Festivais são retratos do cenário musical de uma época, e neste ano não poderia ser diferente.
Em novembro de 2011, meu aniversário de 15 anos estava próximo e eu enchi a paciência do meu pai até ele aceitar me presentear com algo inédito: um ingresso para o primeiro Lollapalooza Brasil, que aconteceria em abril do ano seguinte no Jockey Club de São Paulo.
Eu nunca tinha ido a festivais de música antes e meu único show até então tinha sido um do Babado Novo em uma cidadezinha litorânea do Paraná. Na verdade, eu nem ligava muito para o festival em si. Eu só precisava muito ir porque minha banda favorita seria um dos headliners e, “pai, essa talvez seja a ÚNICA chance que eu tenha de ir num show deles na vida!!!” (spoiler: não foi).
Apesar do meu foco de fã estar mais em conseguir um lugar de onde eu pudesse enxergar minha banda do coração do alto dos meus 1,58m, também acabei conhecendo novos artistas. Gente que estava ali por uma certa popularidade com o público da época, ou que havia acabado de lançar um trabalho novo, ou os dois. Alguns dos quais, olhando para trás, eu nunca mais ouvi falar.
Essa é uma das grandes belezas dos festivais, grandes ou pequenos: eles não apenas misturam diferentes performances como também funcionam como uma cápsula do tempo musical.
Uma banda que tocava em todas as rádios há dez anos e foi atração principal de um evento na época talvez não seja mais tão relevante hoje, assim como alguém que bate recordes de vendas hoje talvez sequer tivesse começado sua carreira uma década atrás. Até quando o artista se torna figurinha repetida no lineup ano após ano, dificilmente as apresentações serão iguais. É tudo muito particular daquele tempo – e temos isso registrado de um jeito que, em alguns aspectos, pode ser mais interessante do que qualquer lista de mais tocadas por aí.
E nem mesmo uma pandemia foi capaz de apagar essa característica. O cancelamento de grande parte de apresentações e festivais presenciais marcados para 2020, com certeza, não foi a melhor das notícias para organizadores e fãs – muitos dos quais ficaram sem show e sem reembolso.
Artistas e patrocinadores se viram obrigados a encontrar outras saídas. Lady Gaga reuniu colegas e empresários (e a própria Organização Mundial da Saúde) para o One World Together at Home, festival transmitido online em abril que arrecadou 127,9 milhões de dólares destinados a um fundo de auxílio para pessoas impactadas pela Covid-19. O Lollapalooza Chicago, que aconteceria em agosto, substituiu a aglomeração do Grant Park por um evento virtual no YouTube, e mesclou shows gravados de edições anteriores de nomes como Paul McCartney e Metallica com apresentações caseiras inéditas, incluindo um reencontro da Porno For Pyros de Perry Farrell.
No Brasil, tivemos o Festival do Orgulho Live em abril com Pabllo Vittar, Aretuza, Pepita, Mateus Carrilho e Urias, cada um de sua casa, com arrecadação de R$ 115 mil em doações para ONGs de apoio à causa LGBTQIA+. Mais recentemente, o Festival Sarará levou artistas como Karol Conka, Lagum, e Djonga (que se apresentaria na agora oficialmente cancelada edição de 2020 do Lollapalooza Brasil) para telas de fãs do país inteiro através de uma transmissão online direto do Mineirão. Já o Coala Festival, no meio de setembro, incluiu apresentações de Mc Tha, Novos Baianos e Gilberto Gil em um evento transmitido de um palco montado no meio de uma mata de localização desconhecida.
Em comum, um detalhe que ainda hoje é inacreditável: além de virtuais, todos esses eventos foram gratuitos. Todos esses talentos se apresentaram sem que o público precisasse necessariamente desembolsar um centavo em troca.
Isso sem contar na própria experiência como espectador. As poucas fotos que eu tenho do Lollapalooza de 2012 foram tiradas com uma Cybershot; agora, dá até para conversar com o artista enquanto ele se apresenta a quilômetros de você – e ainda tirar um print de lembrança.
Liberar espaço na sala para cantar junto com a live – ou, alternativamente, ficar sentado dentro do seu quadrado, como experimentou o festival britânico This Is Tomorrow, ou, ainda, dentro de um carro, como pretendia o Tomorrowland no Brasil – é incomparável à sensação de estar em meio a uma multidão suada, pulando e gritando pela sua banda favorita. É agridoce, é frustrante. Mas é 2020.