Verás que Limonge não foge à luta

Imagem: Divulgação
Cantor, compositor e multi-instrumentista, Limonge utiliza a música como uma forma de desabafo sobre a situação atual do Brasil

No dia 7 de setembro, feriado nacional que se celebra a Independência do Brasil, Limonge lançou seu terceiro single de 2020 intitulado O Novo Hino Nacional, junto ao videoclipe. O vídeo simula tipos de jornais comuns na TV, apresentando uma série de notícias absurdas inspiradas nos versos da música como destaque.

Hino Nacional” procede “Temporal (Qual é seu Deus?)” e “Dom Quixote, O Presidente do Brasil“, que funciona como uma crítica direta ao Presidente Jair Bolsonaro. Sem a menor intenção de se mostrar apartidário, artista utiliza não só suas canções, bem como suas plataformas digitais para conversar com o público sobre a atual situação do país, tanto em tempos de pandemia quanto de instabilidade política.

Os singles seguem dois álbuns de estúdio, produzidos completamente de forma independente. Ambos trabalhos seguem uma linha diferente da qual Limonge pretende abordar no atual momento de sua carreira, É a Nossa Voz (Éramos Nós, Sempre Seremos), seu trabalho de estreia, preza por contar histórias através das 11 faixas que o compõem, abordando sentimentos como nostalgia e a necessidade de crescer pessoalmente se desprendendo de experiências passadas.

Em Nem Todos São Como Astronautas, que chegou em 2017, traz nas músicas uma imersão particular muito maior do que o primeiro álbum de Limonge. Nele, o cantor resolve abordar temas como superação e depressão. Além disso, os fãs tiveram uma enorme participação no processo de criação do trabalho, que foi realizado com a ajuda de um financiamento coletivo.

No ano passado, Limonge juntou ambos álbuns em um DVD ao vivo intitulado Sobre Viver, que também tem sua versão em CD.

O ROCKNBOLD teve a oportunidade de bater um papo com Limonge, conversando sobre o atual momento político do país, além de relacionamento com os fãs e processo criativo. Confira abaixo a entrevista exclusiva.

Como foi todo o processo criativo de escrever “O Novo Hino Nacional”? Desde a escolha do título, roteiro do clipe, composição, etc.

O processo de composição dessa música foi meio doido, tanto que nem tenho como chamar isso de “processo”. (risos)
Ela simplesmente nasceu no meio de um jornal que eu estava assistindo, era uma sequência de matérias tão absurdas (terminando com o presidente cantando o hino nacional, ao menos a última que vi) que pensei na hora “caramba, o hino não faz o menor sentido com tudo que rola no país, a gente precisava de uma música sobre isso”, peguei o caderno e criei a composição em uns 10 ou 15 minutos.
O clipe foi inspirado nesse momento, depois de criar a música eu montei o roteiro, adaptando algumas matérias reais com um toque de ironia, passei pra Pimen (minha baixista que também edita vídeos), gravei na semana seguinte as cenas em casa mesmo, e a música foi pro mundo.

Qual é a importância de se posicionar política e socialmente na música, principalmente nesse ano que vivemos? Você acha que é um dever do artista produzir músicas e clipes com esses assuntos?

Ao meu ver, o posicionamento tem uma importância imensa.

Óbvio que nem todo artista gosta dessa exposição, de se arriscar, dar a cara a tapa, muito menos mudar o “roteiro” da carreira, deixando de falar de coisas universais pra focar em um tema sensível como esse (ainda mais no Brasil), mas eu enxergo a arte como algo muito maior do que entretenimento, ela tem o poder de tocar as pessoas de outra forma, gerar reflexão, questionar, incomodar, de forma que uma matéria de jornal não faz. A música precisa desse viés, óbvio que não só dele, mas se ela é capaz de fazer as pessoas se abraçarem e cantarem pela paz, pelo amor, pela diversão, porque não teria o poder de fazer alguém colocar a mão na cabeça e pensar “mas gente, faz sentido isso aí, como que nunca enxerguei esse cara dessa forma?”, e é esse meu objetivo com isso, não só atacar, mas questionar, fazer pensar, botar na parede e dizer “é assim que penso, me prova que to errado!”, tanto que tenho milhares de discussões nas redes sociais por isso, e em algumas, esse questionamento se mostra efetivo… e assim, aos poucos, a gente muda o panorama.

Tanto que minha música não visa ofender quem apoia o presidente, mas questionar a posição mostrando a visão contrária, e assim a conversa nasce.

Você também já abordou muito a depressão e a saúde mental em trabalhos anteriores, como você se sente sendo tão transparente com o seu público em relação a seus momentos,fases da vida e pensamentos,opiniões?

No meu caso, a arte é reflexo cru do que sou e sinto. Não consigo escrever ou compor sobre algo que não seja verdade pra mim, algo que não me inspire. Sempre fui muito claro com as pessoas que me acompanham sobre isso, óbvio que nem todos se conectam o tempo todo com o que falo, pois os assuntos variam muito, mas é isso que eu sou, não consigo criar uma persona e ser monotemático, as pessoas são muito maiores que um tema, e isso transborda pro que faço. Tem fãs que acompanham tudo, alguns concordam com algumas coisas e discordam de outras, outros gostaram de uma música só e, depois desse movimento político, me mandaram à merda, mas eu não me importo, faço música porque amo música, não porque quero números… e quem me acompanha tem que estar ciente disso.

Que tipo de mensagem você pretende passar para seu público com seu trabalho?

Tentando resumir em poucas palavras, o ponto que quero que enxerguem, no geral, é que somos muito maiores que um tema, podemos ter opiniões diversas, podemos não concordar em algumas coisas, mas com conversa e respeito, conseguimos chegar em algum lugar.

E as redes sociais, você acha que elas ajudam a transmitir essa mensagem e deixa-la mais clara? Como você utiliza as redes sociais para ajudar seu trabalho?

As redes são primordiais para o crescimento desse trabalho, mas tem um problema imenso (que o documentário O Dilema das Redes evidencia bem): nós falamos apenas para nossas bolhas, tanto que quando lancei a primeira música dessa leva (Dom Quixote, o Presidente do Brasil) recebi algumas criticas, mas a aceitação foi imensa, e não era o que eu queria, a música não é direcionada pra quem não apoia o presidente, mas pra quem apoia, a ideia é questionar, entender, virar o jogo, e isso me incomodou bastante.

Resolvi criar uma série de anúncios com trechos da música direcionados para apoiadores do presidente, e aí sim, comecei a puxar conversa com eles (no meio das ofensas) pra entender o porquê do apoio, porque acreditavam nesse ser… grande parte me ameaçou, me ofendeu, não retribuiu o papo, mas uma parcela se abriu ao diálogo, entendeu meu ponto e, pasme, virou até fã… as redes têm muitos problemas, mas sem elas, eu não chegaria nesse resultado.

Como está sendo seu processo criativo durante o período de quarentena? E como você conseguiu se reinventar nesse período, em que não é possível fazer shows e a produção de clipes (presenciais) acabou ficando com mais limitações?

O processo nesse período tem altos e baixos, não é fácil viver em isolamento, e isso pesa na saúde mental… tem semanas que escrevo 4 ou 5 músicas, depois passo um mês remoendo a situação e me afasto um tanto, aos poucos equilibro os pratos, mas não é fácil mesmo. Eu sempre fui bem “solo” nesse sentido musical, sempre compus e gravei tudo sozinho em casa, então isso facilita bastante também, óbvio que sinto falta dos shows, do contato com pessoas, mas na minha rotina musical, não mudou tanto!

Quais são seus planos futuros? E qual é a primeira coisa que você deseja fazer quando o período de pandemia passar?

Eu evito hoje ter muitos planos a longo prazo (risos), tinha planejado parar de tocar por um ano para poder respirar em 2020, mas o Bolsonaro fez o favor de me dar milhares de motivos pra mudar o rumo e voltar a compor, então nesse momento eu to deixando a vida me levar, vamos ver o que vai rolar… um fato concreto é que disso tudo vai nascer um álbum, mas depois dele, vamos ver.

E sobre a primeira coisa que quero fazer quando a pandemia passar, com certeza é um show, saudade imensa de pisar em um palco!

Como é sua relação com os fãs? Que tipo de diálogo/relacionamento você possui com seu público?

É uma relação incrível, eles são meus parceiros em tudo, tenho contato direto com a grande maioria e eles me inspiram muito a continuar nessa. Mesmo alguns que não concordam com minha visão política, entendem e me dão gás pra seguir, sem eles isso não estaria acontecendo. Não sou do tipo que gosta de se sentir em um pedestal, eu gosto de saber quem é quem, bater um papo, mesmo que esporadicamente, porque são eles que sustentam minha arte, sem eles eu não seria músico, eles merecem minha dedicação e atenção.

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Facebook: Limonge Oficial / Instagram: @limonge.oficial / Spotify: Limonge

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