Em uma nova realidade, a artista expõe seus sentimentos em um brilhante EP.
Simbiatu “Simbi” Abisola Abiola Ajikaw, mais conhecida no mundo musical como Little Simz já deixou de ser uma aposta na cena britânica e tornou-se uma constante. Após o lançamento de 5 EP’s, 4 mixtapes e três álbuns de estúdio, seu novo EP veio para consolidar sua sensibilidade e força através da música.
Simbi é extremamente versátil e seu talento não fica somente na música. Eventualmente atuou em algumas produções britânicas, sendo a mais recente “Top Boy” da Netflix, que contou com a produção do rapper Drake. Anteriormente, participou da trilha sonora do filme “Leave To Remain” na faixa “Leave It As That”.
Ademais, a cantora começou a fotografar por hobby, mas está se dedicando nas fotos em preto e branco, uma delas sendo a capa do single “Selfish” de seu terceiro álbum (que falaremos posteriormente) com a atriz Letitia Wright, conhecida por seu papel como Princesa de Wakanda no filme Pantera Negra (papel para qual Simbi também fez testes).
Carreira Musical
Seu trabalho como musicista começou em 2010, onde já tinha mixtapes lançadas (“STRATOSPHERE”). Em 2015 lançou seu primeiro álbum, “A Curious Tale of Trials + Persons” e o trabalho foi lançado pelo seu próprio selo, AGE 101: MUSIC. O álbum garantiu também indicações para prêmios como o WORDWIRE AWARDS, onde ganhou na categoria Artista Revelação do Ano. O projeto todo foi escrito por ela, com exceção da quinta faixa, “Gratitude”.
O segundo álbum de estúdio veio no final de 2016, intitulado “Stillness in Wonderland”. Foi inspirado na obra de Lewis Carroll “Alice No País Das Maravilhas”, onde se apropria da história e cria metáforas e vários paralelos. Ela vê na sua própria mente o escapismo da realidade e o aprofundamento nela mesma. Durante 2017, abriu a turnê do Gorillaz em vários países, além de seu feat. na música “Garage Palace”. Little Simz também já abriu shows para a cantora Lauren Hill.
“Grey Area”, seu terceiro álbum, foi lançado em março de 2019. O assunto que permeia o trabalho é essencialmente sobre a faixa etária de transição entre os 20 e os 30, que ela classificou como “área cinza”. Inegavelmente o mundo torna-se mais complexo do que anteriormente parecia, retrata também sua libertação e jornada pessoal de autoconhecimento.
A mistura de estilos inclusas no projeto era para torná-lo mais inclusivo e elevou a música com os refrões extremamente marcantes, assim como a linha de baixo. Além disso, o instrumental é extremamente rico, talvez também pela mistura de gêneros que influencia seu trabalho. Com ele, conseguiu maior notoriedade na cena, foi indicada em premiações como o Mercury Prize, ganhou o palco dos grandes festivais (incluindo Coachella e Glastonbury) e levou sua arte para novos lugares do mundo, incluindo o Brasil (Popload Gig Festival de 2019 e um show no Rio de Janeiro).
Surpreendentemente, pouco após um ano do lançamento de seu terceiro álbum, Little Simz nos presenteia com um novo projeto. O EP “Drop 6” estreou no dia 6 de maio desse ano, um presente de quem está de quarentena para quem está de quarentena (confuso? Pois é real).
Um novo EP em tempos difíceis
Provavelmente, “Drop 6” não alcançará seu potencial por conta dos tempos em que estamos vivendo, mas é exatamente por isso que ele é especial. O otimismo cauteloso e incerto com o cheiro de medo sempre presente similarmente está na maioria de nós. A incerteza é um dos sentimentos que possuímos nesse momento em comum, e a cantora explora-o de maneira certeira em todas as faixas. A fim de animar nas melodias, as letras não negam os verdadeiros sentimentos que nos cercam. Um trabalho que, ao mesmo tempo que possa parecer vir num momento incerto, acima de tudo vem com o efeito de nos acalentar, traduzir os nossos sentimentos mistos de confusão ao mesmo tempo que nos entretem.
“might bang, might not” começa o EP com um ritmo acelerado, ainda que com menos elementos sonoros, nos remete diretamente aos anos 90, sonoramente e durante sua letra. A geração que nasceu nesta década compreende melhor os temores e clichês expressos ao longo da música, a dificuldade de dormir, os salários da nossa geração, incerteza do futuro próximo, a dificuldade de encontrar novos caminhos que nos satisfaçam profissional e pessoalmente.
Definitivamente ela despeja todas as agonias na letra de forma rápida. Em suma, musicalmente entrega toda a sua versatilidade, percepção e arte como um dos grandes futuros nomes da música.
“one life, might live” traz também em seu título o tema central, desse modo, inclui também frases clichês que ouvimos o tempo todo, como um mantra de auto-ajuda que pode funcionar. A percepção da letra/voz destacada da melodia reforça a ideia de conselho e prova suas percepções e conhecimentos já adquiridos e vividos. Como exemplos das frases clichês, temos as expressões abaixo:
“Know your limit, know your worth, know personal space
Give me that, give me lemons, I’ll make lemonade (…)
Say you’re born to do this, but you ain’t got what it takes”
Tradução: “Conheça o seu limite, saiba seu valor, conheça o espaço pessoal/ Me dê isso, me dê limões, eu vou fazer limonada (…)/ Digamos que você nasceu para fazer isso, mas você não tem o que é preciso”
“damn right” com acordes em looping, Simbi conta como é viver e crescer em Londres, como tudo mudou da era analógica para a digital, os problemas que todos os jovens enfrentam sem ter um manual ou norte para seguir, uma cidade em que tudo consome, mesmo quando você acha que está no topo. Um ciclo (assim como a melodia em looping) em que tudo que vai, volta.
“you should call mum” mais uma música sobre as angústias de 2020. A privação de sono de uma mente borbulhando em rimas e versos, a pressão em ser produtivo no meio do caos. 2020 definitivamente deixará marcas em todos, mas Simbi em contraste de outros artistas, sintetiza muito bem em apenas uma música o caos pessoal do momento atual com uma batida de hip-hop pulsante e rimas complexas.
Para fechar o EP, “where’s my lighter” traz a linha de baixo acentuada, sua marca registrada, mas dessa vez, sintetizada. O vocal etéreo e distante de Alewya (ft. da música), traz a esperança e conforta o que Simbi sente, questiona e rima, mas apesar de todas as adversidades desse momento histórico, transmite a esperança de dias melhores.
Logo após ouvir o EP completo, a sensação de conforto por uma artista conseguir traduzir todas as angústias e questionamentos que nos fizemos durante esse período preenche todo o ambiente. No momento em que estamos vivendo, a música é a arte que mais nos traz para a realidade, ao mesmo tempo que nos transporta para outros lugares. Little Simz acerta em cheio no momento para trazer isso ao público, todos estavam ansiosos para seu próximo passo após “Grey Area” e esse projeto pode não ter o alcance esperado, mas confirma a qualidade artística e criativa da cantora. Provavelmente, nenhum de nós gostaríamos de reviver o que estamos passando no período pós-pandemia, ou seja, o melhor momento para liberar a expressão sobre o agora é agora.
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