Don Broco se ergue numa ode às inconstâncias em “Amazing Things”

Don Broco

Os britânicos do Don Broco retornam às atividades com seu quarto álbum de estúdio, intitulado Amazing Things. Lançado em 22 de outubro de 2021, já conta com táticas interessantes de promoção, surpreendendo nos clipes musicais e investindo em boas referências para anunciar sua próxima turnê. O álbum se caracteriza pela mescla da essência do grupo com projeções experimentais, que desafiam o padrão encontrado nos três primeiros discos da banda.  

A começar por “Gumshield”, que inaugura o álbum com variações agudas e psicodélicas, estabelecendo pano de fundo para os vocais desafiadores de Rob Damiani. A canção traz nuances explosivas ainda no pré-refrão, com excelentes acordes de guitarra. A faixa exprime, de maneira igualmente brutal e enigmática, o sentimento de decepção fatigada e confusa, algo que reflete a experiência do hoje para muitos.

Na sequência, “Manchester Super Reds No. 1 Fan” apresenta construções igualmente caóticas e monumentais, geradas por repetições agressivas e vocais quase falados em distorções envolventes. A canção aponta de maneira mais direta a visão deturpada de alguns indivíduos, que mascaram crueldade com discursos de liberdade de expressão – particularmente na internet. A expansão melódica da voz de Damiani confere ao refrão uma peculiaridade magnética, que faz críticas incisivas à cultura do cancelamento e à invasão de privacidade.

A idílica “Swimwear Season” começa em tons suaves e robóticos, logo revelando uma explosão de queima lenta até entregar uma construção caótica, marcada por screams e acordes vorazes da guitarra de Simon Delaney. A faixa exibe tons obscuros no refrão, puxando o ouvinte para dentro da experiência, de forma que remete a outras grandes produções do gênero, como vistos no célebre Sempiternal, de Bring Me The Horizon. Entre intervalos suaves e outros mais potentes, entrega uma urgência que, ao fim da canção, se torna agonizante de maneira equilibrada.

Numa sequência de voz aguda e construções de origens eletrônicas, a multicolorida “Endorphins” se apresenta como um bom exercício de variação sonora, resgatando padrões já vistos em álbuns anteriores, como no vibrante Automatic (2015). A sucessão que lentamente conduz ao pré-refrão é envolvida por um excelente breakdown, junto da voz de Damiani, majoritariamente sútil e quase sintética, destacando a letra conflituosa numa melodia cativante e bem projetada, que alcança seu auge num refrão magnético.

Através de uma construção ampla, definitiva e majestosa, o ouvinte é apresentado à agridoce “One True Prince”. A faixa é composta por um refrão explosivo na mesma medida que é acolhedor, depois de entregar versos de uma suavidade obscura. A canção transita por uma dualidade de sentimentos, que confrontam um ao outro diretamente – fazer as pazes com o fato de que nem tudo ocorre como esperado e, simultaneamente, confiar em cada nova oportunidade. Nesta narrativa, a guitarra e o baixo, sutil, constroem uma base para a ponte, repleta de vocais ensolarados, lutando contra a tempestade que paira sobre o eu lírico.  

Em “Anaheim”, Rob Damiani relembra um período especialmente delicado que viveu no tocante à sua saúde mental. Em meio a acordes envolventes e oscilações que têm um pé no synthpop, além dos versos sedosos de Matt Donnelly, é apresentado um vulnerável relato sobre se sentir vivo em solitude e, ao mesmo tempo, conviver com reflexões que inserem o eu lírico numa arriscada espiral de insegurança. Os vocais de apoio retornam sutis, logo desaguando no fim da canção, que é amplo e profundo em meio a voz rasgada de Damiani e arranjos elevados de Delaney. A faixa constitui um excelente respiro num álbum que possui, majoritária e compreensivelmente, uma voracidade caótica.

Em meio a oscilações cortantes e explosões grandiosas, envolvidas por notas inquisitivas do piano, a banda retoma outras experiências vividas durante suas turnês na América do Norte – desta vez, apontando a urgência de pautas sociais como o racismo e o preconceito religioso. Em “Uber”, criticaram a aceitação que a intolerância ainda encontra no dia a dia, com uma inflexão urgente na voz de Rob Damiani.

A intensa “How Are You Done With Existing” conversa com os sentimentos de desesperança em Anaheim, dessa vez, da perspectiva de alguém que vê uma outra pessoa se desconectar de si mesma, sem poder alcançá-la efetivamente. Há oscilações secas, envolvidas por vocais sedosos, crescendo em aceleração rítmica. Em geral, é mais lenta, com pontos interessantes de vocais rasgados. O refrão não entrega a mesma explosão de outras faixas, dando lugar a uma emoção mais crua e vulnerável. Há uma belíssima construção da ponte com a guitarra de Delaney, conduzindo a faixa a um final sereno e reconfortante, em meio a acordes mais suaves.

Em “Bruce Willis”, a impressão aguda na voz de Matt Donnelly, junto do piano, embasa um ritmo marcado pela guitarra distorcida e bateria vorazes. A faixa, que leva o nome do premiado ator alemão, traz seu inconfundível bordão como um alívio cômico, que se une à narrativa ácida. Aqui, o refrão volta mais pesado, com maior predominância do baixo de Tom Doyle. Há também um coro proeminente, seguido pelos efeitos sombrios na risada de Damiani.

A expressiva “Revenge Body” traz efeitos igualmente distantes e cortantes, delineando ótimas distorções e misturas de sons, que conduzem o ouvinte a um refrão enérgico e envolvente na mesma medida. A faixa ilustra a temática da estética como ferramenta de vingança e conquista, bem como da admiração alheia e de si mesmo, carregando uma flexibilidade ousada que é clássica de Rob Damiani. A guitarra se eleva e brilha numa ponte acompanhada por beats sintéticos e rugidos robóticos e os breakdowns, explosivos, destacam a precisão com que cada instrumento se complementa na faixa.

Em Bad 4 Ur Health, existe uma construção muito similar às de Arctic Monkeys no aclamado AM, ou até as de The Neighbourhood, no memorável Wiped Out!, em que guitarra e voz acompanham-se elegantemente. A faixa vai ganhando corpo numa união interessante do baixo com sintetizadores. No refrão, explode num desabafo sobre altruísmo que se torna excessivo, caracterizando um problema. Assim, a faixa une tons suaves e expressivos numa reflexão turbulenta sobre os caminhos escolhidos por cada um.

A canção que finaliza o álbum traz consigo um desconforto nublado, percebido na edição de voz, que atua como um véu fino, porém sólido sob a voz de Damiani. Com seu refrão amplo e grandioso, “Easter Sunday” apresenta enorme vulnerabilidade ao abordar a dor do luto – especialmente pelo efeito da pandemia de COVID-19. Aqui, a banda toda encontra seus pontos de destaque e os vocais de apoio oferecem belíssimas harmonias, contrastando com o pano de fundo caótico do instrumental. A canção termina de maneira inesperada e abrupta, destacando sua temática central.

O álbum, portanto, se caracteriza como uma viagem pelas emoções humanas, explorando cada parte desta experiência – indo até seus limites, conversando com temáticas de naturezas distintas e, essencialmente, destacando sua força atemporal. Em meio a oscilações brutais e nuances delicadas, é a expressão de um período de distância em relação a tudo o que se conhecia, e então, enxergar as mudanças internas e externas provocadas pela pandemia – revelando o abismo entre estar sozinho com suas reflexões e registrá-las em forma de música – entregando-a, então, para outras perspectivas em todo o mundo.

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