SHADED extrapola limites em projeto anual

Por Beatriz Vaccari e Michelly Souza

A pandemia causada pela COVID-19 trouxe diversos impactos nos setores do entretenimento. Na música, artistas tiveram que cancelar apresentações ao vivo por tempo indeterminado, e, de repente, o trabalho remoto passou a ser uma realidade na pós-produção de álbuns e EPs. De um dia para o outro, a indústria musical passou a lidar com os recursos de uma só fonte: a internet.

Não é novidade que a web foi uma ajuda e tanto para artistas menores e independentes, já que por conta das plataformas de streaming, a música passou a alcançar público nos locais mais extremos do mundo, globalizando essa arte. Por outro lado, a quantidade de informações publicadas na internet diariamente acabam sendo um fator de difícil decisão, afinal, é a atenção e o tempo do público em jogo nesse aspecto.

Pensando nesse consumo imediatista somado à disparada do uso da internet em tempos de quarentena, o trio britânico SHADED utilizou o período para tirar do papel um projeto ambicioso: A Year Of You, que documentará a vivência de um ano inteiro em cerca 20 músicas lançadas ao longo de 2020 e 2021.

O trio formado por Matt East (vocais), Callum Irons (guitarra) e Dan Bradberry (baixo) nasceu em 2017 como uma das promessas da nova leva do pop punk. Consequentemente, a banda acabou passando pelo momento de renovação do gênero, extrapolando as barreiras do segmento e ganhando espaço no mainstream de uma vez.

Matt East (vocais), Callum Irons (guitarra) e Dan Bradberry (baixo) (Imagem: Reprodução / Redes Sociais)

Em bate-papo exclusivo com o ROCKNBOLD, os três integrantes contaram que a pandemia afetou não só a rotina como artista em performances ao vivo, mas também com esse momento de transição do gênero. “Nós estávamos nos preparando para os primeiros shows quando a Inglaterra foi atingida pela COVID-19”, conta Dan. “Lançamos Temporary Fix, apresentamos três canções em quatro shows e essa é toda a vivência de palco que tivemos como uma banda de pop até agora. E parece que faz muito mais tempo que passamos por essa mudança de sonoridade.”

O conceito por trás de A Year Of You ganhou forma ainda durante a divulgação do trabalho anterior e desde o início o trio se comprometeu a tomar as rédeas de todo o processo, o que nas palavras de Callum foi uma sorte em vista das medidas de distanciamento adotadas para conter a pandemia. “Tem sido muito mais lento do que imaginamos, muitas chamadas no zoom e mensagens de voz”, brinca. 

“Com certeza se estivéssemos fazendo como antes e tivéssemos que nos deslocar até um estúdio estaríamos ferrados”, acrescenta Dan, também em tom de graça. Apesar das dificuldades e limitações de uma gravação à distância, a banda concorda que o saldo tem sido positivo.

“No começo do lockdown estávamos tão impressionados com ideia de compor e produzir estando cada um em sua casa que, olhando para trás, é a única coisa que me incomoda.  Pensando quanto tempo perdemos com processos que poderiam ser muito mais ágeis, mas agora estamos num bom ritmo e percebemos que esse modelo de gravação é viável para nós”, conta Matt. 

Com a premissa de lançar mais de 20 canções ao longo de um ano, a primeira leva de novidades veio com o EP “001”. Apostando num som que destaca o groove e a técnica do baixista Dan, baterias rítmicas e abusando das ferramentas que uma mesa de som disponibiliza, o instrumental permitiu uma performance mais natural e encorpada do vocalista, evidenciando o timbres, nuances e estilo de canto de Matt. 

A Year Of You foi pensado antes da pandemia de fato entrar em vigor, mas com o período, pareceu o mais correto colocar o projeto no mundo. “A indústria mudou completamente nos últimos anos. Basta olhar o volume de músicas no Spotify. Nunca haverá uma semana em que não haja novidades e o que torna esse projeto agradável é poder manter uma frequência de lançamentos sem se prender tanto aos números que isso gera”, conta Callum. 

“No momento, trata-se principalmente de lançar o máximo de músicas possível e, com sorte, ao final estaremos em uma posição melhor do que quando começamos. É um projeto sobre crescimento”, conclui Dan.

A transição para o pop

A Year Of You é um promissor e ousado projeto para esse ano (Imagem: Reprodução / Redes Sociais)

O trabalho de estreia The Better Man In Me lançado em setembro de 2017 trazia o power trio no elemento mais clássico do gênero: toda a parte rítmica era guiada por baterias rápidas e riffs de guitarra distorcidos entre momentos de calmaria nos quais o vocal pop ganhava destaque.  

“Nós sempre tivemos um elemento de experimentalismo desde muito cedo”, contou o vocalista Matt. Essa gana por liberdade criativa se tornou mais evidente no EP seguinte, A Familiar Love, de 2018, no qual flertam tanto com o indie quanto com rock progressivo, enquanto os singles Tell Me e A Familiar Love mantém a linha do trabalho anterior. 

“Do ponto de vista da composição ainda era pop-punk, mas bastante comercial. Há elementos de música eletrônica, como sintetizadores,  tanto quanto uma levada de percussão pesada”, explica. Mas apesar de já se permitirem explorar no pop-punk, isso não foi o bastante. 

“[A mudança] não foi uma decisão intencional. Quando começamos a compor de novo não conseguimos escrever nada que soasse pop-punk ou que nos agradasse então decidimos apenas nos deixar levar. Gold e Like Ice surgiram assim e naquele momento ficou claro que este é o nosso caminho”, completa Callum.

O resultado desse processo sem amarras foi o EP Temporary Fix, de 2019. Não apenas uma evolução musical vinda da experiência, mas a comprovação de que no pop o trio encontra o laboratório que buscava. 

Já com A Year Of You o grupo arrisca passos mais largos conseguindo encaixar faixas distintas como K.I.A, que traz de volta os elementos do pop-punk no qual nasceram, enquanto Backpack e Comedy evidenciam o lado indie lo-fi do trio.

“Admiro artistas que não tem medo de experimentar. Contanto que você esteja tirando algo positivo do processo então está no caminho certo. Não acredito que rótulos sejam necessários hoje por serem limitantes e vão contra a direção que a indústria vem trilhando, que é muito mais sobre sensações ou temas do que por generos”, diz Callum.  “No Spotify as playlists são categorizadas como hits alegres ou músicas para chorar, e podemos lançar canções que se encaixam nessas temas sem nos prender à este ou aquele estilo especifico”, completa.   

SHADED explica que mergulhou em influências desde nomes como Lany e Lauv até Chelsea Cutler e Jeremy Zucker, os chamados “bedroom pop” — categoria que inclui artistas que se auto-produzem, muitas vezes usando apenas recursos como Logic Pro e similares.

“Nossas inspirações vieram de muitos lugares e nos levou a um ponto no qual, desde os estágios mais iniciais, já sabemos se a música tem ou não a ‘cara do SHADED”, completa Callum.

As letras também passaram por um amadurecimento. Sempre pessoais e deixando pouco ou nada para interpretação sobre o tema, as composições se tornaram também mais polidas e até mesmo poéticas, com frequência imprimindo imagens na mente de quem escuta as canções.

Matt conta que não coloca limites para o que pode ou não entrar em uma canção enquanto Callum explica que compor é quase como uma terapia para eles e portanto não faria sentido usar meias palavras ou ficar em uma zona de segurança. 

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(Imagem: Reprodução / Redes Sociais)

Enquanto paixões e decepções amorosas foram os fios condutores dos primeiros EPs, A Year Of You emprega camadas mais densas ao tema, abordando também mecanismos de enfrentamento, a relação entre uso de substâncias e álcool e dependência emocional e isolamento social. 

“Sem entrar em muitos detalhes, temos uma música chamada Better Off, que está na próxima leva de lançamentos e que provavelmente seja a minha composição favorita. Mas das que já foram lançadas, o segundo verso do refrão de Still A Stranger talvez seja a letra mais pesada”, explica Matt. 

Aceitar a própria vulnerabilidade nunca foi um tabu para o SHADED, em dezembro de 2019 a banda foi convidada para uma série de palestras para adolescentes sobre saúde mental. “Foi uma maneira que nossa equipe encontrou para nos aproximar desse público ao mesmo tempo em que pudéssemos falar abertamente sobre algo que é importante para nós”, lembra Matt.

“Diria que o mundo da música é um dos mais abertos para o tema.”, completa Dan. “É claro que há muito trabalho a ser feito mesmo dentro das cenas, mas é algo que está ganhando cada vez mais espaço”. 

Volta aos palcos 

Um tema recorrente no último ano e que aflige milhares de profissionais e amantes de música é o retorno das atividades culturais. Para artistas britânicos é também um momento de tensão tanto pelo novo lockdown em vigor quanto pelas novas leis em razão do Brexit, que agora exige vistos para cada país europeu, colocando mais alguns empecilhos para a retomada do setor, principalmente o independente, como explica Matt.

“Nesse momento as regras que estão vigentes quanto a entrada e saída na Europa são bastante limitantes para bandas como nós, mas se há um ponto positivo é que muitos artistas e pessoas da área estão se unindo para tentar reverter de algum modo a situação. Então quero me manter positivo e acreditar que em breve vamos poder voltar aos palcos, uma vez que a situação da Covid-19 esteja controlada”.

E mesmo com o futuro da música ao vivo ainda se desenhando, o SHADED garante que assim que possível vem ao Brasil. “Saberei que realmente estamos dando certo como banda quando conseguirmos tocar para o público brasileiro”, finaliza Dan. 

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