Tyler, The Creator apresenta seu trabalho mais coeso em “Call Me If You Get Lost”

Rapper evolui naturalmente e entrega disco mais sólido de sua discografia; desafiando expectativas, artista se supera trazendo renovação enquanto redireciona o próprio caminho

Tyler The Creator é, sem sombra de dúvidas, um dos artistas mais criativos de sua geração e isso ficou provado em seus álbuns, videoclipes e tudo o que cerca sua carreira. O último disco de Tyler, IGOR, venceu o Grammy de “Melhor Álbum de Rap“, e desde então se esperava um novo trabalho do artista. A espera acabou e seu novo álbum, CALL ME IF YOU GET LOST, chegou apresentando sonoridades já conhecidas dos fãs mais antigos do artista.

O álbum foi anunciado com um grande outdoor em Los Angeles, que possuía um número para que as pessoas ligassem e ouvissem prévias de músicas do projeto. Tyler também liberou diversas prévias nas redes sociais e YouTube, sendo o primeiro a faixa “LUMBERJACK” – que já ganhou performance ao vivo na premiação BET Awards 2021.

O disco apresenta uma evolução natural do que Tyler vinha construindo em Flower Boy (2017) e Igor (2019), mas dá aos fãs mais antigos uma sensação de nostalgia em certas faixas, relembrando a sonoridade de trabalhos como Bastard (2009) e Goblin (2011): produção lo-fi com timbres de funk e soul, mas tudo ainda mais detalhado e refinado. A performance dele em adição ao modo de rimar, lembra o Tyler pré-Flower Boy, com menos refrões e ganchos pop. Pode-se dizer que Call Me If You Get Lost é o álbum mais “Odd Future” desde o Pós Odd Future – Odd Future Wolf Gang Kill Them All ou OFWGKTA, grupo em que Tyler era o líder e ainda contava com a participação de nomes como Frank Ocean e Syd Tha Kyd, do The Internet.

O rapper, que em outros trabalhos apresentou seu lado mais criativo e sentimental, rimando sobre suas vulnerabilidades pessoais e transformando-as em algumas de suas melhores músicas, tem em seu sexto álbum de estúdio, mais um de seus personagens, um viajante de de sobrenome Baudelaire – apresentado logo na primeira  faixa “SIR BAUDELAIRE” que conta com o feat de DJ Drama, para nos apresentar a sua versão mais segura de si.


O novo trabalho do rapper é uma grande homenagem à era das mixtapes “Gangsta Grillz” dos anos 2000 que eram apresentadas e produzidas por DJ Drama, que tem vocais em todo o álbum citando suas famosas frases. Além disso, o álbum conta com as clássicas tags de Drama, como ‘Gangsta Grillz you bastard!!!”, feitas por Lil Jon. Já a tracklist do disco conta com feats de muito peso, além do já citado DJ Drama, temos Lil Wayne, Pharrell, Lil Uzi Vert, NBA YoungBoy, Ty Dolla $ign, 42 Dugg, Brent Faiyaz e nomes menos conhecidos pelo grande público como Domo Genesis, Fana Hues, DAISY WORLD e Teezo Touchdown

(Divulgação de Tyler, the Creator para "Lumberjack")
(Divulgação de “Lumberjack” com Dj Drama)

Em meio a conflitos internos e externos, Tyler, The Creator se tornou um dos artistas mais intrigantes da indústria nos últimos anos. Com seus primeiros projetos solo, o rapper se tornou popular na mídia pelas polêmicas que o acompanhavam em boa parte de suas obras, nas quais abusava de suas rimas mais agressivas para descontar suas frustrações na música. Polêmicas que lhe custaram até o banimento do Reino Unido por 5 anos, em 2015, fazendo com que o rapper cancelasse uma turnê. Em 2020, após ganhar o prêmio de “Artista Solo Internacional Masculino” no BRIT Awards, Tyler relembrou a polêmica em seu discurso: “Quero mandar uma mensagem especial a alguém que eu guardo muito em meu coração, que decretou que eu não poderia vir para este país durante cinco anos – eu sei que ela está em casa chateada. Obrigado, Theresa May!”.

Aqui, Tyler se mostra ainda mais transformado e evoluído, deixando para trás certas polêmicas, como quando Selena Gomez completou 18 anos e ele foi ao Twitter para fazer alguns comentários com conotações sexuais pesadas com a atriz/cantora; o que acabou gerando uma grande repercussão, não só pelo conteúdo mas por Selena ser muito jovem na época. Os posts foram feitos em 2010, em um momento que Tyler era extremamente polêmico e vivia se metendo em controvérsias com suas letras e posts nas redes sociais, principalmente no Twitter. Agora, na faixa “Manifesto” de seu novo álbum, o rapper rima: “Eu era jovem, tuitando coisas erradas sobre Selena. Não quis ofender, vou pedir desculpas quando a vir”, o que mostra claramente que o rapper está mais maduro agora e se arrepende de algumas de suas atitudes do passado.

Já na track “Corso”, ele desabafa: “Eu nem gosto de usar a palavra ‘vadia’, só soa legal”, o que também destaca sua transformação pessoal. Ao fundo, ressoam as mesmas batidas pesadas de seus primeiros trabalhos – que lhe renderam tantas polêmicas, mas agora lideradas por um artista consciente de seu próprio alcance e seguro de seus próprios versos; o clima se repete em outros momentos do disco, como nas faixas “Lemonhead”, “Juggernaut” e o lead single “Lumberjack”. Em meio a tantas polêmicas ao longo da carreira, das quais Tyler não tem vergonha alguma de relembrar, sobra tempo ao rapper deixar uma leva indireta que, a princípio, muitos achavam que poderia ter sido para Jay-Z e Kanye West, mas não se engane, o trecho “You ain’t the only nigga that be in Paris”, da faixa “RISE!” é uma possível alfinetada em A$AP Nast, que em 2020 acusou Tyler de ter roubado seu “drip” e seu “swag”, termos ligados a moda e o mundo fashion dos rappers.

Com exceção de “Sweet / I Thought You Wanted To Dance” e “Wilshire”, todas as músicas do disco são curtas, mas funcionam extremamente bem no conceito da obra ao complementarem umas às outras. Nos sensacionais quase dez minutos de “Sweet / I Thought You Wanted To Dance”, Tyler nos dá de presente uma longa balada amorosa dividida em duas partes entre flautas, coros e teclados que protagonizam várias outras músicas, como as faixas “Wusyaname” e “Hot Wind Blows”.

Assim como em seus projetos anteriores, Tyler, the Creator não se preocupa apenas em entregar um álbum, mas sim uma experiência, planejada desde o seu conceito até sua sonoridade. O rapper é um dos pouquíssimos nomes que trabalham com tamanha flexibilidade, com obras sempre à frente do que as pessoas e a indústria esperam. Em seu novo disco, o criador equilibra perfeitamente as músicas entre sequências mais agitadas e eufóricas e outras mais contidas e calmas, mas em nenhum momento desvia o foco principal do disco. As transições entre as faixas marcam alguns dos momentos de maior destaque do álbum, mantendo-o sempre na mesma energia.

CALL ME IF YOU GET LOST é a figura de um verdadeiro artista em seu auge criativo, que com calma retraça as possibilidades dentro de sua própria carreira a cada lançamento sem perder a qualidade, mas sim tentando dar o seu melhor. Mais uma vez, Tyler, the Creator desafia as expectativas do público e da indústria, as superando com um dos discos mais coesos de sua carreira, passando por trabalhos anteriores e renovando sua arte a levando para direções inéditas.

9.5/10
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