Fontaines D.C, Molchat Doma e os novos rostos do pós-punk

Da origem na década de 1970, passando pelo seu primeiro revival nos anos 2000 e chegando aos ouvidos da Geração Z, o pós-punk consegue se manter como um gênero extremamente relevante no cenário musical atual

O pós-punk é tradicionalmente descrito como um gênero que surgiu dentro da primeira onda do movimento punk. Durante a década de 1970, o punk surgiu como uma forma de se expressar dentro das artes plásticas, literatura, moda e também na música. Cantando sobre se rebelar contra o sistema, o Sex Pistols moldou toda uma forma de se posicionar da juventude britânica, fazendo com que muitos também ficassem com vontade de aprender o básico de um instrumento e começar a fazer seu próprio som.

Contudo, muitos também queriam fugir do caráter simplório que o punk possuía e decidiram expandir seus horizontes na hora de montar novos grupos. O pós-punk aparece no cenário sendo mais diverso, com os músicos ultrapassando os limites do seu gênero originário. Bandas como Joy Division, Gang Of Four, Wire e Au Pairs também sabiam flertar com a música eletrônica, new wave e o gothic rock (se tiver mais interesse no assunto, dê uma lida no texto da Semana do Rock aqui do ROCKNBOLD).

No início dos anos 2000, veio o momento de revitalização do rock alternativo liderado pelo Strokes, que fez com que artistas inspirados no indie rock, garage rock e punk voltassem a estampar capas das revistas de música. Dessa forma, o pós-punk passou pelo seu revival, apresentando Interpol, Editors, White Lies, The Walkmen e The Horrors para o mundo. A maioria dessas bandas continua na ativa, porém, o estilo continua sendo renovado, com novos grupos surgindo e ocupando espaço nas playlists do público jovem.

A cena irlandesa e britânica

A partir da segunda metade dos anos 2010, IDLES, shame e Fontaines D.C começaram a encantar o público europeu, rendendo grandes turnês, performances em festivais renomados como Glastonbury e Lollapalooza e até show no Brasil – o shame foi atração do Balaclava Fest de 2019.

O IDLES (que já ganhou texto por aqui) vai mais para uma pegada do punk tradicional, mas também usa dos elementos do pós-punk para debater sobre temas delicados de uma maneira feroz. Com dois discos lançados, “Brutalism” (2017) e “Joy as na Act Of Resistance” (2018) servem para tocar na ferida de muitos britânicos tradicionais ao cantarem sobre masculinidade tóxica, privilégio branco e os dilemas das classes sociais menos favorecidas. Já o shame lançou “Songs of Praise” em 2018 e se destacou ao conseguirem conectar a energia caótica do punk com arranjos bem trabalhados de guitarra. A imprensa inglesa os colocou como donos do título de novos salvadores do rock, por exemplo, ao receberem a nota máxima da NME na review do álbum do grupo.

Por último, o Fontaines D.C é o principal grupo irlandês desse contexto. Com dois álbuns de estúdio lançados, “Dogrel” (2018)é um retrato do cotidiano de Dublin, mostrando toda sua paixão e críticas a cidade e seus moradores. Como na música “Big”, onde eles comparam a cidade a uma grávida de mente católica. Enquanto isso, no “A Hero’s Death”, trabalho do grupo lançado esse ano, a ideia é discutir temais gerais, como amor, solidão e dilemas da vida.

O cenário estadunidense

Enquanto o Joy Division foi o responsável por mostrar a cinzenta Manchester para o resto do mundo, o Protomartyr usa o cenário de Detroit para apresentar todas as suas amarguras. Formados em 2010, imediatamente ao apertarmos o play no “Ultimate Success Today” (2020), último álbum da banda, conseguimos sentir toda a raiva e clima pesado que eles colocam em suas composições. Entretanto, a sensação de nuvem escuras pairando no céu fica fora de seus videoclipes. Inclusive, o clipe de “Processed By The Boys” é inspirado na luta hilária que ocorreu na televisão amazonense entre Galerito e Gil da Esfirra (sim, é sério).

Ao contrário dos seus colegas, o Parquet Courts já explora todo um cenário alegre em suas músicas. Dentro do cenário pós-punk atual, eles são, provavelmente, a banda mais conhecida, visto que se tornaram os queridinhos da cena nova-iorquina. Com certeza, isso não ocorreu somente pelo som deles ser bom, mas também pelo fato de que eles souberam flertar bem com outros gêneros. No início, ficavam presos em suas referências punk e de garage rock, mas em “Wide Awake! ” (2018), eles abraçaram o funk e o indie, conseguindo alcançar novos ouvintes.

A surpresa bielorrussa

Longe das ilhas britânicas e ainda mais distante os Estados Unidos, a cidade de Minsk na Bielorrússia vem sendo cenário de destaque na mídia. Primeiro, por todo o conflito político do país, que possui Aleksandr Lukashenko como presidente desde 1994. Conhecido como o último ditador da Europa, ele foi reeleito pela quinta vez em 2020, em tese, com mais de 80% dos votos. Desde então, os cidadãos do antigo país soviético estão indo às ruas para protestar contra a perseguição à oposição e outras atitudes do governo.

O segundo motivo de destaque é a cena pós-punk da cidade que conquistou uma legião de fãs bem distantes do leste europeu. Como isso aconteceu? Nesse ano, o grupo Molchat Doma viu a música “Судно” viralizar no Tiktok. No aplicativo, existem mais de 120 mil vídeos com ela sendo usada e a hashtag “#molchatdoma” possui mais de dezesseis milhões de visualizações. Utilizando dos elementos tradicionais do pós-punk e incluindo sintetizadores e batidas dançantes, o grupo apresenta a brutalidade da arquitetura soviética em suas músicas.

Mesmo com as letras em russo, os mais de um milhão e trezentos mil ouvintes mensais do Spotify não precisam traduzir elas para compreender que elas falam sobre situações bem obscuras. Em entrevistas, eles já admitiram que não cantam sobre a política do país, devido à falta de liberdade de expressão na Bielorrússia, mas a carga negativa do conteúdo deles consegue sobressair entre o looping de drum machine e os sintetizadores que estão nos álbuns “С крыш наших домов” (2017) e “Этажи” (2018).

Da mesma cidade, porém, cantando em bielorrusso, temos o duo Nürnberg. Influenciados pela depressão das cidades após o fim da União Soviética, eles utilizam de suas músicas para falar sobre os conflitos da sociedade industrial atual e para explorar o lado mais existencialista deles. Da mesma forma que seus companheiros, os álbuns “Paharda” (2020) e “Skryvaj” (2018) utilizam muito de sintetizadores e baterias eletrônicas. Outras bandas bielorrussas que exploram o pós-punk com outros estilos – principalmente, a música eletrônica – são o Super Besse e o Dlina Volny.

Da origem na década de 1970, passando pelo seu primeiro revival nos anos 2000 e chegando aos ouvidos da Geração Z, o pós-punk consegue se manter como um gênero extremamente relevante no cenário musical atual. Ao superar décadas e fronteiras geográficas, ele se coloca entre os estilos mais interessantes da cena underground, mas também conquistando seu espaço comercialmente.

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