David Bowie e o muro de Berlim: Um grito por liberdade

Entre 1967 até sua morte, David Bowie lançou diversos discos aclamados pela crítica e pelo público. Com mais de quatro décadas no cenário musical, o artista percorreu por vários gêneros musicais, principalmente, durante a década de 1970. Do Glam Rock ao experimentalismo, passando pelo Soul, foi o período em que o artista se firmou nas paradas de sucesso e quando cravou seu nome na história do Rock mundial. No entanto, em 1975, Bowie estava completamente perdido. Seu vício em cocaína estava o destruindo e seus problemas financeiros o fizeram procurar algum lugar mais barato para viver, decidindo sair de Los Angeles. Assim, David decide se mudar para Berlim.

Na década de 1970, Berlim não era o local mais agradável do mundo para se morar. A cidade, que ficava no coração da Alemanha Oriental, era dividida em quatro zonas, distribuídas entre as principais potências da época: União Soviética, Estados Unidos, Reino Unido e França. Era um local fortemente militarizado, cercado e dividido por um muro de mais de cem quilômetros de extensão. De qualquer forma, por ser fã de Krautrock e apaixonado pelo livro Adeus Berlim de Isherwood, ele decide se mudar para a capital alemã.

Chegando em Berlim em 1976, David encontrou o refúgio que tanto buscava. Ao lado de grandes nomes da música como Brian Eno, Robert Fripp (King Crimson) e Tony Visconti, foram lançados os discos que entraram para a Trilogia de Berlim: “Low”, “Heroes” e “Lodger”. Todos os álbuns são voltados mais para o experimentalismo, sendo o “Heroes” considerado a carta de amor de Bowie à Berlim. Principalmente ao analisarmos a faixa-título, que conta sobre a sensação de esperança que existia na cidade, mesmo em tempos em que tudo era observado e controlado.  Inclusive, todas as partes da trilogia que foram gravadas na capital alemã, foram gravadas no icônico Hansa Studios.

O estúdio, próximo à Potsdamer Platz, ficava a menos de quinhentos metros do Muro de Berlim e era um dos dois prédios que ainda estavam em pé naquela rua.  Devido à proximidade do Muro ao estúdio, da sala de controle todos conseguiam ver os guardas da Volkspolizei observando o prédio.

No estúdio: Brian Eno, Robert Fripp e David Bowie
(Foto: RCA Records)

Em 1978, David se mudou da Alemanha, no entanto, ainda voltaria para fazer história no país. No ano de 1987 ele lançou o disco “Never Let Me Down”, com o objetivo de criar uma turnê teatral. O álbum não recebeu críticas positivas, mas mesmo assim a ambiciosa turnê foi anunciada. Em maio a “Glass Spider Tour” começou e colecionou também críticas negativas por ser exagerada e arrastada, pois o show era dividido em muitos atos, com dançarinos, vídeos e versões estendidas das músicas.

Visando chamar a atenção do mundo para a cidade de Berlim, o governo da Alemanha Ocidental criou um festival chamado Concert for Berlin, levando shows dos principais artistas da época para tocar no parque em frente à sede do parlamento alemão, o Reichstag. Durante três noites, Genesis, Eurythmics e David Bowie se apresentariam a poucos metros de um outro ponto turístico da cidade, o Portão de Brandemburgo, que ficava do outro lado do Muro, em Berlim Oriental.

Na Alemanha Oriental, o rock era reconhecido como uma ameaça, de forma que não eram vendidos discos do gênero. Entretanto, o país não conseguia cortar as ondas de rádio, de modo que a população conseguia ouvir as estações de rádio ocidentais. Assim, muitos jovens da DDR eram familiarizados e fãs das músicas de David Bowie. Com o objetivo de alfinetar a Alemanha Oriental, o concerto foi propositalmente marcado em um local perto do Muro.

Na primeira noite do festival tudo correu normalmente, mas com a chegada do segundo dia, o clima mudou: David Bowie iria encerrar a noite. Desde o início do dia, moradores de Berlim Oriental começaram a se espremer para ficar o mais perto possível do portão de Brandemburgo e tentar ouvir alguma coisa do show. Logo, mesmo em uma cidade dividida, os dois lados estiveram unidos pela primeira vez em décadas em um mesmo propósito: ouvir música.

Bowie iniciou seu show falando que desejava tudo de bom aos amigos do outro lado e cantou “Heroes”, faixa que representa a desesperança de uma cidade dividida. Hoje, sabemos que o Muro caiu em 1989, mas na época, não havia qualquer certeza se um dia o país voltaria a ser unido, poderia ser a única chance daquelas pessoas de ouvirem uma apresentação do seu artista favorito. Na parte oriental, milhares de fãs cantavam todas as músicas do show e entendiam o recado que “Heroes” representava naquele momento.

Fãs esperando do outro lado do muro para ouvir o show
(Foto: AP)

No dia seguinte ao concerto, já era recorrente na cidade o assunto de se rebelar pela reunificação do país. Tanto que, no último dia do festival, a polícia da Alemanha Oriental agrediu e prendeu parte da população que estava tentando ouvir o show do Genesis. Já era considerado um ato político querer ouvir música.

Ao analisarmos os fatos históricos, não iremos encontrar o show de Bowie na lista de motivos para a queda do Muro, mas o Ministério das Relações Exteriores da Alemanha alimenta essa história. Principalmente após a morte de David, quando o homenagearam no Twitter.

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