The Weeknd traz pop oitentista com narrativa arrepiante em ‘Dawn FM’

Abel Tesfaye prova que é um dos maiores nomes do pop com álbum marcado por referências a Michael Jackson e Daft Punk
Foto: Brian Ziff/Divulgação.
Por Luana Harumi e Matheus Izzo

Nos últimos anos, a figura e a voz de The Weeknd se tornaram tão onipresentes nas rádios e cultura pop que é até fácil esquecer que a sua carreira começou de forma anônima, com mixtapes documentando suas aventuras entre drogas, sexo e corações partidos e a recusa do cantor em dar um rosto para a voz que narrava tudo aquilo. Desde então, o artista vem traçando uma jornada cada vez mais ambiciosa – e consegue torná-la ainda mais brilhante em Dawn FM, seu quinto álbum de estúdio.

O trabalho sucede o excelente After Hours, de 2020, e aposenta a persona maníaca e ensanguentada de terno vermelho que Abel Tesfaye encarnou em aparições públicas ao longo de quase dois anos. 

Uma nova era

O conceito de Dawn FM é ser uma rádio para distrair o ouvinte no purgatório, representado como um congestionamento até chegar à luz do fim do túnel que o levará de vez ao além-vida. O locutor é ninguém menos que o ator Jim Carrey, vizinho e amigo de Abel na vida real, que aparece ao longo do disco para marcar a programação e oferecer reflexões sobre a vida levada até ali.

Além de Carrey, o álbum conta com participações especiais de Tyler, The Creator, Lil Wayne e do lendário produtor Quincy Jones, que ganha uma faixa tocante para contar como seus traumas de infância com questões de saúde mental de sua mãe afetaram seus relacionamentos na vida adulta. O trabalho conta ainda com a ajuda de Calvin Harris e Swedish House Mafia e dos colaboradores frequentes de The Weeknd, Oneohtrix Point Never (Daniel Lopatin) e o afiado produtor pop Max Martin, além de uma pontinha de Josh Safdie, que dirigiu o cantor no filme “Joias Brutas”.

É difícil não traçar paralelos entre a narrativa apresentada e a realidade pandêmica atual do mundo, especialmente com falas que relembram o ouvinte de que “todos os planos futuros foram adiados” – inclusive, vale notar, a turnê que The Weeknd faria em 2020, atualmente remarcada para 2022. 

Em uma sessão virtual com a imprensa antes do lançamento, o artista explicou que não estava satisfeito com suas tentativas iniciais em compor o disco sucessor de After Hours, com ideias muito influenciadas por pensamentos depressivos e, por isso, decidiu seguir um caminho diferente. “Era [tudo] muito sombrio e triste, não era nem um pouco catártico”, explicou. “Então abandonei aquele álbum e criei algo mais [para a] fantasia, mais como um escape.

Som e influências

Dawn FM expande o caso de amor de The Weeknd com sintetizadores, dando sequência aos sons nostálgicos inspirados nos anos 1980 apresentados em After Hours de forma ainda mais cativante. Ao longo de quase uma hora, o álbum nos leva em uma jornada disco e R&B com temas clássicos do cantor, desta vez apresentados de uma forma mais otimista. A narrativa é muito bem amarrada, com canções dispostas de forma a encadear perfeitamente cada tema – a sequência de “How Do I Make You Love Me?” até “Out of Time” é especialmente primorosa. 

Aqui ele mostra que foi realmente um aluno de Daft Punk, com quem colaborou em duas faixas de Starboy, de 2016. A versão do álbum de “Take My Breath”, originalmente apresentada como single em 2021, é mais longa e traz uma atmosfera ainda mais disco-house que remete muito a “Da Funk”. Mas é em “Sacrifice” que vemos a inspiração mais clara da era Homework da ex-dupla de DJs (álbum que, curiosamente, também inclui uma faixa que imita uma rádio, intitulada “Wdpk 83.7 FM”). 

As batidas e o grave marcante de “Gasoline” e “Don’t Break My Heart” remetem ao som do Depeche Mode, enquanto os riffs de guitarra e os vocais melódicos de “Sacrifice” e “Out of Time” lembram muito o trabalho de Michael Jackson em Off The Wall – cortesia de Quincy Jones, grande parceiro de MJ. A faixa inclui, ainda, um sample de “Midnight Pretenders”, de 1983, da cantora pop japonesa Tomoko Aran. A transição de “Best Friends” para a esplêndida e mais urban e R&B que o restante do disco, “Is There Someone Else?“, também merece menção. Uma das mais grandiosas faixas da discografia de Abel.

A porção final traz ainda um toque de Prince em “Less Than Zero” e uma referência mais direta a Purple Rain no poema “Phantom Regret by Jim”, co-escrito por Carrey. 

O senso de justiça e as motivações de Abel

Aqui, os synths oitentistas são similares a duas das maiores obras de Michael Jackson, assim como as abordagens disco e retropop, as métricas construídas entre versos e refrões, o blazer/jaqueta em tons avermelhados, a produção de Quincy Jones… no entanto, estas não são as únicas semelhanças justificáveis e referências evidentes de Abel ao Rei do Pop.

Segundo Quincy em entrevistas ao longo das últimas décadas, MJ teria se revoltado com um suposto boicote do Grammy após não ter vencido a categoria mais cobiçada da premiação com Off The Wall, lançado em 1979, mesmo tendo levado para casa um troféu por “Don’t Stop ‘Till You Get Enough” no ano seguinte.

Acredita-se que foi através da gana de querer se provar o melhor – ou, quem sabe, o mais reconhecido por mídia e público – que MJ criou e produziu Thriller, ao lado de seu fiel escudeiro e exímio produtor Quincy. O disco, que até hoje é o mais vendido da história da música contemporânea, é considerado por muitos um dos melhores álbuns já feitos desde os primórdios da existência da Arte; não a toa, finalmente rendeu a Michael OITO GRAMMYS, incluindo de “Álbum do Ano” (“AOTY”).

Este sentimento de injustiça já visitado por Jackson, se analisado por uma perspectiva externa além do brilhantismo cheio de purpurina abaixo do globo espelhado entregue por Abel em Dawn FM, pode ser considerado um dos carros-chefes que ditam os rumos do quinto álbum de estúdio do artista canadense, que claramente faz alusões à vida e à morte, temas que também são abordados no clássico do Rei do Pop, ainda que de forma mais caricata e superficial.

É fato que Tesfaye sofreu um dos maiores boicotes da indústria ao não ser indicado em nenhuma categoria na 63ª edição do Grammy, que aconteceu no início de 2021. Tanto a totalidade de After Hours (2020) quanto os hits “Blinding Lights“, “Save Your Tears” e “Heartless” eram apontados como grandes favoritos na premiação. O que se diz por trás das cortinas é que além de mais uma vez a Academia ter sido racista, os maiores empresários que ditam as regras do mercado não teriam lidado muito bem com a escolha de Weeknd ser o único responsável pelo show do intervalo do SuperBowl LV, que ocorreu cerca de um mês antes da cerimônia do evento.

A vontade do Grammy, segundo fontes, era de Abel assinar um contrato de exclusividade para uma apresentação inédita acerca do conceito audiovisual de seu até então novo disco, provavelmente visto como o que seria o trabalho mais premiado daquela edição. Porém, Tesfaye optou por um show gigantesco no intervalo da grande final da NFL – investindo milhões de dólares do próprio bolso, inclusive -, sendo assim completamente retirado de toda e qualquer categoria da premiação, mesmo tendo conquistado números expressivos de plays e visualizações, além de ter batido recordes nos maiores charts em todo o planeta e obtido certificados de platina em diversas partes do globo.

The Weeknd Dawn FM
(Foto: Divulgação/Reprodução)

Através deste background é possível identificar ainda mais semelhanças no contexto que une e justifica Dawn FM e Thriller, dadas suas proporções. Assim como Michael, Abel entrega com classe e muita qualidade o mais brilhante trabalho da carreira, ainda melhor – e conceitualmente mais experimental – que seu antecessor, colocando em cheque a credibilidade do que é visto historicamente como “o maior prêmio da música” há mais de sessenta anos.

Os próximos capítulos serão responsáveis por atestarem a importância da Academia na indústria fonográfica moderna, afinal, se Weeknd já era forte candidato aos gramofones de ouro com seu quarto projeto, lançado em 2020, agora naturalmente se torna unanimidade, ainda que os próximo onze meses aguardem público e crítica com provavelmente grandes obras de outros artistas. Contudo, boa sorte aos concorrentes: 2022 parece ser novamente o ano de Abel Tesfaye; resta saber se desta vez ele será merecidamente colocado na prateleira de ouro dos grandes popstars do século.

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