvimento do álbum. Com uma sonoridade já conhecida pelo público, a canção traz um desabafo sincero sobre uma relação, não necessariamente amorosa, onde houve falta de comprometimento remetendo também à presença de manipulação, como é possível observar no vídeo da música. Logo de cara, identifica-se o duo em forma de marionetes sendo conduzidas por terceiros em ângulos que remetem o visual do primeiro disco. De forma independente, a letra da música transpassa uma força confiante de decisão que se conecta lindamente com as interpretações de Ana e Vitória.
“Me fiz de cega pra não enxergar quem você é, mas agora eu vejo. A tua teia de mentira já não me convence mais.”
canção “eu sei quem é você” de anavitória
Já em “Terra” a bateria expansiva transforma a faixa em algo grande. A história da ansiedade pelo encontro entre dois corpos que se sabem e se esperam compõe a canção de uma forma harmônica e até mesmo melancólica. Em uma realidade pandêmica, dificulta o esperado encontro e o que permanece é o desejo que é alimentado pelo interesse de ambos.
Em seguida “Abril” surge como uma revelação em “COR” trazendo uma letra muito bem amarrada que questiona e se responde durante o desenrolar das estrofes. Ana Caetano chegou a comentar que, de longe, essa é sua música favorita e que o processo de composição foi intuitivamente rápido. Não há dúvidas de que a faixa trouxe ao disco uma nova perspectiva musical do duo, desde o início com um teclado em sonoridades clássicas à um amadurecimento nítido na escrita.
“Te procuro” nasceu a partir de um refrão e em colaboração com Nina Fernandes nos versos a faixa foi trazida ao mundo. Remetendo alguns trabalhos mais acústicos realizados pelas meninas, a música conta com um coro ao fundo em melodia complementar ao violão e teclado. A composição traz uma narrativa um pouco mais pesada do que as anteriores, abordando uma relação desgastada e dolorosa, citando a dificuldade de ir embora ao mesmo tempo em que procura por vestígios do outro.
“Quanto mais escuro mais claro na memória. O nosso amor machuca, eu quero tanto ir embora.”
canção “te procuro” de anavitória
A canção “Carvoeiro” foi escrita por Ana Caetano e Deco Martins, do grupo Hotelo, em uma de suas idas à Algarve, Portugal. O nome deriva-se de uma praia onde a composição foi criada e a letra traz uma relação cômoda que por mais desgastada que esteja, ainda há amor. Em uma sonoridade animada, um pouco diferente das demais, transita entre o pop conhecido do duo e uma pegada ainda pouco explorada.
Fechando o disco em grande estilo, a faixa “Lisboa” traz fortemente a presença do MPB em uma colaboração mais que especial com Lenine. A música, de Ana Caetano e Paulo Novaes, conquista através da composição uma harmonia e leveza que junto ao conjunto instrumental finaliza com chave de ouro o “COR”. Antes mesmo da gravação da faixa, havia o desejo em trazer uma participação masculina para complementar. Por conta das referências musicais pessoais de ambos os compositores, houve o convite e de forma surpreendente, Lenine trouxe seus vocais casando lindamente com as de Anavitória.
Ao observar a trajetória do duo entre seus três álbuns, é possível identificar o crescimento intuitivo e leve das artistas no processo de suas criações. Se em “Anavitória” (2016) uma história inocente e esperançosa foi contada, em “O Tempo É Agora”(2018) foi possível ver o desenrolar das expectativas em transcender na forma de amar e pôr em prática, que em “COR” (2021) se manteve presente na dor e no amadurecido de entender que as experiências da vida são processos inevitáveis que ainda será muito visto nos próximos projetos das Anavitória.
10/10
Escrito Por: Milena Esser