São relativamente raras as bandas que conseguem fazer o que o Spoon faz: com dez álbuns e beirando três décadas de história, o grupo de Austin, Texas criou uma identidade sonora que é familiar e ao mesmo tempo única, reconhecível e ao mesmo tempo incrivelmente fresca. Em Lucifer on the Sofa, vemos essas características atingirem um novo auge de forma espetacular.
O décimo álbum de estúdio da banda conquista pela simplicidade e retorno ao som consolidado pelo Spoon ao longo dos anos 2000, cinco anos depois do mais experimental (e divisor) Hot Thoughts, de 2017. O contraste é nítido no retorno ao rock mais puro e simples focado nas guitarras, deixando de lado os elementos eletrônicos vistos no antecessor e a direção pop de They Want My Soul (2014).
As gravações começaram em 2019, quando o vocalista, guitarrista e principal compositor Britt Daniel decidiu voltar a morar em Austin pela primeira vez desde os anos 2000, depois de passar por Portland e Los Angeles. Além de um retorno às raízes, a ideia era capturar a atmosfera de animação da banda completa tocando e colaborando em uma sala, com foco em canções para performances ao vivo.
O lockdown da covid-19 forçou uma pausa nos trabalhos, durante a qual Daniel continuou escrevendo e buscando inspiração especialmente nas músicas dos conterrâneos do ZZ Top. A produção é assinada por Mark Rankin, experiente com nomes como Queens of the Stone Age e Adele, em parceria com Justin Raisen e de Dave Fridmann, este último também produtor dos dois álbuns anteriores do Spoon. O resultado é um disco que mostra um Spoon mais “Spoonificado” possível, apostando no que a banda chama de “riff do Texas”.
O conceito dá as caras logo na abertura na cativante “Held”, que combina os melhores elementos do Spoon, com suas guitarras características e os vocais carismáticos de Daniel, e começa com uma gravação das vozes do quinteto no estúdio, resultando em uma faixa ainda mais lúdica e viva. Um “pequeno acidente”, como o vocalista explica.
A linha se mantém em “The Hardest Cut”, onde o entrosamento entre o baterista veterano e co-fundador Jim Eno e o novo baixista Ben Trokan flui especialmente bem. A divertida “The Devil & Mister Jones” é destacada por elementos do jazz, e é um bom exemplo de como tudo nesse álbum é bem dosado, misturando detalhes e texturas diferentes sem pesar no som como um todo.
O toque levemente pop aparece mais no single “Wild”, uma jornada épica que, não coincidentemente, foi co-escrita por Daniel em parceria com Jack Antonoff, sem perder a personalidade do Spoon.
A escrita lúdica e nada acidental do vocalista transparece ainda mais na romântica “My Babe”, pontuada por detalhes como o vinho barato e os programas de fim de noite que ele assiste com a pessoa amada, e na nostálgica “On The Radio”, que traz teclados divertidos para rememorar como o rádio era sua companhia na infância.
O lado sonoro se sobressai em faixas como “Feels Alright”, onde as guitarras ganham ainda mais destaque, e as mais tranquilas “Astral Jacket” e “Satellite”, canções de amor que trazem um universo sonhador com uma sensação cósmica e intrigante.
A faixa-título “Lucifer on the Sofa” conclui essa jornada de forma introspectiva, trazendo o saxofone discreto de volta em cima de uma batida agradável e uma mistura interessante de vocais. A canção é um reflexo de um período da pandemia em que Daniel se viu pensando sobre não conseguir seguir em frente e superar sentimentos como rancor ou solidão e, em vez disso, deixar que essas emoções o paralisassem – algo que ele viu na imagem do diabo esparramado no sofá, a pior figura que alguém poderia se tornar.
“É uma fatia de vida de quando eu estava andando em uma versão de Austin que eu nunca tinha visto antes”, Daniel disse em entrevista à Pitchfork em 2021. “É uma canção de jornada sobre tentar superar meu pior lado.”
Essa ideia é traduzida muito bem quando ele canta “Todos sabem/Que estou preso a todas as suas fotos/A uma caixa de cigarros/A todos os seus velhos discos/E a todos os seus velhos cassetes,” e fica ainda mais interessante quando consideramos como o álbum é justamente um retorno ao som dos “antigos discos” da banda.
Com apenas dez faixas, Lucifer on the Sofa prova que o maior trunfo do Spoon é seguir seu som característico em vez de se deixar levar por tendências do momento, e é assim que a banda consegue construir trabalhos atemporais e cheios de personalidade. O lançamento mostra um grupo que consegue manter o fôlego e se destacar mesmo depois de tanto tempo de estrada, agradando aos fãs mas também servindo como uma ótima introdução a novos ouvintes.
OUÇA:
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