Reunindo diversos gêneros, a cena alternativa musical não decepcionou em 2020. Com retornos de grandes artistas, aventuras experimentais e resultados do isolamento, neste ano, os artistas trouxeram trabalhos totalmente confessionais e ainda mais densos, desde os já conhecidos ao grande público e até os pequenos nomes na indústria fonográfica. Dessa forma, o ROCKNBOLD selecionou os 15 melhores lançamentos do alternativo em 2020.
Por Beatriz Pôssa, Bruna Antenore e Júlia Baruki
Adrianne Lenker – songs / instrumentals
Adrianne Lenker, vocalista e guitarrista do Big Thief, sempre encontrou em suas composições formas de expressar suas perdas e arrependimentos do passado. Em 2019, junto com sua banda, lançou os aclamados U.F.O.F e Two Hands, o que rendeu ao grupo indicação ao Grammy e uma aguardada turnê para 2020. Com a impossibilidade de ocorrem shows, Lenker utilizou desta situação para entregar dois trabalhos que tem como objetivo se complementarem. Assim, isolada nas montanhas de Massachusetts, a cantora buscou na solidão das paredes de madeira de sua cabana, mais uma forma de se comunicar com seus ouvintes.
Composto por onze baladas acústicas, songs destaca a poesia comovente e melancólica de Lenker. Capturando as verdades de suas letras, somos imersos em seu pequeno local de isolamento, presos na natureza e também em sua mente. Visto tanto quanto um álbum de quarentena quanto um trabalho para superar um término, songs é uma dessas obras que só 2020 poderia nos apresentar. Embora os dois registros de Lenker estejam conectados, eles também possuem vidas separadas. instrumentals é composto por duas faixas acústicas – cada uma com em torno de vinte minutos de duração, resultado de pouquíssimas sessões com seu engenheiro de som. Tentando encontrar a beleza das coisas em pequenos momentos e em situações difíceis, Adrianne Lenker entrega com songs e instrumentals, duas obras sobre a arte de se admirar o que está ao seu redor.
Angel Olsen – Whole New Mess
Gravado em uma igreja nos arredores de Anacortes, Washington, Angel Olsen retorna a músicas de seu passado recente em seu novo álbum. Whole New Mess é um misto de canções revisitadas do All Mirrors (2019) com inéditas, o que surpreende, principalmente, pelo fato de que seu trabalho anterior encontra seu destaque nas orquestrações e uso intenso de sintetizadores. Agora, tudo isso é deixado de lado e Olsen se apresenta apenas com a força de sua voz e guitarra.
Nas inéditas “Whole New Mess” e “Waving, Smiling”, se encontram similaridades com o som original da artista, que ela apresentou em Strange Cacti (2011) e Half Way Home (2012), um presente agradável para os fãs dos primeiros trabalhos dela. Já nas outras nove faixas, agora elas estão de uma forma mais dramática e crua. Canções como “Lark”, “(New Love) Cassette” e “(Summer Song)” seguem apresentando as mesmas dores de Olsen, mas agora por uma nova ótica ainda mais pessoal e dolorida.
beabadoobee – Fake It Flowers
Ao contar sobre seu álbum, Beatrice Laus afirmou que o objetivo dela é ser, através de seu som, a irmã mais velha que ela nunca teve para outras pessoas. Considerada por muitos críticos a voz da nova geração, a artista de vinte anos começou a montar sua base de fãs no TikTok.
Admiradora dos anos 1990, suas músicas são totalmente influenciadas pelo o que as bandas apresentavam na época. Produzido por Pete Robertson, ex-baterista do The Vaccines, “Fake It Flowers” mostra um grunge grudento em que os riffs de guitarra distorcidos acompanham bem a voz dela.
Tocando em feridas pessoais, mas sem tornar a experiência desconfortável, as doze faixas fluem de maneira tranquila, principalmente, a primeira metade do trabalho. Em seu álbum de estreia, beabadoobee executa de maneira agradável todas as suas referências musicais e ainda deixando o gostinho de que irá abraçar novos estilos em trabalhos futuros.
Fiona Apple – Fetch the Bolt Cutters
Fiona Apple parece mais esperançosa em Fetch the Bolt Cutters (2020), álbum que segue o estrondoso (e razoavelmente pessimista) The Idler Wheel…, de 2012. Conseguimos observar em suas letras e em entrevistas que a artista foi bastante impactada pelo movimento #MeToo que explodiu em 2017 após diversas denúncias de abuso sexual contra o então produtor Harvey Weinstein.
É claro que isso não é um assunto novo para a veterana – desde Tidal, seu álbum de estreia de 1996, Fiona já cantava sobre relacionamentos tóxicos, abuso de poder e co-dependência afetiva, e ao longo dos discos a presença desses temas só cresceu. Mesmo na época do lançamento de Tidal, com 19 anos, Fiona era bastante vocal sobre as violências que ela mesma sofreu na infância.
Contudo, Fetch the Bolt Cutters assume uma faceta diferente: além de Fiona reconhecer o desenrolar de um trauma por toda a vida de uma mulher, a cantora retorna aos anos iniciais para colocar em perspectiva sua história com a opressão. Através das descrições do bullying que sofria na escola católica onde estudou, Fiona busca perdoar as meninas que a fizeram sofrer na época, mesmo que reconheça nelas o surgimento de uma relação difícil com mulheres que iria acompanhá-la pelo resto da vida. Paralelamente, tenta ressignificar outras personagens que foram apagadas da narrativa, como em Shameika, canção sobre uma colega da escola que defendeu Fiona, e que posteriormente promoveu o reencontro das duas.
Por todo o disco Fiona aproxima as dores da solidão da infância (como em Fetch the Bolt Cutters – “And I listened because I hadn’t found my own voice yet”) à percepção adulta de que sua voz está sendo silenciada, o que traz, por exemplo, em Newspaper ou Under the Table. Diferente então de seus outros discos, no seu álbum de quarentena Fiona afirma que as amizades com as mulheres à sua volta são como redes de apoio para o trauma ser trabalhado coletivamente. Fiona impulsiona então um senso de irmandade por todas as músicas, encontrando neste movimento uma possibilidade de se perdoar.
Fleet Foxes – Shore
Fleet Foxes nunca foi uma banda de seguir as tendências do momento. Na realidade, sempre se destacou pela beleza de seu folk americano que não assume padrões encontrados por outros artistas do meio. No entanto, em 2020, veio com “Shore”, álbum com o diferencial de não ser o som característico do grupo. Embarcando no pop e deixando o folk um pouco de lado, “Shore” é uma experiência imersiva na vida de Robin Pecknold, é como o acompanhar em uma viagem de carro pelo litoral.
Além da leve mudança de estilo, as participações influenciam no frescor sonoro do álbum. Logo na primeira faixa, Pecknold é acompanhado por Uwade Akhere e um coral de crianças. Depois, em “Going-to-the-sun Road”, é imediatamente reconhecível a influência da música brasileira, principalmente, do Clube da Esquina. Para completar a homenagem ao nosso país, Tim Bernardes canta em português os versos finais da canção.
HAIM – Women In Music Pt. III
As irmãs Haim chama a atenção do cenário da música alternativa desde 2012. Primeiro vieram os singles “Don’t Save Me” e “Forever”, mostrando a dinâmica perfeita entre as três integrantes da banda. No ano seguinte, “Days Are Gone” chegou ao público com suas onze faixas dançantes, rendendo críticas positivas e levando o som delas para os principais festivais dos Estados Unidos e Europa. Em 2017 veio “Something To Tell You”, que falhou em superar a qualidade dos projetos anteriores do trio. Assim, com “Women In Music Pt. III”, a banda renasce em uma obra sobre libertação.
Lançado em junho, o disco abre espaço para cada irmã mostrar sua perspectiva de mundo, ao mesmo tempo que, musicalmente, elas se complementam. Liderado por Danielle Haim – principal compositora e uma das produtoras ao lado de Ariel Rechtshaid e Rostam Batmanglij, HAIM entregou um dos álbuns mais sinceros de 2020 ao conseguirem passar nas canções seus medos, frustrações e formas diversas de lidar com as situações difíceis da vida. Explorando tudo o que podiam dentro do rock alternativo e pop rock, por exemplo em “The Steps” e “3am”, o disco também possui faixas mais acústicas e até “Another Try”, canção totalmente influenciada pelo reggae.
Hayley Williams – Petals For Armor
A cantora já conhecida para os fãs do alternativo por ser vocalista do Paramore, Hayley embarca em sua aventura solo com Petals For Armor, um trabalho onde mostra todo seu amadurecimento e dores de forma ainda mais pessoal. Neste projeto ela apresenta aos fãs toda a sua versatilidade e sua voz marcante ganha nuances mais sutis e comedidos do que o público majoritariamente está acostumado.
“Simmer” foi o single escolhido para apresentar sonoramente o álbum para o público. Cauteloso, com um trabalho de guitarra mais denso e a voz mais branda já se mostrava bem diferente do emo e do alternativo animado que eram marcas registradas das músicas pelas quais conhecíamos a Hayley. “My friend” é a sétima música e começa a apresentar a superação através das pessoas que a rodeia. Músicas mais otimistas tomam conta das faixas restantes, sendo um excelente álbum para escutar com atenção nesses tempos difíceis.
Khruangbin – Moderchai
A agradável mudança nos ventos do Khruangbin veio em excelente hora. Conhecidos no alternativo pelo instrumental recheado de referências múltiplas que fazem jus ao nome, a banda nos trouxe mais um trabalho mergulhado em melodias sem fronteiras que se cruzam de forma harmônica e, dessa vez, as músicas vieram com um trabalho vocal maior em extensão e qualidade.
Quase dois anos após o lançamento de Con Todo El Mundo, Mordechai traz ainda o som fluido, sem esforço aparente mescla funk, soul, world, rock psicodélico e psicodelia moderna, uma mistura que fideliza novos fãs, sem desagradar os mais antigos. A década de 70 e 80 são chaves cruciais para o trabalho, como em “First Class” e “Time (You and I)”. “If There Is No Question” e “Pelota” vieram com referências mais latinas, a última reunindo elementos de diversas culturas, incluindo as palmas do flamenco. O trabalho de guitarra primoroso de Spencer e a voz de Laura Lee dão para a música alternativa de 2020 algo genuinamente interessante, com resultados mistos em suas canções, que não pertence a nenhum gênero específico, mas que flerta com todos.
Phoebe Bridgers – Punisher
Em seu segundo álbum, Phoebe Bridgers parece muito mais confiante em seu estilo e referências. Há um casamento perfeito entre a produção onírica das músicas e as letras de Phoebe, que buscam o tempo todo criar uma atmosfera de estranhamento com as paisagens das suas memórias, uma vez que com a passagem do tempo tendemos a enxergar o passado com cores exageradas.
Phoebe canta sobre a sensação familiar de retornar à cidade natal e não reconhecer mais o espaço e as pessoas que foram tão importantes para seu amadurecimento. Com este movimento, o tempo todo reflete sobre sua autopercepção, agora distorcida, tomando rumos corajosos em enfrentar seus demônios, como propõe principalmente em Punisher, Halloween e Savior Complex. Essas músicas em particular soam como um acordo com os erros que podemos cometer quando nos permitimos nos relacionar com os outros, e Phoebe não tem medo de admitir que essas relações podem se tornar um ciclo de padrões dolorosos, em que identidades são perdidas ou transformadas em artifícios.
Outro tema recorrente de Punisher é o deslocamento – Phoebe traz suas angústias sobre a vida na estrada, como em Kyoto e I Know the End, sua trajetória associada a uma busca incansável por uma sensação de pertencimento desde que partiu da sua cidade natal, mesmo que esta também tenha sido responsável por um sentimento de inadequação (“But I’m not gonna go down with my hometown in a tornado”). Assim, Phoebe Bridgers explora de maneira muito interessante, através das lentes das memórias e dos sonhos, as incertezas do amadurecimento e a dificuldade de encontrar seu lugar no mundo.
Punisher é um álbum pontual ao lidar com os medos da infância transfigurados na vida adulta, além de uma representação rica da atual geração, muitas vezes paralisada pela grandiosidade do mundo e que luta para se permitir se sentir feliz.
Soccer Mommy – color theory
A revelação do indie em 2018, Sophia Allison retorna com seu segundo álbum “color theory”. Um retrato de uma jovem, que acabou de chegar aos 22 anos e tem que lidar com as dificuldades e pressões da vida adulta. Diferente de “Clean” (2018), um trabalho visceral e feroz, “color theory” pisa no freio e é suave e até relaxante. A sensação de conforto das melodias esconde os relatos sombrios e pessoais das letras.
Expondo sua vulnerabilidade totalmente para o ouvinte, somos convidados para entrar em seu cotidiano e sentir todas as suas dores. Por exemplo, a incrível “yellow is the color of her eyes” é sobre a sensação que a cantora possui de que está ficando sem tempo para ficar com sua mãe, que possui uma doença em estado terminal. Ao mesmo tempo esperançoso e desesperador, “color theory” apresenta toda a tristeza, ansiedade e medo de uma artista que está explorando formas de se abrir para o mundo.
Tame Impala – The Slow Rush
O mainstream alternativo ganhou esse álbum primoroso do Tame Impala cinco anos após o sucesso de Currents. Kevin Parker em sua imersiva e incansável busca pelo equilíbrio entre a inovação e o psicodélico apresentou em The Slow Rush sua plasticidade sonora e criatividade de maneira magnífica. Uma das grandes satisfações ao longo da experiência sonora do álbum é observar padrões sonoros criativos, sem amarras da indústria fonográfica ou seguindo tendências, algo que poucos artistas conseguem fazer plenamente.
A profundidade e atmosfera sonora densa desenvolvida ao longo do projeto mostra a evolução do Tame Impala. Alguns vestígios se apresentam como algo que já temos em mente ter escutado por um momento, mas que, de algum modo, ganha ainda mais corpo e conseguiu se desenvolver de forma mais plena. O importante da viagem sonora alternativa que Parker sempre transmite ao ouvinte é exatamente que nunca escutamos a mesma coisa: em cada play nossa percepção é diferente, notamos melhor notas, padrões ou até mesmo trabalhos instrumentais que antes não reparamos.
The Strokes – The New Abnormal
The Strokes é outra banda já conhecida no alternativo, Julian Casablancas e seus companheiros trazem um revival moderno de sua própria trajetória musical. A sonoridade já conhecida moldou o gênero durante o início dos anos 2000 e serviu de inspiração para muitas bandas mas, dessa vez, o álbum traz de volta o que tornou a banda um grande nome na indústria.
A obviedade certeira é o ponto chave em The New Abnormal, não entregam nada além do que esperamos do The Strokes e, exatamente por seguir o que já é conhecido, alcançou bons resultados. A primeira música já é um resumo dos temas abordados ao longo do álbum. “Bad Decisions” vem com riffs que se assemelham a trabalhos anteriores da banda, soando nostálgico e revisitando seus primórdios sonoros. “At The Door” é comovente e remete um pouco a “Instant Crush”, música de Julian com o Daft Punk. A grande característica são os altos e baixos das músicas, tanto em ordem quando em ritmo, ora acelerando, ora pisando no freio. Encerrando, “Ode To The Mets” possui o instrumental mais interessante de toda a obra, uma sensibilidade crua que a voz de Julian consegue transmitir de forma clara.
The 1975 – Notes on a Conditional Form
Expondo a criatividade complexa e expansiva de seus membros, Notes on a Conditional Form é o álbum em que The 1975 se desprende de todos os rótulos que eles ainda poderiam estar inseridos. Com oitenta minutos de duração, misturando rock alternativo, pop punk, música eletrônica e pop, o grupo apresentou um trabalho brilhantemente produzido, mas que ao mesmo tempo se perde em sua enorme proposta. Porém, se pensarmos nele como uma obra de experimentação, são poucos os artistas da atualidade que conseguem ir para várias direções e mesmo assim se encontrar.
Ambiciosas e fora do controle, as vinte e duas faixas são complexas demais para serem entendidas em sua totalidade. Mesmo assim, Notes on a Conditional Form encontra em seus singles algumas das melhores faixas do ano. Do folk sarcástico de “Jesus Christ 2005 God Bless America” ao rock noventista de “Me & You Together Song” e passando pelo punk furioso de “People”, The 1975 entrega um álbum que, apesar de cansativo, não decepciona.
Waxahatchee – Saint Cloud
Por mais variada que seja sua discografia, Katie Crutchfield sempre se destacou por expressar sua verdade. Chegando ao público momentos antes da pandemia, Saint Cloud foi a trilha sonora de muitos durante o período de isolamento. Em seu quinto álbum de estúdio como Waxahatchee, Crutchfield reflete sobre a sua luta contra o alcoolismo e subsequente decisão de ficar sóbria.
Saint Cloud é um retorno sutil e criativo da artista, que não hesita em compartilhar suas experiências de vida. Em diversos momentos embarcamos em suas aventuras, um passeio nostálgico por Nova York ou um confronto doloroso na Arkadelphia Road, por exemplo. Em seu último lançamento, Waxahatchee não tem medo de criar um senso de lugar para suas histórias reveladoras.
Yves Tumor – Heaven To A Tortured Mind
Em 2018, Yves Tumor já chamava atenção com seu som mais experimental e uma mistura de batidas eletrônicas com instrumentos tradicionais e muitos estavam curiosos com os próximos passos do artista na indústria. Em 2020 ele veio com um toque psicodélico, talvez como Bowie soaria em seus momentos mais criativos no século XXI, linhas de baixo bem trabalhadas, o eletrônico dando alusão ao moderno, ao futurista, sem abandonar a criatividade imensa de Yves.
A sua irreverência traz os anos 70 e 80 com uma nova leitura, não somente como uma referência absurda, mas sim como uma fonte da qual pega apenas o que efetivamente funcionou, como o trabalho de guitarra no rock progressivo, apresentado em “A Greater Love”, última música do álbum. “Strawberry Privilege” mistura elementos da disco music, trazendo para o novo século. “Super Stars” e “Dream Palette” e “Kerosene!” vem com uma releitura do rockstar tradicional. A ambição intensa dos prazeres imediatos da vida são apresentados de forma imediatista, sedutora, de maneira que prende quem escuta, envolve e nos transporta para uma aventura obscura e deliciosa.