A onda coreana, Hallyu, atingiu marcas até então aparentemente inalcançáveis no ano de 2020. No cenário cinematográfico, a gigante Netflix têm investido cada vez mais nos kdramas, fechando acordos com as duas maiores produtoras de dramas da Coreia do Sul, Studio Dragon e Jcontentree; e o sucesso internacional de “Parasita” foi tanto que o longa-metragem se consagrou Melhor Filme no Oscar – o primeiro filme não falado em língua inglesa a conseguir tal feito. No k-pop, o BTS quebrou todos os recordes possíveis nos charts americanos e conseguiu com “Dynamite” a primeira indicação do grupo ao Grammy. Entretanto, esta onda não se prende apenas ao consumo de artistas coreanos. Com o k-pop, o Hallyu movimenta fãs ao redor do globo, conecta pessoas de diferentes comunidades e as permite conhecer uma nova cultura.
Dentro das várias formas que os fãs de pop coreano encontram para se unir e apreciar a obra de seus artistas favoritos, uma virou uma febre em todo o mundo: o KPOP IN PUBLIC, um desafio em que vários grupos de dança vão para espaços públicos e apresentam as coreografias de uma determinada música de k-pop.
Por Bruna Antenore, Isabella Vieira, Júlia Baruki e Lívia Stamato
O KPOP IN PUBLIC
Se tem uma coisa que movimenta a internet são os challenges. Diversos tipos já passaram pelo Twitter, Instagram, YouTube e dominam o TikTok. Dentre os mais famosos do YouTube, o KPOP IN PUBLIC chama a atenção por possuir apenas uma regra: se apresentar ao vivo em uma área pública e, de preferência, movimentada. Por meio das danças em público, há a possibilidade de entrar em contato com os fãs de k-pop, que performam as coreografias difíceis dos idols, além de assistir as reações das pessoas ao redor – que muitas vezes não conhecem as músicas que estão sendo apresentadas – e ainda conhecer locais diferentes ao redor do mundo.
Em conversa com o ROCKNBOLD, grupos de dança de k-pop de cinco países nos mostraram um pouco das alegrias e dos desafios e a paixão que eles têm por se apresentarem em público. Na primeira parte do especial, iremos apresentar os grupos da Rússia, Brasil e Vietnã.
BOOMBERRY – Moscou, Rússia
Formado por quatro amigas, o BOOMBERRY possui mais de 200 vídeos em seu canal no YouTube e 146 mil inscritos. Elas começaram a se interessar pelo k-pop entre 2012 e 2014, através de grupos como SHINee, BTS, Girl’s Day e BIGBANG. As meninas contam que a comunidade de fãs de grupos coreanos na Rússia é grande, especialmente em Moscou. “Antes do COVID-19, nós tínhamos uma boa quantidade de shows e eventos relacionados à indústria do k-pop. Temos muitos festivais de cover de dança de k-pop e até batalhas de k-pop noturnas, onde a comunidade de k-pop se reúne para curtir seu gênero de música favorito”, comentam.
“Eu comecei a dançar k-pop em 2014, quando fui pro festival “Bridge to Korea” em Moscou [no qual os membros do BTS foram jurados] e vi muitos grupos de dança diferentes competindo. Pareceu divertido e também combinava duas das minhas coisas favoritas: k-pop e dança”, nos contou Anna, líder do BOOMBERRY. Agora, o grupo é composto por ela, Bruce, Rita e Julia, as quatro melhores amigas que seus inscritos assistem.
No canal do grupo, encontramos covers de coreografias de diversos artistas coreanos. As danças de grupos como MAMAMOO, (G)I-DLE, ITZY, BLACKPINK e BTS ganham vida com performances em diferentes espaços, parte do KPOP IN PUBLIC CHALLENGE. Para a escolha do local de filmagem, as quatro procuram um lugar que acreditam se assemelhar mais com as localizações dos clipes oficiais ou que ao menos tenham a mesma vibe: “Nós queremos que nossos espectadores recebam dos nossos vídeos o mesmo tipo de energia que eles sentiram assistindo ao clipe original ou ouvindo a música”. Quando filmam em público, alguns olhares curiosos as observam durante a gravação, mas, segundo elas, as reações das pessoas não as incomodam.
Sobre o processo de aprendizagem das coreografias, o grupo afirma não ter preparações especiais no cotidiano. No entanto, existem alguns casos especiais. Para o cover da coreografia de TEN e WINWIN de “Lovely” (música de Billie Eilish e Khalid), Anna precisou fazer abdominais por duas semanas para conseguir fazer um salto no meio da dança. Para elas, a melhor técnica de aperfeiçoamento é filmar os ensaios. “Parece simples, mas essa é a melhor coisa a fazer quando se quer melhorar na dança: ver como você está sob a percepção de outra pessoa, e é pra isso que o vídeo serve”, comentam.
Com sua dedicação e paixão pelo k-pop, o BOOMBERRY foi para a Coreia do Sul em 2019 para participar do Stage K, um programa de televisão em que fãs selecionados em audições prévias performam em frente aos seus grupos favoritos. “Estar no Stage K foi um sonho se tornando realidade. Não dá pra expressar o quanto ficamos felizes e orgulhosas. Foi surreal estar diante de todos esses ícones da indústria do k-pop, que a gente só via pela internet ou pela TV”, afirmam.
“Nós conhecemos TANTOS idols no programa e até tivemos a chance de conversar com alguns no backstage. Por exemplo, os meninos do iKON nos deram alguns elogios fofos e a Yubin do Wonder Girls até pediu o link do nosso canal! Não é a realização de um sonho? Eu sinceramente achava que estava sonhando e que tudo ia acabar quando eu acordasse”, relata Anna.
O grupo competiu no programa com outras equipes da França, do México e do Vietnã – todos apresentando covers das danças do EXID, com as idols do grupo como juradas! As garotas do BOMBERRY venceram e, ao final, ainda tiveram a oportunidade de dançar ao lado das integrantes do EXID. “Ter a chance de dançar as coreografias do grupo ao lado delas foi inacreditável, nós não conseguíamos nem acreditar no que estava acontecendo no palco, mas foi muito divertido! Somos muito gratas por essa oportunidade”, contam.
Confira o cover de “How You Like That” do BLACKPINK gravado pelo BOOMBERRY
B2 Dance Group – São Paulo, Brasil
Se você procurar pelas palavras “KPOP IN PUBLIC BRASIL” no YouTube, é quase impossível que não encontre um vídeo do B2 Dance Group, um dos principais grupos de dança voltados ao k-pop no Brasil. Criado em 2012 na cidade de São Paulo, o conjunto surgiu da paixão pela dança e pela música pop. Segundo Lucas, um dos integrantes, em 2010 e 2011, girlgroups como o Girls Generation e o 4Minute chamaram a atenção dos meninos, que resolveram criar o grupo de dança para repetir a coreografia dos idols.
Para a formação original do B2 Dance Group, assim como os idols, os interessados também passaram por um processo de audição. “Os meninos descobriram que já existia muita gente que dançava k-pop lá em 2012 e decidiram criar um grupo para dançar. Eles fizeram uma audição – assim, um teste pras pessoas entrarem -, juntaram 5 meninos e começaram a dançar e dançar em eventos, participar de competições, essas coisas”, conta.
Poucos integrantes das primeiras formações do B2 Dance Group ainda fazem parte do grupo, mas isso não atrapalhou o sucesso do conjunto, que passou a fazer os desafios de KPOP IN PUBLIC no YouTube há aproximadamente 2 anos. Para gravar os vídeos, os meninos costumavam utilizar um dos cenários mais emblemáticos da cidade: a Avenida Paulista. “A gente gravava sempre na Paulista antes da pandemia. Lá, tem muitos artistas de rua, então procurávamos sempre respeitá-los e tentar manter uma distância legal de onde eles estavam. Dependendo de como estava o movimento da rua, a gente fazia essa gravação”, relata Lucas.
Uma das partes mais interessantes do KPOP IN PUBLIC é observar a reação das pessoas que estão assistindo a gravação das coreografias. No Brasil, isso não seria diferente. Questionado sobre a reação das pessoas ao ver as danças em público, Lucas contou que o grupo nunca passou por experiências ruins durante as gravações. “Muitas pessoas sempre perguntam ‘como é a recepção das pessoas na rua, principalmente porque vocês dançam músicas femininas?’, mas a Paulista tem muitos artistas de rua e é um lugar de muita diversidade, então quando a gente gravava lá aos domingos, a gente era mais um artista de rua num lugar com dezenas ou talvez centenas de artistas”, relata o integrante.
Lucas também refletiu sobre a forma com que a dança e o k-pop desperta o interesse daqueles que estão assistindo. “Já gravamos mais de 130 vídeos e acho que se teve uma experiência de alguém que agiu de uma forma não muito bacana ou foi meio babaca, foram uma ou duas vezes. No geral, a gente é sempre recebido muito bem nas gravações. As pessoas sempre param para olhar, tirar foto, elogiar, saber o que é. Muita gente não conhece, muita gente conhece e já acompanha, é sempre muito gostoso, o pessoal acolhe a gente muito bem”, finaliza o dançarino.
Assim como qualquer outra atividade ao ar livre, a rotina de gravações do KPOP IN PUBLIC do B2 Dance Group passou por mudanças durante a pandemia. Segundo Lucas, o grupo chegou a parar com os treinos e filmagens devido ao avanço do Corona vírus. “Quando foi o início da pandemia, a gente ficou muito assustado – como todo mundo está até agora – e a gente pausou totalmente as nossas atividades. Todo mundo queria ficar em casa o tempo inteiro para que tudo isso acabasse logo”, conta o integrante. Há cerca de dois meses, o grupo voltou com as gravações em público. “Com o tempo, a gente foi aprendendo outras formas de trabalhar, de se cuidar, então depois de uma longa pausa a gente foi voltando aos pouquinhos, tomando cuidado”, afirma Lucas.
Uma das principais mudanças para o B2 Dance Group foi a alteração dos locais de filmagens e de treinos. “Nós ensaiávamos em local público, no Centro Cultural São Paulo (CCSP), que é o grande point dos k-pop covers. Por ser um local público, paramos de frequentar, mas com a pandemia, a gente conseguiu alguns locais privados para ensaiar de máscara”, descreve Lucas. “Gravamos os primeiros vídeos em locais privados ou com pouco fluxo de pessoas para cumprir todas as orientações das organizações de saúde. A gente vem aprendendo a lidar com isso e tomar os cuidados, mas tudo isso nos restringiu. Queremos a nossa vida de volta e a Avenida Paulista de volta”, finaliza o integrante.
Confira o cover de “I Can’t Stop Me” do TWICE gravado pelo B2 Dance Group
The D.I.P – Hanói, Vietnã
Com mais ou menos 30 integrantes incluindo dançarinos, mídia e staff, THE D.I.P é um grupo vietnamita de dança voltado para o k-pop. Todos entre 17 e 23 anos, eles começaram a ouvir o gênero musical há uns 10 anos, na segunda geração ainda. “Antes a gente só assistia os vídeos de coreografia e tentávamos copiá-los individualmente, mas aí nos conhecemos, vimos que temos a mesma paixão e começamos o grupo como uma forma de praticar, aprender e evoluir”, relatam ao ROCKNBOLD.
Em Hanói, a maior parte dos grupos de dança grava seus vídeos na Walking Street, uma zona da cidade reservada para pedestres. Dependendo do conceito da música, o local da gravação pode mudar. “Nos movemos para parques e shoppings diferentes para trazer variedade nos nossos vídeos e também procuramos pela melhor condição de gravação”, contam.
Sobre as reações do público que está assistindo a gravação dos vídeos em locais públicos, elas podem variar, “vão desde a admiração, ânimo até confusão e estigma”. Além dos olhares curiosos, o grupo possui muitos apoiadores, que vão tirar fotos com eles e os ajudam em todos os sentido. Shows e premiações raramente acontecem no país, então encontros são frequentes. Muitas vezes o The D.I.P é convidado para participar de eventos de aniversário de idols ou de debut. “São muito entusiasmados”, eles nos contam sobre os fãs de k-pop do Vietnã.
Em relação as coreografias, a equipe comenta que as músicas possuem diferentes níveis de dificuldade. Algumas, é necessário aprender a coreografia rápido para conseguir mais views nos vídeos, mas nem todas as vezes é assim. “Algumas coreografias de grupos masculinos são tão complicadas e rápidas que precisamos mais tempo pra praticar e trazer às pessoas um cover de alta qualidade”, afirmam. O processo de aprendizado é individual, os membros são divididos em músicas e personagens, com 25 dançarinos no total, a divisão dos integrantes é feita de acordo com suas vibes, aparência e habilidade.
Além do KPOP IN PUBLIC CHALLENGE, The D.I.P também participa de concursos de dança e chegaram a ganhar alguns prêmios. “Todos foram maravilhosos e inesquecíveis porque pudemos nos apresentar juntos em diversos palcos, na frente de tantas pessoas diferentes, assim como de dançarinos profissionais”, contam. Para quando a pandemia estiver sob controle, eles almejam participar de outro concursos.