Inovar musicalmente não é uma tarefa fácil, dada a quantidade de artistas que passam boa parte de suas carreiras tentando se desvencilhar de uma imagem, ou de um sucesso único. Essa tarefa não parece assustar Tobias Forge, a mente brilhante e maquiavélica por trás das composições e do conceito artístico da misteriosa banda sueca de heavy metal Ghost.
Após críticas pelo som cada vez mais maleável explorado em seus últimos discos, especialmente no pop-metal versátil contemplado em ‘Prequelle‘, de 2018, Forge decidiu mergulhar de vez nos seus limites criativos em seu novo disco, ‘IMPERA‘, para assim romper, de uma vez por todas, a imagem macabra construída pelo som pesado de seus dois primeiros álbuns, dando lugar, talvez, para a imagem majestosa de uma banda capaz de mobilizar multidões em grandes estádios – goste essa multidão de satanismo ou não.
‘IMPERA‘ pode ser considerado diferente de tudo o que Forge já criou. Ou melhor, quase tudo. A sonoridade que passeia por referências do glam metal ao hard rock melódico dá continuidade à temática oitentista apresentada no EP Seven Inches of Satanic Panic, de 2019, que presenteou os fãs com duas únicas e ótimas faixas, “Kiss The Go-Goat” e “Mary On A Cross”. Não é errado afirmar que o EP andou para que IMPERA pudesse correr. Tirando a parcela de metaleiros tradicionais, a nova sonoridade foi bastante apreciada pela fanbase da banda, o que inspirou Forge a ir além.
Se ‘Prequelle’ se preocupou em retratar o terror da peste bubônica no século XIX, o novo capitulo da banda explora um contexto moderno entre a queda de impérios, revolução industrial e o lado sombrio da automação e do capitalismo tardio. Não por acaso, o visual adotado nesta era é fortemente inspirado pela estética steampunk, que representa perfeitamente o passeio da banda entre o passado, futuro e a fantasia. É necessário também salientar que a evolução artística e visual da banda, ao longo de sua carreira, foi crucial para sua ascenção ao mainstrem, principalmente em um mercado onde o metal é considerado ultrapassado.
Há quem diga que a estética sombria dos primeiros dois frontmen da banda, Papa Emeritus I e II, limitava o Ghost a um público restrito no cenário underground, que de certa forma curtia o visual trash da banda. De fato, a aclamação da grande mídia veio ao longo dos doze anos de carreira, conforme o som e a produção artística se tornavam mais sofisticados. Hoje, em meio ao conclave do Cardinal Copia para Papa Emeritus IV, Tobias Forge encarna uma figura muito mais carismática do que amedrontadora. Há controvérsias entre os fãs se este sacrificio necessário simboliza uma troca justa.
IMPERA não é um disco difícil de explicar se você tem boas referências em hard rock oitentista, uma vez que o disco passa a impressão de ter sido condensado por fortes influências de bandas como Bon Jovi, Van Halen, Whitesnake e algumas pitadas de ABBA. O álbum traz um som completamente diferente do prestigiado e massivo heavy metal do Opus Eponymous (2010), e irresistivelmente brega como o hard rock melódico dos anos 80.
Para o desgosto dos fãs de metal mais fervorosos, “brega” não se torna um adjetivo negativo nesta ocasião, pois se encaixa perfeitamente em faixas como “Kaisarion“, que tem sido bastante comparada com aberturas de anime, e a extremamente experimental e assertiva “Twenties“, que convida o ouvinte a balançar os quadris tanto quanto qualquer outra aposta pop-macabra da banda. Isso não torna a primeira impressão sobre a faixa um pouco menos pavorosa, mas logo os narizes tortos dão lugar à dancinhas entusiasmadas.
A banda também acerta em cheio ao apostar em viradas instrumentais dramáticas, puxadas por riffs de guitarra a lá Richie Sambora em faixas como ‘Watcher in The Sky‘, ‘Respite On The Spitalfields‘, e ‘Griftwood‘. Até mesmo Jon Bon Jovi é referenciado em ‘Spillways‘, cujo sample lembra bastante ‘Runaway‘, e na balada romântica surpreendente de ‘Darkness At The Heart of My Love‘, que é talvez a composição mais bela e sensível de Tobias Forge.
Goste você ou não, IMPERA conquista o ouvinte pelo carisma de diferentes apostas inspiradas por grandes referências do metal, hard rock, passando pelo pop oitentista originado pelos também suecos do ABBA. Contudo, a verdadeira beleza de cada uma das faixas está nos detalhes da produção: transições, riffs, fade-outs e backing vocals, que tornam a sonoridade ainda mais complexa, detalhada e bem estruturada. Talvez o disco não seja lembrado pelos fãs como o melhor ou favorito da banda, mas com certeza marca um capítulo do Ghost como a produção mais inventiva, arriscada e polida.