Em SOUR, Olivia Rodrigo entrega um primeiro álbum assumidamente adolescente, mas completamente identificável
É difícil ser adolescente. Todo mundo que já passou por essa fase da vida reconhece esse fato e ninguém o conhece melhor do que os adolescentes de hoje. Olivia Rodrigo, então, talvez seja um caso à parte. Não apenas a atriz da série de High School Musical (HSMTMTS) vive essa fase durante o boom das redes sociais e dos filtros e em uma era em que cada vez mais importa estar por dentro da política (mesmo quem não tem a maioridade para estar, literalmente, dentro da política), Olivia é uma “assalariada” da indústria de entretenimento desde os 12 anos e está entre as jovens mais analisadas pela mídia atualmente.
Essa dissecação excessiva sobre a vida da cantora veio por conta de seu single de debut, “drivers license”, e um suposto término conturbado com o cantor e colega de set, Joshua Bassett – que pouco depois, também supostamente, começou um relacionamento com a também cantora e atriz, Sabrina Carpenter. Lançado em janeiro deste ano, “drivers license” quebrou diversos recordes. Entre eles, o de música a chegar mais rápido em 100 milhões de streams no Spotify, rapidamente transformando o nome de Olivia Rodrigo em uma promessa para 2021.
Apesar da pressão, Olivia conseguiu se sobressair até então. Em abril, a cantora lançou a mais sassy “deja vu” junto do anúncio de seu primeiro álbum. E, faltando uma semana para a estreia de SOUR, lançou a faixa pop-rock “good 4 u”, surpreendendo com a expansividade de sua expressão musical – mas fazendo com que muitos questionassem sua narrativa repetitiva de coração partido. Muito aguardado e finalmente lançado em 21 de maio, SOUR revela um pouco mais da versatilidade musical de Olivia Rodrigo e expande o universo lírico da compositora: mais do que uma jovem com coração partido, Olivia é uma jovem adolescente – tema de muitas de suas canções e principal catalisador de sua narrativa.
A acidez de SOUR
Diferente do que fomos apresentados com “drivers license”, “brutal”, a faixa que abre o álbum, mostra Olivia em seu momento mais “birrento” até então. Um angst adolescente clássico, a produção da música é inteligente, com diversas camadas escondidas. Como viemos a esperar da cantora, a letra é honesta, mas muito mais impulsiva e crua do que vimos no debut-single e em “deja vu”. Desde a sensação de estudar (ou trabalhar) para ser explorada pelo mercado ao receio de não ser popular e inteligente, a música encapsula muito do que sentimos na adolescência e realiza com maestria seu papel de abrir o álbum. Logo no início, a cantora já nos prepara sobre o que esperar dos próximos 34 minutos, “i want it to be like, messy!”.
Messy, brutal são algumas das palavras que podem ocorrer à mente do ouvinte enquanto ouve o álbum. Como Olivia já falou algumas vezes em entrevistas, o álbum fala sobre os sentimentos mais “azedos” que jovens mulheres não são encorajadas a conversar sobre, como a insegurança, a inveja e a raiva. SOUR talvez também venha da acidez com que Olivia narra as histórias de suas músicas.
Mesmo as mais “doces” e dolorosas, como “traitor” e “happier”, não deixam de mostrar um pouco da acidez e do sarcasmo da cantora. Em “traitor”, segunda faixa do álbum, a voz da cantora se destaca em um som mais acústico enquanto aponta dedos às atitudes do ex que agora ela percebe como sinais de uma traição emocional. Já em “happier”, uma das mais gostosas melodicamente e das mais inteligentes liricamente, a cantora torce para que o ex esteja feliz no novo relacionamento – mas não tão feliz quanto quando estavam juntos.
O single “good 4 u” tem o mesmo efeito ácido. A letra é basicamente uma carta de ódio ao ex, repleta de sarcasmo sobre como ele parece estar muito bem e como ela não pode sentir o mesmo. De volta com a produção de um pop-rock e angst teen, a faixa conta com muito xingamento e instrumentos pesados sendo muito comparada com “Misery Business” do Paramore – ou com toda a discografia de Avril Lavigne. A música é, não obstante, claramente uma homenagem ao gênero que viveu seu ápice nos anos 2000 e que parece estar ressurgindo aos poucos.
O gênero continua vivo em “jealousy, jealousy”. A faixa sai um pouco da narrativa de ex-namorados e novas namoradas e comenta a comparatividade sobre a qual jovens mulheres estão expostas na era atual. A música não é uma crítica ou um manifesto comunista. Como quase tudo em SOUR, a letra simplesmente reconhece o sentimento, de uma maneira tão crua que parece realmente ter saído diretamente das páginas de um diário. A letra, simples, crua e inteligente, é apoiada pelo uso perspicaz dos instrumentos: o piano à la Fiona Apple e a voz rica e expressiva puramente Olivia.
Não há dúvidas de que SOUR, além de um álbum de debut, é também uma coletânea das influências musicais de Olivia Rodrigo até então. De certa forma, todo projeto artístico é uma espécie de coletânea de influências e não há nada de errado nisto. Ainda assim, em SOUR essas referências se tornam mais palpáveis, intencionais ou não. É impossível não pensar em outras grandes artistas da atualidade por exemplo, como Billie Eilish e Lorde, ou encontrar influências de Alanis Morissette, Kacey Musgraves e um pouco de No Doubt e The White Stripes.
A cantora já deixou claro, no entanto, sua maior e mais óbvia inspiração, Taylor Swift. Comentando diversas vezes sobre como Taylor foi motivação para começar a compor, Olivia também apresenta algumas das técnicas utilizadas por Swift em suas obras. Em “deja vu”, a ponte foi diretamente inspirada pela de “Cruel Summer” (faixa do álbum Lover, de Taylor Swift); “1 step foward, 3 steps back” interpola o piano de “New Year’s Day” (de reputation) e alguns momentos em “hope ur ok” recordam “time to go” e “It’s Nice to Have a Friend”, da mesma cantora.
Isso não quer dizer, no entanto, que Olivia não tem um estilo próprio ou que suas obras são cópias do que já foi feito. “deja vu” é marcante, acima de tudo, pela inteligente composição (como a vocalização quase imperceptível de um “i love you” logo após “Now I bet you even tell her how you love her/ In between the chorus and the verse”) e a grande expressividade vocal da cantora – é perceptível o revirar de olhos vocal no mesmo trecho. “1 step foward, 3 steps back”, apesar de ser uma das canções menos marcantes, é uma faixa que, assim como “deja vu”, expoe muito bem a capacidade de Olivia de capturar detalhes de sua vivência pessoal e transformar em algo identificável para o ouvinte.
É a habilidade de ser brutalmente honesta e emocional que destacou o trabalho de Olivia em janeiro deste ano com “drivers license”. Na faixa, produzida por Dan Nigro, as diversas camadas e o discreto crescendo ajudam a criar a narrativa que Olivia usa tão sabiamente. A compositora transforma um símbolo de liberdade – a carteira de motorista – em uma memória pessoal de coração partido. É esse uso inteligente de momentos marcantes na vida das pessoas em uma narrativa pessoal que tornou “drivers license” talvez o maior hit do ano e Olivia, a cantora revelação.
A cantora repete o feito em “enough for you”. Com detalhes completamente pessoais (como os livros que ela leu por ele ou a maneira como ele tomava o café), Olivia conseguiu relacionar seus próprios momentos com a de tantos outros. A faixa é, ainda, a que mais nos recorda “All I Want”, a verdadeira faixa debut da cantora. Assim como na canção composta por Olivia para HSMTMTS, em “enough for you” fala sobre suas inseguranças em um relacionamento e mantém um final esperançoso.
Se na maior parte das faixas Olivia faz uso de detalhes reais pessoais da própria, nas duas últimas faixas a compositora faz justamente o oposto. Com uma metáfora que se estende por toda a música, “favorite crime” releva como a cantora se sente cúmplice da dor que a própria sofreu com o ex. Destacando o refrão com muitas harmonias, a faixa ainda consegue se manter honesta aos sentimentos da cantora – talvez mais do que se tentasse ir pela literalidade.
“hope ur ok”, por sua vez, parece uma carta de Olivia para as pessoas que fizeram passagem em sua vida. A faixa que termina SOUR traz uma bonita reflexão sobre as pessoas que não parecem ter tido um grande papel em nossas vidas, mas não por isso se tornam menos importantes. A canção é uma doce finalização para um álbum, em sua maior parte, ácido. A faixa promete ser um cult entre os fãs e, certamente, um momento especial quando finalmente for tocada ao vivo.
SOUR é, acima de tudo, uma carta de Olivia à sua adolescência. Composto em sua maior parte aos 17 anos da cantora, o álbum reflete um estágio transformador da vida da cantora. Foi nesse último ano que seu seriado teve maior destaque, sua música girou o mundo e sua vida amorosa foi analisada detalhadamente pela mídia. Apesar dessas diferenças pontuais entre Olivia e seus ouvintes, no entanto, o álbum promete ser a trilha sonora de momentos marcantes para seus fãs.
O álbum ainda revela um bom entendimento da “debutante” na seleção de singles e na decisão da tracklist. Apesar da maior parte de SOUR refletir dos mais diversos ângulos sobre um mesmo relacionamento, a ordem do álbum permitiu que não fosse algo cansativo. Ter “drivers license”, “deja vu” e “good 4 u” como singles foi, ainda, uma boa sacada de storytelling, demonstrando os diferentes estágios de um término. “brutal” como a primeira faixa do álbum já tem, também, se mostrado promissora, sendo uma das faixas do álbum mais utilizadas no TikTok.
Com alguns contratempos (como a pouca diversificação na narrativa), SOUR tem sobretudo pontos muito fortes e impressionantes para um debut, conseguindo entusiasmar mesmo a geração mais velha. E, se escrevendo basicamente sobre um único acontecimento, Olivia Rodrigo ainda foi capaz de entregar um álbum diversificado e autoral, não podemos esperar pelo que vem a seguir.