O dream pop etéreo e introspectivo de Juna

Projeto liderado por Thomas Almeida transita entre o shoegaze e o indie rock em seu álbum de estreia “Postmodern Tendencies” 

Saúde mental, vícios e isolamento são assuntos que se tornaram ainda mais pertinentes no último ano – e também foram alguns dos temas que inspiraram a composição de Postmodern Tendencies, novo trabalho da banda Juna lançado em dezembro de 2020. Formado e liderado por Thomas Almeida em 2016, o grupo lançou o EP Marina Goes To Moon em 2017, mas acabou se separando em 2019, tornando-se a partir daí uma “banda de um homem só”, como ele descreve.

Não é um exagero: autodidata, Almeida tocou e gravou todos os instrumentos usados no disco de 2020 direto de sua casa no interior do Rio Grande do Sul. (Apenas uma faixa conta com participação especial, cortesia da amiga Maria Luísa Casara.) A composição de Postmodern Tendencies começou ainda em 2019, pouco depois da dissolução da banda, que havia chegado a gravar um projeto chamado Primavera Blue, disco que acabou arquivado. 

Músicos nova-iorquinos e britânicos como Beach Fossils, A Beacon School, Cocteau Twins e The Cure estão entre as referências de Juna, mas Almeida também tirou inspiração de temas da literatura, citando nomes como Albert Camus e Sylvia Plath. O ROCKNBOLD conversou com o artista sobre influências, processos, e como foi produzir um álbum no meio da pandemia. Dá uma olhada!

Juna/ Thomas Almeida
Thomas Almeida. (Fotos: Divulgação.)

ROCKNBOLD – Como foi o processo de gravação de “Postmodern Tendencies”? Como foi gravar tudo sozinho?

JUNA – A principal vantagem da autoprodução é a liberdade de poder experimentar métodos diferentes de gravação e essa é, sem dúvida, a melhor parte do processo. Possuo uma filosofia de trabalho mais conservadora no que diz respeito à captação dos instrumentos, principalmente por causa da limitação de equipamentos. 

Algo em que investi tempo foi na pré-produção, onde produzi um disco demo com praticamente todas as músicas que foram usadas no disco e outras descartadas. A partir daí, ficou mais fácil visualizar quais timbres poderiam ser usados e a sequência das músicas. 

R – De onde vieram as primeiras inspirações para a composição do álbum?

J – Quando a banda se esfacelou em março de 2019, um grande sentimento de frustração me abateu. Até o momento, era o mais longe que nós como grupo poderíamos ter chegado, firmando parceria com selos nacionais e internacionais. Isso me fez desistir brevemente da música por alguns meses, mas aos poucos retomei a praticar guitarra e esboçar algumas composições. 

Desde aquele momento senti que não havia mais como compor da mesma maneira como Marina Goes To Moon ou o disco que gravamos e não lançamos, era preciso mudar o método e para absorver novas influências me debrucei na discografia do DIIV, Beach Fossils, Cigarettes After Sex, A Beacon School e Surf Rock Is Dead. Analisando as linhas de guitarra das bandas de dream pop, passei a compor frases de guitarra mais rápidas, com menos distorção e mais efeitos de ambiência e modulação. 

R – Você reaproveitou material de Primavera Blue, disco arquivado da formação anterior da banda? 

J – Nenhum material foi aproveitado. A única música remanescente da época de Primavera Blue se tornou a atual “Summer Is Coming”, com uma letra e melodia vocal diferente. 

A opção de escrever um material do zero envolve questões psicológicas, para que faça sentido encarar esse momento como um novo começo.

R – Como surgiu a parceria com Maria Luísa Casara para a faixa “Summer Is Coming”?

J – Inicialmente a minha intenção era gravar os vocais de Primavera Blue e lançar o disco em 2020, por consequência disso recebi a indicação de convidar a Malu. Rapidamente nos tornamos amigos íntimos e abandonei a ideia de lançar um material, e passei a gravar o Postmodern Tendencies. “Summer Is Coming” é uma música que tenho muito carinho, por ser a mais antiga do disco e por ter sido a primeira a soar como a banda soa hoje em dia. Então pedi para que a Malu escrevesse uma letra sobre qualquer tema e gravasse de casa os vocais. Temos a intenção de montar uma banda juntos, com influências de MPB contemporâneo.

R – Como você descreveria a evolução do som da banda do lançamento do primeiro EP em comparação a este álbum?

J – No que engloba composição, como compositor, a banda seguiu uma tendência que está se desenvolvendo no underground. Quando lançamos o EP em 2017, o que estava em evidência era o revival do shoegaze tradicional e, como todo movimento, se esvaiu com o tempo. Para que pudéssemos soar mais modernos, a escolha certa foi o dream pop, mesmo que sempre haja sempre interseções de gêneros diferentes. Acredito que o “próximo passo” ainda não foi dado. 

Juna/Thomas Almeida 2

R – Você toca violão desde os sete anos de idade. Quantos instrumentos você toca em Postmodern Tendencies? Como você aprendeu a tocar e como isso influencia sua música?

J – Tive muita sorte de sempre ter instrumentos musicais em casa, o que facilitou muito a minha fluência para ter aprendido. Em Postmodern Tendencies foram usados: bateria, baixo, guitarra, teclado (físico e programações), piano e instrumentos de percussão e cítara. Os arranjos de orquestra foram programados. Todos os instrumentos aprendi de maneira autodidata, porém com muita pesquisa. 

A principal vantagem de ter aprendido a tocar violão com 7 anos, a mesma idade que fui alfabetizado, é ter enxergado alguns paralelos com a filologia e o campo harmônico. Da mesma forma que compreender a formação das palavras em outros idiomas facilita o aprendizado, estudar a formação de acordes no violão tornou mais fácil a fluência em outros instrumentos. 

R – Onde você vive e como isso influenciou sua produção?

J – Vivo em Charqueadas, interior do Rio Grande do Sul, a 40km da capital, Porto Alegre. Morar em um local menos urbanizado permite a gravação de instrumentos em locais que não tenham isolamento acústico, como a garagem de minha casa e meu quarto. O que seria inviável para o estilo de música que produzo, caso morasse em um apartamento. 

R – Como é o seu processo de composição? O que vem primeiro – letras ou melodia?

J – Procuro manter o máximo possível de organização no método de composição. Quando finalizo um trabalho, procuro por novas influências, novos estilos, linguagens e expressões, assim consigo manter sempre algum frescor criativo e não cair nos mesmos padrões criativos. Primeiramente, me preocupo em compor a harmonia com todos as partes que completarão a música já prevendo a harmonia vocal. Para a feitura das letras reservo um período para pensar no tema, em como será a perspectiva e a abordagem. 

R – Quanto e como o período de quarentena influenciou Postmodern Tendencies?

J – A influência no conteúdo das letras foi indireta, pois tive mais tempo para ler os mais variados livros que ajudaram na minha forma de escrever. Mas a principal mudança causada pela quarentena foi a disposição de tempo para poder gravar e experimentar coisas novas à sonoridade do disco. Músicas como “M” dificilmente poderiam ter sido compostas por mim caso não houvesse disponibilidade de experimentar abordagens diferentes. 

R – Você citou inspirações literárias de autores como Fiódor Dostoiévski, Virginia Woolf, Albert Camus, William Faulkner e Sylvia Plath – que obras te inspiraram neste disco? 

J – Os autores citados serviram muito para a construção da extensão humana do século XX, e escreveram os livros pelos quais me baseio para escrever sobre conflitos existenciais contemporâneos, obviamente de maneira extremamente superficial. Como inspiração, posso citar elementos de algumas obras, como por exemplo a questão da culpa, arrependimento e niilismo na obra de Dostoiévski; a escrita modernista e o uso de fluxo de consciência por Virginia Woolf; a sensação de não-pertencimento abordada principalmente em “O Estrangeiro” de Albert Camus; a tragédia pessoal registrada na obra de Sylvia Plath e o radicalismo lírico de Faulkner. 

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