Dreamcatcher se mostra versátil e consistente em “Dystopia: Road to Utopia”

dreamcatcher

Por Ioná Corrêa

Conhecidas no universo do k-pop por seu conceito e som únicos, as meninas do Dreamcatcher estão de volta com seu novo EP intitulado Dystopia: Road to Utopia. Concluindo a trilogia Dystopia, a obra se apoia fortemente em elementos do rock e da música eletrônica, uma combinação de estilos que se tornou a marca registrada do grupo nos últimos anos. 

O EP, que foi topo das paradas do iTunes em 16 regiões ao redor do mundo, apresenta o tão esperado final da narrativa que teve início no ano passado com o single Scream. A história começa com as sete meninas inseridas em um universo cheio de crueldade, no qual todas as pessoas se esqueceram de como ser gentis, e de onde o grupo sonha em escapar. Na continuação, Boca, vemos as integrantes em um contexto completamente diferente, acreditando que chegaram no paraíso que sempre desejaram encontrar. Odd Eye, a última peça da trilogia e title track do novo EP, nos mostra numa reviravolta sombria que o grupo se encontra em um ambiente que não é bem o que parecia ser. Enganadas, as meninas se encontram por fim presas num mundo que mascarava sua crueldade sob uma fachada paradisíaca. 

Dystopia: Road to Utopia traz uma coleção de sete faixas, incluindo duas instrumentais, e é o primeiro lançamento do grupo em cinco meses. Esse foi um comeback especialmente marcante para os fãs, conhecidos como InSomnias, pois marcou o tão antecipado retorno da integrante chinesa Handong às atividades do grupo. A cantora, que se encontrava em seu país de origem para participar de gravações do programa Idol Producer, só conseguiu voltar para a Coreia em setembro do ano passado por conta da pandemia do Covid-19.

Assim como nas outras duas instalações anteriores da trilogia Dystopia, o álbum nos recebe com a Intro, uma abertura curta, mas que logo de cara determina bem o que devemos esperar das canções que vêm a seguir. A faixa conta com elementos intensos e escolhas de sons um tanto quanto inusitadas, mas que nem por isso deixam de ser interessantes, como por exemplo a flauta que podemos ouvir logo nos primeiros segundos. O crescente aumento na intensidade do instrumental ao decorrer da música constrói uma sensação de urgência, e é por essa razão que, quando a batida é inteiramente cortada no final, sentimos o impacto dos poucos segundos de silêncio absoluto que antecedem a próxima faixa – o clima para Odd Eye já começa a ser preparado antes mesmo da canção começar.

A title track do álbum, por sua vez, é marcada pelos vocais assombrosamente belos que são característicos do grupo, e se junta à crescente lista de singles impecáveis que o Dreamcatcher vem acumulando ao longo da sua carreira. A mistura de elementos diversos é harmoniosa e o resultado é uma canção forte com um refrão particularmente marcante.

A letra da música trata dos sentimentos das integrantes ao terem o sonho de atingirem a sua utopia destruído, mas essa não é uma obra triste. A energia transmitida por Odd Eye é carregada de raiva e de determinação: quando a líder do grupo JiU canta “No more Utopia” ao final da música, a frase – repetida várias vezes ao longo da canção – torna-se uma afirmação cheia de ressentimento; a utopia não existe e elas não vão mais procurá-la.

Experimentando com elementos de dubstep e cyberpunk, o álbum continua com Wind Blows. Com uma batida que se apoia em um baixo forte, a faixa chama atenção logo no início por sua força e intensidade. De forma geral, no entanto, a música não atinge as expectativas criadas por seus primeiros momentos. O pós-refrão dela, por exemplo, tem ideias interessantes, mas na prática falha em se conectar com a música, ficando isolado e soando estranho ao lado das outras seções. O destaque, entretanto, deve ser dado ao pré-refrão, onde os vocais de Yoohyeon, Handong e Sua se impõem de maneira delicada num momento de grande contraste de textura instrumental em relação ao resto da melodia. 

Já em Poison Love, o grupo utiliza um baixo semelhante ao que está presente na canção anterior, mas de uma forma completamente diferente, conseguindo manter um instrumental sutil e atmosférico. A mixagem e a estabilidade da melodia acaba nos induzindo a manter nossa atenção quase unicamente nos vocais. A faixa se destaca pela suavidade, mas também pela inspiração no synthpop dos anos 80 – um pouco à la Sweet Dreams da Annie Lennox e Eurythmics – com uma presença forte de elementos de música eletrônica. 

O assunto principal da letra é um relacionamento rodeado de obsessão e comportamentos tóxicos, levando a pessoa a questionar o porquê de ainda se manter na relação. O baixo forte no refrão combinado com vocais aveludados, quase que sussurrados, geram uma aura que faz com que ficar parado enquanto se ouve Poison Love se torne difícil; não porque a música é necessariamente animada, mas porque ela é contagiante na medida exatamente precisa para nos fazer inconscientemente acompanhar o seu ritmo. Mais uma vez, o Dreamcatcher prova a sua capacidade de experimentar e executar com maestria diversos gêneros musicais. 

E seguindo na onda de experimentar diversos gêneros musicais, 4 Memory é muito provavelmente uma das canções – senão a canção – mais suaves da carreira do grupo. O instrumental leva um violão como elemento principal, criando uma atmosfera um pouco mais intimista. Esse clima é quebrado, porém, quando chega o refrão, que possui um drop composto por vocais cortados e remixados para criar a melodia. Esses componentes, no entanto, se mesclam de maneira graciosa, criando uma mistura prazerosa e surpreendente para o grupo. Talvez a canção não chamasse tanta atenção caso pertencesse a outro artista, pois de fato não possui nenhum elemento extremamente inovador quando comparada a outras do mesmo estilo, mas de qualquer forma é uma adição bastante interessante e agradável de se ver na discografia do Dreamcatcher.

New Days é a última faixa do álbum antes da versão instrumental de Odd Eye e foi a escolha perfeita para encerrar a obra. Depois de passar por tantos gêneros musicais ao longo do EP, o grupo finalmente retorna para sua casa: o rock. Com um tom extremamente esperançoso e nostálgico, New Days parece saída direto de uma abertura de anime, marcada por solos de guitarra e pequenos detalhes que elevam a canção a um outro nível. Um deles é a pequena seção instrumental entre o final do primeiro refrão e o rap da integrante Dami que muda completamente a textura da música, antes intensa, agora calma e suave – mesmo que essa mudança dure apenas alguns segundos.

Com exceção dessa última faixa, o Dystopia: Road to Utopia é um álbum marcado por uma sensação de urgência e frustração durante seu percurso, com temas do tipo sendo recorrentes nas suas letras e, consequentemente, refletidos nas suas melodias. A fusão de rock e EDM que o Dreamcatcher continua a apresentar é única e tornou-se rapidamente uma marca do grupo, mas é animador ver que elas permanecem dispostas a experimentar com outros estilos da forma que fizeram nesse álbum. Por mais que algumas dessas tentativas não tenham atingido seu potencial completo, não deixa de ser admirável a capacidade do grupo de constantemente inovar e se reinventar, ao mesmo tempo conseguindo manter as suas importantes marcas de estilo que tornam o seu som tão inegavelmente particular.

8/10

Ouça o novo EP das meninas do Dreamcatcher!

Total
0
Shares
Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Related Posts