“Pressure Machine” revisita o passado não tão brilhante de The Killers

Longe das baladas que incendiavam corações, e com sua formação original, trio encontra conforto ao contar histórias melancólicas de ilustres desconhecidos
Pressure Machine, The Killers

Cada vez mais distantes do rock alternativo que os consagrou e mais próximos do som white-trash popularizado por Bruce Springsteen – e, talvez, mais próximos de Deus -, os norte-americanos do The Killers lançam seu sétimo álbum de estúdio, Pressure Machine. Coincidentemente ou não, o álbum chega às plataformas de streaming apenas um ano após o lançamento de seu até então último álbum, Imploding The Mirage, que em 2020 dividiu opiniões e alertou os fãs para o fato de que a banda estaria disposta a explorar águas cada vez mais rasas e distante do som juvenil que inflamava corações apaixonados e ardentes pelas pistas de dança com seus incontáveis hinos. O novo disco não é a única novidade da banda, que agora também conta com o espirituoso retorno do guitarrista Dave Keuning, que em Wonderful Wonderful (2017), já não fazia parte da formação. Não é possível afirmar que Keuning perdeu muita coisa enquanto esteve fora. Há quem afirme que o primeiro disco sem o guitarrista tenha sido o último suspiro da jovialidade lírica de Brandon Flowers, uma vez que o álbum é o equilíbrio perfeito entre composições megalomaníacas, letras profundas e baladas vibrantes que expressam e satirizam o narcisismo do frontman, como é o caso do hit “The Man”.

De certa forma, a desaprovação por parte de alguns fãs sobre o Wonderful Wonderful já os preparava para o que viria a seguir no esquecível Imploding The Mirage, álbum monótono e raso que serviu de trilha sonora para péssimos momentos da banda em diversas ocasiões, como omissão em um momento em que o mundo precisava de vozes contra o racismo, e acusações de assédio sexual envolvendo seus integrantes. Tão rápido quanto os panos quentes em cima da reputação do baterista Ronnie Vannucci, um ano se passou desde que o até então o último disco passou a ser ignorado – esquecimento este também impulsionado pela impossibilidade de turnês em meio a pandemia de COVID-19. Um ano depois, virando a página para uma nova era na história do The Killers, Pressure Machine chegou sem alarde no último mês de agosto.

O lançamento inesperado e sem singles não foi a única coisa que o público precisou engolir em seco no sétimo álbum da banda que se consagrou pela atmosfera vibrante do conceito de rockstars em meio às luzes de neon em Las Vegas. Diferente de quase qualquer coisa feita antes em suas quase duas décadas de carreira, Pressure Machine se revela um mergulho de Brandon Flowers entre lembranças turvas e sentimentos confusos relacionados à sua infância e crescimento na pacata cidade de Nephi, em Utah, como se o período pandêmico tivesse lhe permitido olhar para dentro de si longe dos holofotes, na esperança de refletir, consertar pendências e tocar cicatrizes que a vida de estrela do rock lhe fez ignorar durante os anos de glória: “Pude realmente mergulhar nessas memórias e tentar fazer justiça às histórias que quase me incomodavam”, comenta o frontman em entrevista para a Consequence of Sound.

Uma coisa não mudou no lirismo de Brandon Flowers ao longo dos anos: seu talento para contar histórias. Em meio ao constante clima fúnebre, as canções de Pressure Machine passeiam de forma íntima e intensa pelos contos sobre as vidas de pessoas normais que nasceram e viveram naquela cidade, e com bastante sensibilidade, retratam as fatalidades, tristezas, amores e o trabalho ordinário de ilustres anônimos que ali construíram suas histórias. Se por um lado as composições mais cruas deixam claro que o The Killers das baladinhas, riffs e sintetizadores ardentes está off – por enquanto -, elas também evidenciam o empenho do quarteto em entregar uma dose extra de carisma e conexão com seus fãs mais fieis.

Se as letras do The Killers voltaram ao seu padrão de excelência, a sonoridade ainda não é para qualquer amante de sua discografia e, principalmente, para qualquer fã de seus hits. Para aqueles mais habituados com as baladas que consagraram a banda no indie rock, o álbum proporciona um incessante sentimento de dejá vu devido ao constante som acústico de voz e violão na maioria das faixas. Mais do que nunca, BFlowers cria o ambiente perfeito e nostálgico de cidade natal para dar ainda mais asas à sua persona do campo, que mergulha do american western rock e reverencia – ainda mais – o legado sonoro de Bruce Springsteen. Isso não necessariamente torna suas canções ruins, muito pelo contrário. A sonoridade monótona é constantemente compensada pela profundidade lírica das palavras de Flowers e a forma sublime como ele canta sobre tristeza, monotonia e mortes de forma crua e honesta, como se tivesse vivido de perto cada uma daquelas histórias como um expectador e sentido aquela tristeza. E sim, ele viveu e sentiu, e parte da beleza do conceito de Pressume Machine está na sensibilidade com que essas memórias são reviradas.

É inegável notar algumas semelhanças entre Pressure Machine e os trabalhos anteriores da banda. Logo em sua primeira faixa, “West Hills“, e em “Sleepwalker“, Flowers recebe os fãs com o estilo de composição intensa e carismática que consagrou Sam’s Town (2006) como o álbum favorito de 6 em cada 10 victins. Ao mesmo tempo, as novas canções trazem uma atmosfera sombria como um lamento e deixam um gosto amargo bastante novo para os fãs da banda. A melancolia expressa nas letras não fala mais sobre corações partidos ou desilusões amorosas, nem mesmo reflexões da vida em família e realização conjugal. O som ardente do ‘bom e velho The Killers’ está presente em leves respiros de vida e riffs mais audaciosos em faixas como “Cody“, “In The Car Outside” e “In Another Life“, mas não são tão brilhantes a ponto de fazer estádios cantarem em coro, pelo menos por enquanto.

Entre faixas ótimas e medianas, algumas se demonstram confusas ao unir experimentação e tragédia, como “Deseperate Things“, que apesar de bastante profunda e criativa em sua produção, causa estranheza pela falta de ritmo. Até mesmo a colaboração com a cantora Phoebe Bridgers em “Runaway Horses” é opaca e esquecível em meio a sonoridade tão homogênea, que pode ser traduzida carinhosamente como “mais do mesmo”.

A conexão de Flowers com suas raízes não se revela necessariamente algo novo. Em diversas faixas ao longo da genial carreira, o frontman costura paralelos e reflexões com seu passado para contar histórias, mas neste álbum, a conexão é ainda mais profunda do que um simples relance da juventude, e a reverência ao passado e a história de ilustres anônimos revela diversos aspectos do presente e futuro do frontman. Uma das revelações é que o The Killers não está interessado em se prender à uma fórmula única de sucessos e hits. Brandon está mais maduro, talvez até mais cansado, mas sua essência e energia continuam ali e a banda continua contando histórias honestas sobre o que conhecem. A banda exuberante que marcou uma geração ainda está ali, com todo o seu potencial, e isso fica claro na qualidade das composições.

Entre mais acertos do que erros, Pressure Machine ainda divide opiniões de fãs. Quase um mês após seu lançamento, o disco é abraçado com carinho pela grande maioria da legião de victins e conquista pela delicadeza quase literária de seus versos, enquanto para outros, é considerado uma continuação natural de Imploding The Mirage, e deve seguir o mesmo caminho e ser esquecido nos próximos meses. Ainda entre ideias adversas, é importante saber separar o que não é bom e o que simplesmente não tem a intenção de cativar. Talvez o sétimo álbum do The Killers não seja lembrado daqui alguns anos por sua genialidade ou pelo cativo, mas sim por ter entregado toda a honestidade e carisma que ficou devendo no álbum anterior.

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