Desde que estourou nas rádios no início dos anos 2010, a britânica Charli XCX se tornou conhecida por suas interpretações únicas do pop, ousando com experimentações, conceitos, estética e até mesmo processos de criação. O que ainda estaria faltando nessa trajetória, então? Se a resposta for um álbum do mais puro dance pop, no nível de superproduções das maiores estrelas da música – bem, então, aqui está CRASH.
O fim de um ciclo
Há um bom tempo, Charli fala abertamente sobre sua relação com trabalho e como sua natureza workaholic está ligada também a inseguranças sobre “não ser boa o suficiente”. Em entrevista ao New York Times, ela revelou que o novo álbum surgiu de um esforço para criar uma obra no mais alto nível de estrelato pop tradicional, simplesmente para ver se conseguiria.
“Para mim, sempre teve essa questão interna de, tipo, será que eu consigo ser a maior artista do mundo”, disse. “Ou não fui feita para isso? Será que sou muito estranha, muito à esquerda, muito cheia de opiniões, não muito agradável, muito diferente, whatever, whatever, whatever?”
CRASH é, realmente, um pacote que alude ao pop mais mainstream e de produções grandiosas da indústria, um evidente contraste com seu lançamento anterior, how i’m feeling now (2020), feito em apenas seis semanas em um estúdio improvisado em casa durante o primeiro lockdown de covid-19 e de forma colaborativa com os fãs.
Na época, Charli XCX já havia começado a trabalhar no que chamava de “álbum Janet”, interrompido por conta da pandemia. E talvez a pausa seja justamente o que tenha tornado CRASH ainda mais potente. No meio tempo, a cantora terminou um relacionamento de longa data, relatou burnout e decidiu sair das redes sociais em uma carta aberta sobre cuidar de sua saúde mental. E, com o lançamento de HIFN, CRASH se tornou seu quinto e último disco com a gravadora Atlantic, parte de um contrato assinado quando a artista tinha apenas 16 anos (ela completa 30 em agosto de 2022).
Entretanto, CRASH passa longe de ser apenas um álbum para cumprir uma obrigação contratual, muito pelo contrário. Aqui, a cantora entrega um pop estrondoso e enérgico do começo ao fim, misturando fortes inspirações dos anos 1980 e 90 com suas referências características do hyperpop, música eletrônica, Eurodance e, é claro, muitos sintetizadores.
Um meio-termo entre nostalgia e futurismo, como ela descreve – tudo com um toque de humor próprio de Charli XCX.
O álbum
Dá para ver que, desde o início, a intenção de Charli é se divertir, seja trazendo temas mais pessoais, fazendo declarações de amor ou simplesmente aproveitando a vida. CRASH abre com a faixa-título, uma canção-chiclete com traços do hyperpop em que ela revela que se sente autodestrutiva mas que vai terminar tudo de forma “lendária”.
As referências ao fim de um ciclo continuam na viciante “Good Ones”, cujo clipe mostra a cantora dançando sobre sua própria lápide. Ao lado da sensual “Baby” e de “Lightning”, o trio compõe alguns dos melhores momentos do álbum, com canções e batidas que trazem a assinatura única da artista mas que podem se encaixar perfeitamente entre o pop mais “quadrado” das rádios.
Charli XCX também acerta nas colaborações, ainda que em número consideravelmente reduzido, especialmente em comparação ao aclamado Charli (2019) – apenas duas faixas, mas que fazem valer muito a pena. “New Shapes”, com Christine and the Queens e Caroline Polachek traz influências do trabalho das artistas com ótimas explosões. Já “Beg For You”, com Rina Sawayama, faz uma releitura cativante do Eurodance “Cry For You” da sueca September, de 2006.
As declarações mais românticas aparecem em “Move Me” e “Every Rule”, esta última um dos poucos momentos mais tranquilos do álbum, produzida por A.G. Cook, da PC Music, e Oneohtrix Point Never, que trabalhou em Dawn FM de The Weeknd. A temática aparece com uma visão irreverente também em “Yuck”, que ficou para a versão deluxe do álbum.
É, inclusive, interessante ver que Charli deixou algumas das melhores faixas para essa versão expandida, lançada apenas uma semana depois da versão padrão, como a ótima “How Can I Not Know What I Need Right Now” ou mesmo “What You Think About Me”, um desfecho perfeito funcionando quase como uma última declaração antes de se despedir da pista de dança.
Grandes conquistas
Todo esse trabalho já vem rendendo bons frutos: pouco mais de uma semana depois do lançamento, CRASH atingiu o topo da parada de álbuns do Reino Unido, primeiro número um de Charli XCX em seu país de origem. O feito mostra, inclusive, como, em meio a tantos lançamentos pop recentes que apostam na nostalgia dos anos 1980, o dela se destaca justamente por imprimir sua personalidade tão marcante.
A energia que a cantora dedicou a esse lançamento é palpável ao longo do álbum todo, não apenas pela escolha de um caminho que vai mais pelo dream e dance pop como também pela jornada dela até aqui, se mostrando mais confiante e disposta a encarar e conquistar o mundo. Isso é visível até no uso mais sutil de efeitos vocais, algo que ela já revelou ter sido muito incentivado por sua grande amiga e colaboradora SOPHIE, que faleceu no início de 2021 e a quem Charli dedicou o álbum.
CRASH pode não estar quebrando grandes paradigmas do gênero, mas é satisfatório demais ver Charli XCX se deliciando em meio a tantos hits em potencial – deixando o público ainda mais animado para o que vem depois deste ciclo.