Lil Nas X tinha apenas 19 anos e morava com sua irmã depois de ter largado a faculdade quando resolveu gravar um rap despretensioso em cima de um sample que comprou na internet por 30 dólares. Nascia, assim, o hit “Old Town Road”, junto de uma carreira meteórica na indústria musical. Quase três anos, dois Grammys e dois singles número 1 depois, finalmente veio ao mundo MONTERO, o primogênito, ou melhor, o primeiro álbum de estúdio do artista.
Diante de tantas conquistas, é até estranho pensar que o trabalho marca, de certa forma, a introdução oficial do de Lil Nas X na indústria fonográfica. Desde que “Old Town Road” viralizou no TikTok e conquistou o mundo com a mistura de country e rap, especialmente depois do remix com Billy Ray Cyrus, o artista seguiu trabalhando em outros projetos musicais, incluindo o EP 7, de 2019, e a faixa natalina “HOLIDAY”, em 2020.
No meio tempo, ele também divertia seus milhões de seguidores com seu humor afiado e, ainda em 2019, quando já passava mais de dois meses no topo da parada da Billboard, aproveitou o Mês do Orgulho para casualmente anunciar ser gay. “Achei que tivesse deixado óbvio”, ele tuitou com um close da arte de capa de 7 que mostrava um prédio com as cores da bandeira LGBT.
Ou seja, a esta altura, parece difícil lembrar um momento em que o mundo pop não conhecia Lil Nas X. Mas MONTERO – nome de nascença do cantor, que se chama Montero Hill – trata de fazer uma apresentação ainda mais profunda das diversas faces do jovem talento.
O caminho até MONTERO
O álbum, que vinha sendo trabalhado desde pelo menos 2019, com muitas das gravações feitas durante o isolamento por conta da pandemia de Covid-19 em 2020, só foi oficialmente anunciado em março de 2021, com o lançamento da faixa-título e single principal, “MONTERO (Call Me By Your Name)”.
A canção já deixava bem claro qual seria o direcionamento dessa nova era: Lil Nas X agora não apenas estaria muito mais próximo do pop do que do hip hop como também abraçaria abertamente sua identidade queer. A letra aborda o sofrimento de amar alguém que ainda não assumiu sua homossexualidade em cima de uma batida envolvente que mistura até referências do flamenco. Não surpreendentemente, o single cravou o número 1 nas paradas para o artista – oficialmente dissipando a nuvem da maldição do “um hit só” em que muita gente apostava para ele.
O clipe que acompanhou o lançamento também causou sua própria comoção. Com referências e metáforas bíblicas, Lil Nas X é visto sendo “apedrejado” por plugs anais e indo do céu ao inferno numa barra de pole dance para, em seguida, seduzir e matar Satã. A ousadia rendeu inúmeros comentários raivosos – não que o artista ligasse muito.
O segundo single, “SUN GOES DOWN”, trouxe um pop mais calmo e introspectivo em que o cantor reflete sobre o bullying que sofreu na adolescência e os conflitos internos ao se descobrir gay, além de pensamentos suicidas e uma mensagem esperançosa para seu eu do passado: fica, que vai melhorar.
O terceiro e último single pré-álbum foi a potente “INDUSTRY BABY”, faixa em colaboração com o rapper Jack Harlow que contou até mesmo com uma mãozinha de ninguém menos que Kanye West na produção. Nesse pop rap, Lil Nas X fala justamente sobre a pressão de produzir novos hits e se gaba de sua identidade queer com o mesmo orgulho com que ostenta seus troféus e conquistas.
Lil Nas X também usou sua irreverência para criar um excelente marketing transmídia não apenas através de seus clipes, mas com materiais que conversavam entre diferentes plataformas digitais e no mundo físico. Pouco mais de duas semanas antes do lançamento do álbum, o artista divulgou (e, novamente, causou polêmica com) seu “ensaio de gravidez”, em que aparecia à beira da piscina segurando uma barriga falsa e com uma coroa de flores na cabeça.
Para a lista de presentes do “chá de bebê”, ele divulgou uma lista de organizações de caridade correspondentes a cada faixa do álbum, de causas que incluem apoio à população LGBTQIA+ e negra, conscientização sobre HIV e AIDS e luta pela abolição de fianças em dinheiro nos Estados Unidos.
Na noite de virada do lançamento de MONTERO, Lil Nas X também transmitiu uma paródia de um programa de variedades em que ele interpreta, além de uma versão grávida de si mesmo, o apresentador e um membro da plateia, e rankeia seus clipes favoritos, culminando em uma cena em que sua “bolsa” estoura.
O álbum
Com produção executiva de Omer Fedi e do duo Take A Daytrip, MONTERO traz um arco narrativo em que Lil Nas X se permite ser ao mesmo tempo vulnerável e confiante de forma carismática em uma mistura certeira de gêneros, abordando temas como sua preocupação em se manter relevante, sua identidade, seu passado e sua relação com a família.
“MONTERO (Call Me By Your Name)” dá início à seção mais enérgica do trabalho, seguida por “DEAD RIGHT NOW”, que mistura rap com referências R&B e alude ao começo country de Lil Nas, e “INDUSTRY BABY”.
“THATS WHAT I WANT”, quarto single, lançado junto com o álbum, relata a busca por um parceiro de confiança, com quem ele pode sempre contar e se abrir mesmo nos momentos mais difíceis. A faixa animada acompanha o que o artista disse considerar seu clipe favorito da carreira, com múltiplas referências ao filme Brokeback Mountain.
Depois do interlúdio “THE ART OF REALIZATION”, em que Lil Nas X verbaliza suas reflexões sobre suas dúvidas e inseguranças sobre o que quer para sua vida, temos a faixa mais inclinada para o trap “SCOOP”, com participação de Doja Cat. Aqui, ele reconhece seu esforço para se manter constantemente entre os principais assuntos.
O pop se acentua ainda mais daqui para frente, com “ONE OF ME” (que conta com um cameo de Elton John ao piano), “LOST IN THE CITADEL”, um pop rock sobre um amor que não deu certo, e “DOLLA SIGN SLIME”, que equilibra o rap cadenciado de Lil Nas X com os versos mais frenéticos de Megan Thee Stallion.
A seção seguinte traz um ritmo mais tranquilo, com letras sobre sua vida pessoal. “TALES OF DOMINICA” aborda sua relação com a família, em especial com sua mãe, que vive com dependência química e de quem Lil Nas se afastou ainda na infância. “SUN GOES DOWN” também entra nessa porção, seguida de “VOID”, faixa mais lenta em que ele também conversa com seu eu de um passado recente e se abre sobre episódios depressivos.
O ritmo diminui ainda mais no trio final. Em “DONT WANT IT”, o artista revela que, mesmo durante sua ascensão repentina, teve que lidar com situações difíceis e episódios depressivos, mas que não quer mais sentir tanta negatividade sobre si mesmo.
“LIFE AFTER SALEM” traz uma pegada mais dark e rock ao contar sobre um amor que passou e que seguiu outro caminho, seguida pela colaboração com Miley Cyrus em “AM I DREAMING”, quase uma canção de ninar folk em que ele pede para não ser esquecido. Os 30 segundos finais são uma mistura tranquila de sons da natureza, o silêncio depois de tanto agito.
Fechando com 41 minutos e 17 segundos, MONTERO é um álbum coeso e primoroso que, apesar de ter sido feito na medida certa, deixa uma pontinha de vontade por mais. Lil Nas X acerta ao abraçar sua personalidade expansiva e usa a confiança que construiu com sua base de fãs ao longo dos anos para dar ao público o que ele ainda nem sabia que queria ver e ouvir – mas sob seus termos.
Ao negar o rótulo restritivo de rapper e se aventurar em outros estilos, o artista também abre caminho para uma nova geração de pop stars negros e queer e até mesmo para que novos performers possam se arriscar na arte sem medo. O mais curioso é sua insegurança em cair no esquecimento: com um álbum de estreia dessa magnitude, parece difícil imaginar isso acontecendo.
OUÇA:
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