Tecnologia e exclusividade podem render milhões para artistas e experiências únicas para fãs
Nas últimas semanas, três letras têm ganhado grande destaque em discussões e artigos na internet: NFT, non-fungible token, ou “token não-fungível” em tradução livre. Três letras muito valiosas, diga-se de passagem, e que prometem mudar o mercado de arte digital – e também o da música.
NFTs são ativos digitais criados e verificados através de tecnologia blockchain – a mesma que lida com criptomoedas como Bitcoin e Ethereum – que dão ao comprador um certificado de autenticidade e propriedade sobre eles. Cada NFT é único e gera um token digital não-intercambiável, que pode ser vendido e negociado como qualquer outra propriedade, com um detalhe: eles não existem no mundo físico.
Esses tokens são não-fungíveis (ou infungíveis) justamente por serem únicos, diferentemente de um item fungível como, por exemplo, dinheiro. Você pode trocar uma nota de R$ 20 por outra de R$ 20 e elas continuam com o mesmo valor, espécie e qualidade. Já o item não-fungível não pode ser substituído, como, por exemplo, imóveis e obras de arte.
A tecnologia existe desde, pelo menos, meados dos anos 2010, mas uma das coisas que vem contribuindo muito para esse novo hype em torno dos NFTs são as cifras impressionantes que eles alcançaram em 2021. Em março, a tradicional casa de leilões de arte Christie’s vendeu “Everydays – The First 5000 Days”, uma colagem digital em JPEG criada pelo artista Beeple, por US$ 69,3 milhões, o equivalente a aproximadamente R$ 389 milhões – tornando-a a terceira obra mais cara vendida por um artista vivo.
Basicamente, qualquer coisa no universo digital pode virar um NFT: pinturas, memes, tweets, vídeos e, é claro, músicas.
NFTs notáveis na música
Não demorou muito para músicos aderirem à tendência e alguns deles já conseguiram deixar sua marca no mundo dos NFTs. Em fevereiro, Grimes vendeu uma série de artes digitais intitulada “WarNymph” por um total de quase US$ 6 milhões (aproximadamente R$ 33 milhões), incluindo um vídeo único com uma música original vendido por quase US$ 389 mil (aproximadamente R$ 2,1 milhões). Uma porcentagem do valor arrecadado seria doada para uma ONG focada em reduzir emissões de carbono.
No início de março, o produtor de EDM 3LAU vendeu o primeiro álbum NFT do mundo, uma reedição de seu disco Ultraviolet, de 2018, arrecadando mais de US$ 11,6 milhões (mais de R$ 65 milhões) em menos de 24 horas. Uma única música foi vendida por mais de US$ 3,6 milhões (mais de R$ 20 milhões). No caso deste leilão, o artista vendeu 33 tokens únicos que também garantiam aos compradores itens físicos como edições especiais de vinis, músicas não-lançadas e experiências exclusivas.
Já o Kings of Leon se tornou a primeira banda a lançar um álbum inédito em NFT com When You See Yourself, cujos tokens foram vendidos a apenas US$ 50 e também incluíam “brindes” especiais, como uma capa alternativa e um vinil exclusivo. O grupo arrecadou cerca de US$ 2 milhões (aprox. R$ 11 milhões) com o projeto e doou parte do dinheiro para um fundo de auxílio a músicos e equipes de turnê que estão parados por conta da pandemia.
No início de abril, The Weeknd arrecadou mais de US$ 2 milhões (cerca de R$ 11,2 milhões) com a venda de uma coleção de NFTs de obras estáticas e audiovisuais, incluindo uma música inédita por US$ 490 mil (aprox. R$ 2,7 milhões). Outros nomes conhecidos a entrarem no mercado de NFTs foram Shawn Mendes, Deadmau5, Flume, Lil Pump, e até o espólio do rapper MF DOOM.
No Brasil, alguns músicos e profissionais da área também têm demonstrado interesse na onda de NFTs. Uma das primeiras foi Urias, que publicou em seu Instagram uma prévia de uma pintura digital em parceria com o artista Uno. O projeto deve incluir três obras em edições limitadas e uma obra exclusiva com a arte de Uno e uma música da cantora.
Pabllo Vittar também anunciou que está trabalhando em um projeto NFT, ainda sem muitos detalhes. E no início de abril, o grupo do festival Rock In Rio divulgou que deve lançar em breve suas “cripto-experiências”, parcerias exclusivas entre artistas digitais e músicos e experiências especiais antes e durante o evento.
Mas… por quê?
Uma das bases da valorização de um NFT, assim como em outros mercados de luxo, é a exclusividade do produto. Mas no caso de um item digital, essa exclusividade parece ficar mais difícil de ser garantida, já que ele pode ser facilmente reproduzido incontáveis vezes online. Os álbuns do Kings of Leon e do 3LAU ainda podem ser reproduzidos por qualquer um em plataformas de streaming e no iTunes. A própria arte do Beeple, citada lá no começo, já foi reproduzida várias vezes na internet. Então o que motivaria alguém a pagar tanto pelo token?
Além do possível acesso a experiências e itens exclusivos também no mundo físico, o NFT funciona como um certificado de que aquele artigo é “o original”. Comprar o NFT de um álbum não é o mesmo que comprar os direitos autorais ou de distribuição, mas é como se o músico lançasse uma edição exclusiva e limitada daquele material ou, então, vendesse cópias autografadas: ainda existirão várias formas de se ouvir aquele disco, mas só alguns têm aquele diferencial – e, portanto, valem muito mais do que uma edição comum. Basicamente, são itens colecionáveis.
É claro que materiais de valor milionário são inacessíveis à maioria dos fãs. Mas mesmo itens mais baratos podem render muito aos músicos (como no caso do próprio Kings of Leon). Ainda mais em um momento em que não dá para realizar shows e festivais, que costumam ser uma das principais fontes de renda desses artistas.
NFTs também ampliam a possibilidade de lucro com o próprio material musical em uma era dominada pelas plataformas de streaming, que são bem conhecidas por não remunerar muito bem: em fevereiro de 2021, o Spotify pagava apenas US$ 0,0033 por stream, enquanto outros sites chegavam a até US$ 0,0054. Ou seja, seriam necessários cerca de 250 plays para ganhar um dólar – algo ainda menos animador quando se considera que 90% das audições vão para o 1% de grandes nomes já estabelecidos.
Outro pró dos NFTs é a oportunidade de o próprio artista ganhar com a revenda dos tokens, pré-estabelecendo porcentagem de royalties sobre o material. Beeple, por exemplo, deve receber 10% do valor caso o comprador de “Everydays” resolva vender a obra no mercado secundário.
É cedo para dizer se isso se trata de um mercado durável ou só mais uma tendência passageira. De qualquer forma, os NFTs ainda prometem continuar causando barulho por algum tempo.