MIDRA e a responsabilidade de transformar temas importantes em arte

Desde março, o Brasil e o restante do mundo enfrenta um período de isolamento social e confinamento rigoroso. Além do trabalho remoto, fechamento do comércio e falência de diversos setores, há algo que teve pouco espaço na mídia, mas que infelizmente registrou um aumento durante o período: de acordo com dados da ONU Mulheres divulgados no fim de setembro de 2020, a quarentena resultou no aumento de denúncias de violência doméstica ao redor do mundo.

O Brasil, infelizmente, é o 5° país no ranking de feminicídio, em que três em cada cinco mulheres sofrem, sofreram ou sofrerão violência em relacionamentos afetivos. Segundo o mesmo órgão, os casos de abuso tiveram uma alta de 50% durante a pandemia.

Embora não tivesse vivido um relacionamento abusivo, o cantor Fernando Lima, pernambucano radicado em São Paulo, que leva o nome artístico MIDRA, compôs a música Ser Feliz, que retrata justamente a volta por cima dessa situação até chegar à liberdade emocional. Lançada como single em dezembro, a canção ganha agora versão em videoclipe com direção de Lucas Ferreira e atuação de Mariana Cardoso.

Em bate-papo exclusivo com o ROCKNBOLD, o artista dividiu que a inspiração para o trabalho veio logo no início da pandemia, numa experiência que sua esposa teve em um portal online chamado Human, cuja ideia é se conectar com os usuários sem proferir uma palavra sequer. “Um dia, uma mulher levantou uma placa com um número de emergência e um endereço. Isso chamou a minha atenção pelo depoimento que a pessoa deu embaixo, imaginando o impacto de viver confinada com seu agressor num contexto de pandemia”, revelou Fernando.

Ser Feliz foi adaptada para o audiovisual acompanhando a situação numa ótica feminina, em que, no caso, era a vítima. Segundo MIDRA, a música foi composta com um clipe pensado justamente pela ideia ter sido associada a vídeos desde o princípio. Após a experiência no Human, Fernando mergulhou em referências para elaborar o processo criativo do vídeo, acompanhando séries como Jessica Jones e Bom Dia, Verônica.

Fernando Lima - MIDRA
Fernando Lima é MIDRA (Imagem: Divulgação / Supernova)

“[As séries] trazem o assunto de forma muito agressiva. Eu quis trazer isso de uma forma visual mais leve, subjetiva”, conta MIDRA. “Hoje em dia, acontece um abuso romantizado nas novelas, sobre mulheres se acostumarem com aquilo e perdoarem o agressor, partindo pro final feliz.”

Assim como o restante do material, a presença apenas da vítima no clipe também foi pensada para dar voz a uma trajetória de superação de alguém que foi silenciado por muito tempo pela dor. “A gente não tem que dar palco pra idiota”, refere-se o artista à ausência do agressor no videoclipe. “Da mesma forma que ela representa todas as vítimas, esse cara representa um estereótipo banal. Eu não quis colocar alguém que fosse protagonizar esse tipo, a gente já tem muito disso em filmes, novelas e séries já.”

Essa simbologia de superação acaba se estendendo também à arte da capa do single, desenhada por Thiago Salles. Em um fundo preto, cuja cor simboliza a autoridade e melancolia, há pequenos elementos em branco, que trazem a fé e a pureza para o trabalho, por mais que a presença da cor seja mais tímida em relação à escuridão. Por outro lado, há também um enorme círculo em rosa, simbolizando a motivação e abraçando o desenho de uma baleia, que por si só traz a mensagem de recomeço.

Capa do single Ser Feliz, MIDRA
O simbolismo por trás da capa do single Ser Feliz (Imagem: Divulgação / Supernova)

MIDRA não para por aqui em Ser Feliz. O cantor afirma que seu maior objetivo é continuar cantando e escrevendo sobre questões importantes, e que relacionamentos tóxicos era uma das urgências desse escopo. ““Eu demoro um pouco pra compor algumas coisas justamente pra não falar besteira… independente de ser um artista pequeno ou grande, você tem responsabilidade no que canta porque aquilo vai causar impacto em alguém”, afirma.

E afinal de contas, quem é MIDRA?

O ortônimo utilizado por Fernando Lima vem de uma madrugada de estudos de questões bíblicas. “Às vezes passo a madrugada inteira procurando referências sonoras e acabo caindo num conto mitológico e fico até três da manhã estudando”, contou o cantor. “A questão da baleia em Ser Feliz foi exatamente assim, eu entro numas piras assim que fica um mês na minha cabeça [risos].”

Num desses episódios, o artista se viu diante de uma nova forma de ler o alcorão, chamada Midrash. A palavra veio a calhar num momento em que ele procurava um nome artístico, e foi então que teve a ideia de excluir as duas últimas letras, resultando em MIDRA.

(Imagem: Divulgação / Supernova)

“Não tem um significado certo, mas tem um significado forte pra mim. Tenho 33 anos, pra algumas pessoas isso já é avançado, mas pra mim música não tem idade”, revelou. “Foi um processo de me redescobrir como artista. Até os meus 30 anos eu fazia coisas para os outros: eu fui músico, toquei muito com outras pessoas… eu poderia ter parado com isso aos 23, porque eu já tava nessa desde os 17. Mas sei lá, não era o momento, talvez eu tivesse feito isso e estaria falando um monte de bobagem que hoje não faria sentido pra mim. [risos]

Fernando ainda comenta que se vê muito mais preparado para se lançar no meio artístico nos últimos três anos. “O MIDRA significa isso pra mim, meu descobrimento como artista. Essa persona que tem algo pra falar”, reflete. “MIDRA é isso, é o ser feliz, que tem o que falar, que tem como fazer a diferença, mesmo que seja numa porcentagem mínima, a grandeza de artista como conteúdo, em ser relevante.”

Acompanhe MIDRA:

Spotify: MIDRA

YouTube: MIDRA

Instagram: @midraoficial

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